domingo, 18 de maio de 2008

NAQUELE TEMPO...






Maurício Severo Domingos

Retalhos da vida da cidade de Faro






Contado pelo "Costeleta" Mauricio Severo Domingues



Viviam-se os anos quarenta e frequentava o 1º ano da Tomás Cabreira, no Largo da Sé, junto ao Seminário. FARO, a cidade mais importante do Algarve, a sua Capital, era centro de quase toda a actividade comercial, industrial e cultural da provincia.



A Escola Industrial e Comercial Tomás Cabreira e o Liceu João de Deus, junto à Alameda, eram praticamente os únicos Estabelecimentos de Ensino Oficial de todo o Algarve, e ainda a Escola Comercial de Lagos, cujos alunos vinham de Portimão, Messines, Olhão, Cacela, Tavira e Vila Real de Stº António. Era o comboio, a EVA, a Empresa Rodoviária Sotavento do Algarve que transportavam esses alunos durante o ano lectivo até à cidade.



A vida na cidade era calma, sem problemas de maior, os Cafés encerravam à meia noite, desconheciam-se as "Boites", as discotecas, a vida nocturna e outras actividades que o "progresso" instalou nos nossos hábitos. Pouco se falava da guerra que alastrava por todo o mundo, nem tal nos era permitido pelo regime instalado. A apatia era total e os poucos locais de lazer eram a praia de Faro, ainda sem ponte, para onde os veraneantes iam aos fins de semana num barco a motor, o "Isabel Maria", que partia do Cais da Porta Nova de manhã e ao entardecer fazia a última viagem de regresso à cidade. Além do Cinema Stº António e alguns cafés, poucos lugares havia para distrair a rapaziada, destacando-se o Café Aliança, ponto obrigatório da "malta" para beber um café ou um copo de água de Monchique, que se bem me lembro, custava vinte centavos (dois tostões) o copo.



Os Criados de Mesa, como se dizia na altura, eram simpáticos e condescendentes para com a "malta" da Escola (lembro-me do grandalhão -" Joaquim das Iscas") que ia fazer uma partidinha de bilhar, na sala ao lado, sempre vigiada pelo empregado e ainda o proprietário do Café e do Hotel Aliança situado na Rua da Marinha - o Senhor José Pedro da Silva - que se passeava pelas instalações à laia de fiscal.



O Café tinha um recanto onde se juntavam todos os dias os negociantes de amêndoas, alfarrobas e figos sêcos, que a rapaziada apelidava de "A BOLSA" dos montanheiros, onde se faziam grandes negócios e por vezes uma "partida" de amêndoas era vendida e revendida a seguir, sem que existisse uma amêndoa sequer!!! Entretanto, os vários intervenientes nos negócios iam ganhando dinheiro e só o vendedor finalista é que se tinha de desenrascar para arranjar as amêndoas. "Naqueles tempos" a vigarice já existia !!



O Sr. Francisco Pegos ( Chico Pegos) que o poeta popular Antonio Aleixo imortalizou nas suas quadras (Intencionais) tinha uma mesa "reservada" que todos nós conhecíamos pelas grandes cuspidelas que o grotesco negociante mandava para o chão, amareladas e cheias de baba, pegajosas, resultantes das pontas do charuto que mastigava enquanto fumava. Uma autêntica porcaria !



Várias outras figuras faziam "estação" junto do Café Aliança; eram o "Tóquim", o "Arpanço". o "Limpa-a-Proa" e outros que faziam pequenos recados, transportavam mercadorias e encomendas dos comerciantes da Rua de Stº Antonio para ganhar uns tostões.



O "Limpa-a-Proa"- homem alto e espadaúdo, possante, tinha pretensões a jogador de boxe e muitas vezes era escolhido pelo Circo instalado no Largo Lettes, junto ao Teatro , para transportar e colocar na esquina do Café Aliança os Placards com o programa do espectáculo. Tinha livre tânsito no Circo e lugar cativo na " Geral " á borla, claro, pois por vezes o gerente organizava uns combates de boxe, nos intervalos, para entreter os espectadores. " O Limpa-a -Proa" ganhava sempre ao Palhaço .



O "Arpanço", com deficiência e mal formação dos pés, já de nascença, nunca usou sapatos ou botas em toda a sua vida, andando sempre descalço. Também ele era frequentador do circo, beneficiando do mesmo estatuto do "Limpa-a-Proa", por distribuir os panfletos e outra propaganda do Circo por toda a baixa da cidade.



