quinta-feira, 27 de novembro de 2008

MÊS DE POESIA


Neste mês de poesia, tomo a liberdade de colocar no nosso blogue este trabalho do saudoso Franklin Marques. Tenho a certeza que todos os Farenses, e não só, se lembrarão do Zezinho Beirão mas, poucos conhecerão esta obra do nosso Franklin.
Colocado por Rogério Coelho
(Esta obra foi-me oferecida pelo autor)


Traz peixe fresco da praça.
E uns copos de cachaça...)
Rua fora, molengão.
Muito senhor dos seus actos,
Atrás de si... vinte gatos:
- Eis o Zezinho Beirão!
Pára aqui, pára acolá,
E a freguesia lá está
Sempre com grande atenção ..
Pois, se interrompe a viagem
E faz 'ma curta paragem,
Vai haver distribuição.
"Toma lá tu, desgraçado,
E também tu, ó malhado,
Que eu sei que não és mau ...
Olha, o Zezinho não come,
Mas não quere que passes fome.
Aí vai um carapau... "

E era assim, dia após dia.
Seguido da gataria,
Nunca ninguém entendeu
Como é que o bom do Zezinho
Tinha dinheiro p'ró vinho
Se peixe nunca vendeu...
À tarde, tudo mudava.
Pelas ruas passeava
Seus quatro cães protegidos,
Já que os havia adoptado,
E, até mesmo, baptizado
Com nomes por si escolhidos.
O mais velho e habilidoso
Era o Pepe. E era curioso
Ver como ele obedecia
Com rara fidelidade
A qualquer habilidade
Que o Zezinho lhe exigia.

Era sempre apetecida
A Costumada partida
Que o Zezinho, esse "demónio",
Fazia a quem se apinhava
Na roda que se formava
Na Rua de Santo António,
Apoiado nas traseiras,
Erguidas as dianteiras,
O Pepito ia indicar,
A uma ordem do Zé
Quem estava ali ao pé
E era "peixinho do mar"...
Havia troças, ruído.
Corava o pobre escolhido.
P'las ruas se escapulia...
Soavam as gargalhadas,
A bandeiras despregadas
A malta da roda ria.

Depois, tudo dispersava
Porque um polícia chegava
E o Zezinho, num momento,
Ali mesmo era intimado
A "andar" p 'ra outro lado
P'rá acabar o ajuntamento.
Rom-Rom, Neru e Mirita
(Dois cães e uma cadelita)
Era o resto da matilha
Com que o Zezinho Beirão,
Em tardes quentes de Verão,
Tomava banhos na Ilha.

******
Zezinho quanta saudade
Deixaste nesta cidade,
Neste recanto do Mundo!..
Quem não riu com tuas "partes",
Não conheceu tuas "artes"
Meu filósofo vagabundo?!

Lembrar tuas peripécias,
Recordar tuas facécias,
Teus ditos cheios de graça,
É trabalho que merecia
Que alguém fizesse algum dia
Para a geração que passa!
Quem nesse tempo viveu,
Por certo inda não esqueceu
Seus óculos, modelo raro,
Modelo simplificado
Em que havia dispensado
As lentes. Só tinha aro...
Foi falada aquela vez
Em que ao ver um inglês
De calções a passear,
O Zezinho o imitou
E em cuecas ficou
No Jadim Manuel Bivar.



Depois, quando interpelado
E a vestir-se obrigado
P'lo polícia que surgiu
Na sua lógica fria
Ao agente respondia:
- "Ele também se despiu..."

Era, de resto, a Policia
Em quem a sua malícia
Mais se assestava, brejeira,
Pois, quando vinha com a "torta"
Ia cantar-lhes à porta
Esta canção brasileira:

"Daqui nâo saio
Daqui ninguém me tira... "

Só dois versos respeitados.
Os outros... Improvisados,
Quase sempre, a rematar,
Cantava num tom baixinho:
"Não levem p'rá i o Zezinho
Que o Zezinho não quere entrar"

Mas, eis que chegou o dia
Em que na sua alegria
Foi posto um ponto final.
Qual pardal engaiolado,
Zezinho viu-se internado
No Albergue Distrital.

Bem protestou. Mas, em vão...
À sua própria razão
Se impôs a da sociedade.
Pensou: "Um filho da rua,
Dono do Sol e da Lua,
Privado de liberdade?"

*****
E um comboio que então passou
O Zezinho libertou ...


Franklin Marques

1 comentário:

Anónimo disse...

MOSS,

Isto é do melhor Franklin
Que mete a verdade na rima
Nunca se viu coisa assim ...

Uma descrição tão ritmada
Tão bela e emocionada
Que toma conta de mim...

Obigado FRANK

joão Brito Sousa