sexta-feira, 26 de setembro de 2008

UMA FIGURA NEXENSE


O PROFESSOR LEITÃO
Por JOÃO BRITO SOUSA

(Texto comentado por Arnaldo Silva, costeleta felizmente reformado.)

O Professor Leitão era o professor primário de SANTA BÁRBARA DE NEXE, aí por volta dos anos cinquenta. Naquele tempo, um professor tinha aulas o dia inteiro e tinha as quatro classes e um bocado de trabalho com aquilo, porque tinha que leccionar leitura e divisão de orações, aritmética (com aquele problema das torneiras, muito complicado, que perguntava assim: Em quantas horas encheu o tanque?).

A coisa não era fácil, pois na quarta classe desse tempo, não se ensinava a regra de três simples, era tudo raciocínio lógico. Ensinava-se também História, com os reis todos e mais as dinastias e sobretudo a revolta de 1820 entre os Miguelistas e os Liberais, que era uma matéria difícil para uma criança de dez anos perceber. Havia ainda as Ciências Naturais, onde se estudava o corpo humano, com os ventrículos e as aurículas e, ainda, os batráquios, mais não sei quê, mais não sei quanto.

A sala de aula, que ficava ao pé da Torre da Igreja, era um armazém asseado. O professor morava ali também e a sala estava cheia de rapaziada (rapazes e raparigas) e havia um cântaro de água, com um copo para os alunos beberem. Um dia o Elias, que era um “Choninhas” e que se queixava muito dos outros ao professor, foi beber água ao cântaro. Escorregou, caiu, levou o cântaro atrás e o cântaro lá se foi...

Ao ouvir tal sarrabulho, o Leitão veio e... perante tal situação, virou a cara para o lado, respirou fundo e disse: “Elias, dá cá a mão! Agora são vinte, menino Elias, ouviu?”.

Nesse tempo, o grande auxiliar, do professor primário em geral e do professor Leitão em particular, era a régua que fazia milagres, como dizia o Mestre-Escola dos “Meus Amores”, do Trindade Coelho. E nisso o Professor Leitão era Mestre. Era cada dose de .... de tal maneira e força que quase se ouvia na venda do Amadeu. Apesar de tudo, é importante dizer que havia cooperação entre a Escola e a Família, resultando a (boa) educação do aluno do esforço das duas partes.

O melhor cliente que o professor Leitão tinha era o Bárbara, um rapaz destemido que não tinha medo de nada, tanto dormia em casa como na rua ou dentro do forno e a mãe não dava conta dele. Então, levava-o à Escola e recomendava ao Professor que lhe desse uma tareia das fortes. Só que o Professor Leitão nunca teve muita sorte com isso, porque o Bárbara fugia da Escola, fugia da Guarda Nacional Republicana, fugia de todo o lado. Uma vez quiseram metê-lo na cadeia e os Guardas não conseguiram, porque ele punha os pés à parede e daqui ninguém me tira.

O melhor aluno desse tempo era um dos filhos do Pai da Malta, o hoje Eng.º João Pinto Faria, grande aluno quer na primária, quer na Escola Comercial e Industrial, quer no IST, onde se licenciou em Engenharia. Quando eu cheguei à Escola Comercial em Faro, em 52, estava ele de saída, mas era um rapaz muito popular lá, jogava muito bem à bola, era defesa central, e nos jogos com o Liceu brilhava porque fisicamente era muito poderoso.

Isto foi nos anos 40.

Comentário Arnaldo Silva

Ei!! Miracolo!!!
O amigo Brito 'tá de volta! Como se diria, em boa evocação da anedota, transviou-se por uns tempos e agora voltou "aos caminhos do senhor". Faço votos para que tenha regressado para ficar.
Mas eu gostei da evocação que hoje aqui é feita porque me transportou a tempos longínquos, que marcaram uma geração. A Escola Primária, de muito boa memória, era o princípio da formação de personalidades, do despertar de interesses e capacidades, da integração na vida social para que o Homem se encontra vocacionado desde a sua vinda ao mundo. Eu, por via da profissão do meu pai, passei pelas mãos de vários Leitões (salvo seja!) e por um armazém transformado em sala de aulas, por uma verdadeira Escola (a dos Centenários) e por salas de um velho convento, em Tavira. Mas ficou, para sempre, em marca gravada bem profundamente, a recordação e os efeitos desses quatro anos. Um dia destes abordarei a diferença do tipo de ensino e discutirei a importância de se ficar a saber, naquela idade, os afluentes dos rios portugueses, as linhas férreas e seus ramais, os sistemas montanhosos, os cognomes de todos os nossos reis, as operações com "quebrados", o esqueleto humano, os... Bem! Toda essa pipa de informação que nos foi debitada pela eclétitica sabedoria dos Leitões daquele tempo e que os de hoje ridicularizam e menosprezam.
Mas não quero ir por aí, como já disse. Também não vou pela via da diferença da rigidez disciplinar de então e a flexidade - não queria dizer ausência - da de hoje.
Permitam-me que lembre apenas a sequência de jogos que se desenrolavam no decorrer de cada ano lectivo, como o do berlinde, o do botão, o do pião, o da macaca, o... E lembro este aspecto da Primária para deixar uma pergunta, para a qual ainda não encontrei resposta e que ainda hoje me intriga: quem, o quê, como se determinava a sequência desses jogos?! Venham aí, a terreiro, as cabeças conhecedoras e digam "de sua justiça"!Aquele abraço do

Arnaldo santos silva
Felizmente reformado

2 comentários:

Anónimo disse...

O tema ensino, seria um excelente motivo de participação dos costeletas, particularmente os ex-professores, porque alunos fomos todos.
Neste tema, iniciá-lo nos nossos primeiros anos ( escola primária ) e comparar os conhecimentos que nos eram ministrados e forma como o faziam, com a actualidade, dará concerteza um debate delicioso.
Lanço a primeira "pedra"-
-estou em completo desacordo com todos os castigos físicos que nos eram infligidos, nomeadamente com as famosas reguas, denominadas "meninas dos quatro olhos ". Apanhei algumas vezes. Sentia uma revolta interior de impotência, perante a barbaridade do castigo.Nunca esqueci!
Não eram, nem são formas de educar.

....vamos debater, com elevado sentido de companheirismo, especialmente no contraditório...!
Jorge Tavares

Anónimo disse...

Aló Jorge.

Viva

Vou preparar um texto baseado na minha experiência sobre esse
assunto.

E,claro, vamos debatê-lo com elevado sentido de companheirismo, sem dúvida que sim.

ab.

JBS