Uma noite, com a casa cheia, o Circo apresentou um programa de trapezistas, num número bastante arrojado e pedia-se muito silêncio para o momento em que o artista fazia o seu trabalho. A assistência seguia em silêncio o trabalho do artista e um tambor rufava baixinho para chamar a atenção do público. Nisto houve-se um forte espirro vindo da "geral", seguindo-se o comentário do autor do espirro : Porra ! Não posso saír um dia descalço constipo-me logo!! Toda a gente olhou para a Geral e viu que a expressão era do "Arpanço", que todos conheciam pela sua deficiência e que sempre andou descalço. Uma enorme gargalhada ecoou, sem que houvesse qualquer problema para o trapezista.



A graça correu célere por toda a cidade no dia seguinte.



Alguém se recorda disto ?



Coisas do antigamente que nunca mais esquecem.




Maurício Severo Domingues (com residência no Estoril)




Recebido e colocado por Rogério Coelho

12 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Maurício.

A sua crónica sobre a nossa cidade tem a sua piada.

Todavia, não duvido que o senhor Pegos e o senhor Arpanço fizessem e dissessem o que o senhor diz. Mas porquê classificar isso de porcaria e de gargalhada geral?...

João Brito Sousa

Anónimo disse...

Há pegos no mundo inteiro
mas, neste canto do mundo,
há um Pegos, que em dinheiro
é como um pego sem fundo

Do poeta António Aleixo

Assisti às "escarradelas" do sr. Pegos. O Maurício tem razão, era uma autentica porcaria.
Quanto ao "Arpanço", dá-se o caso de que eu assisti ao espectáculo do circo, instalado no largo das Moiras Velhas, junto ao teatro Lettes, nessa noite. E, porque o silêncio era absoluto devido ao trabalho do trapezista,aquele "desabafo" do "Arpanço", parecia um altifalante. A gargalhada foi geral. E o que se passou serviu de comentário por toda a cidade, porque o "Arpanço" era conhecido por todos.
Gostei muito de recordar esta história do Maurício. Escreve mais, Mauricio, deves ter mais para recordar.

Anónimo disse...

Qualificar de vigarices o com�rcio de frutos secos, particularmente das amendoas, � demonstrativo dum desconhecimento da realidade da epoca. Havia sim, seriedade, responsabilidade e compromisso.
Recomendo algum cuidado na adjectiva�o, porque muitos desses negociantes da bolsa, eram pais de grandes costeletas.

Anónimo disse...

CONCORDO

absolutamente com o que diz o anónimo anterior.

Até mesmo na frase, (que a rapaziada apelidava de "A BOLSA" dos montanheiros), a palavra montanheiros tem um pouco de carga perjorativa.

Não tenho complexo nenhum de pertencer a essa secção, porque caminhamos sempre lado a lado, ganhamos e perdemos.

Mas para quê vincar isso?

Não conheço o costeleta Maurício
mas já me disseram que é boa
praça.

O meu comentário não vai além das palavras.

Aí vai um abraço do

João Brito Sousa

Anónimo disse...

Concordo com o Maurício na qualificação de "vigarices" efectuadas entre os comerciantes da época. E digo-o porque vivi essa realidade. Havia de facto o compromisso na palavra mas, seriedade? Cada um procurava enganar o outro. Eram, de facto, bons pais de família mas, no negócio?...!!! entre comerciantes?
Montanheiros e cidadãos, qual é a diferença? São pessoas, e cada um puxa a brasa à sua sardinha...
Estas críticas são de facto saudáveis!
Um abraço ao Maurício, o teu texto já leva 5 comentários... entras no Guinesse

Anónimo disse...

MEU CARO,

Por mim, não concordo com a utilização do termo "vigarice",porquanto, esta é atitude de um "vigarista" e este, é aquele, que usando de má fé, tenta ou consegue lesar ou ludibriar alguém, com o objectivo de obter para si uma vantagem.

A "vigarice" possui esse lado sujo.

Ouvi falar desses negócios mas nunca ouvi falar de vigarices. Os envolvidos eram comerciantes que
queriam ganhar o máximo. Será isto vigarice?

O Maurício diz que o último é que ficava àrrasca não disse que tinha ficava lesado por atitude deliberada.

Se houvesse vigarice já não haveria segunda sessão do negócio.

No meu entendimento, o assunto tinha mais uma componente de risco, tipo jogada de casino.

Vigarice?... hum, não me parece.

abração.

João Brito Sousa

Anónimo disse...

A TESE HONRADA DE UM COSTELETA... QUE EU SUBSCREVO INTEIRAMENTE.

Ei-la:

"Quem chama a esses homens vigaristas,nao tem a nocao do que e' um vigarista......e,esqueceu que esses comerciantes,negociaram entre eles dezenas de anos....Todas as quartas feiras sempre com o mesmo codigo de honestidade...um aperto de mao e o negocio ficava selado !Tentem fazer hoje o mesmo....Safa!
Diogo...

COMENTÁRIO

Totalmente de acordo com a tese do DIOGO.

JBS

Anónimo disse...

Tenho seguido com atenção todos estes comentérios.
Talvez uma pequena história verídica coloque um pouco de água na fervura.
Corria a década de 40. Eu era empregado no escritório de um comerciante. No comércio que exercia, entre outros produtos, recebia caixotes com toucinho enterrados em sal. Para quê jogar o sal fóra? Misturar com a cevada não se notava, porque o pó a cevada cobria a cor do sal. Os comerciantes que compravam a cevada vendiam aos seus clientes que tinham galinhas. As galinhas bebiam, bebiam... inchavam e morrriam. Será isto considerado "vigarice"?
Meu caro João Brito de Sousa, parafraseando o seu comentário: "Vigarista é aquele que usando de má fé, tente ou consegue lesar ou ludribiar alguém, com o objectivo de obter para si uma vantagem"
Um abraço João, no almoço do dia 8, poderemos falar sobre isto.
CHO

Anónimo disse...

CARO ANÓMIMO ANTERIOR.

Não há necessidade de colocar água na fervura. Há sim, talvez necessidade de diálogo que foi para isso que esse espaço foi criado e tem vindo a aguuentar-se.

Isto não é uma guerra; é uma troca de pontos de vista, apenas. Que seria interessante ter mais intervenentes, porque, repito, foi para isso que este espaço foi criado.

Quanto a este assunto estou ao lado do Diogo.

abração

João Brito Sousa

Anónimo disse...

Estou em total desacordo que se qualifiquem estas questões de pontos de vista.
QUANDO SE ESVREVE UM TEXTO para o blog, deverá sempre estar presente o seguinte:
Que é um espaço agregador, com particular relevância para o passado. Que devemos sempre escrever para os outros e, não para nós.
Que todas as pessoas vivas ou mortas, nos merecem respeito, e qualificá-las pejorativamente, arriscamo-nos sempre a ofender alguem, quiçá, um dos nossos.

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

João acredito que sim! É necessário haver diálogo e apresentar os nossos pontos de vista, é saudável. Mas, voltando à "vaca fria",que é como quem diz, falando deste comentário,os comerciantes "daquele Tempo", podem estar certos, cada um procurava "vigarizar" o outro, para obter lucro. Mas é necessário que fique bem claro, que todos eles respeitavam os seus compromissos, independentemente das vigarices que faziam e até nas próprias vigarices. Um aperto de mão era suficiente para que o negócio, mesmo com vigarice, ficasse firmado. Por isso, o "Naquele Tempo", era bem diferente daquilo que se passa hoje, em que o aperto de mão não tem significado, não vale nada. Hoje, nos tempos que correm,tudo tem que ser por escrito em que a falta de uma virgula ou uma vírgula a mais, pde dar outra interpretação
Eu poderia contar outra história de "vigarice" entre comerciantes, verídica, mas... fico por aqui. Gostei de comentar só é pena que não apareçam mais.
Um abraço para todos deste "Costeleta" já "entradote"
CHO

Anónimo disse...

MEU CARO COSTELETA das 12.16

Antes de mais um boa noite costeleta.

Dizes:

1) - Estou em total desacordo que se qualifiquem estas questões de pontos de vista.

JBS- Tu não tens estatuto para responderes dessa maneira. Tens que me apresentar um argumento válido. È o mínimo. E isso estuda-se na Lógica Formal. Agora falar de borla....


2) QUANDO SE ESVREVE UM TEXTO para o blog, deverá sempre estar presente o seguinte:

Que é um espaço agregador, com particular relevância para o passado.

JBS- Penso que, agregador sim; relevância para o passado, não necessariamente

3) Que devemos sempre escrever para os outros e, não para nós.

JBS Não percebo porque não escrevi nunca só para mim

4) Que todas as pessoas vivas ou mortas, nos merecem respeito, e qualificá-las pejorativamente, arriscamo-nos sempre a ofender alguem, quiçá, um dos nossos.

JBS- Concordo.

PS- Porque não te identificas?

Aceita os cumprimentos costeletas do
JBS

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