segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

RECORDANDO COISAS DA JUVENTUDE

Paulo Emilio Pinheiro Maurício Severo Domingues (fotos dos anos 40)


OS AMIGOS SÃO PARA AS OCASIÕES




Decorriam os primeiros anos da década de quarenta e os dias naquele Verão quente de Agosto passavam-se sem que dêssemos por isso.


As noites com uma temperatura morna convidavam a rapaziada, novos e idosos, depois do jantar, como já era hábito da nossa gente, a calcurriar as ruas da Baixa da cidade de Faro, da Pontinha até à rua de Santo António, terminando por fim no Jardim Manuel Bivar.


O Jardim enchia-se de gente que se passeava de um extremo ao outro, na faixa central, conversando e trocando impressões sobe a labuta do dia a dia, em movimentos lentos, sem pressas, já que a temperatura ainda era elevada.


Aos Domingos, na parte da tarde, o Jardim era mais concorrido e a população mais idosa rodeava o vélho Coreto, de pé, à espera dos músicos. A maioria tomava posições nos bancos fronteiros para garantir um pouco de descanso ao vélho "cavername", cansado dos muitos anos de trabalho.


Um funcionário da Câmara Municipal, Jardineiro, abria uma portinhola no exterior do Coreto e, do subterrâneo onde também guardava as suas alfaias, saíam cadeiras metálicas, articuladas, e suportes para as Pautas Musicais, que eram colocados no piso superior, onde a Banda do Regimento de Infantaria nº4 deliciava a população com a execução de música variada, da clássica à popular, que prendia a idosa assistência. Os mais novos pouco interesse manifestavampelos Concertos, preferindo o " Swimg ", a "Rumba" , o "Rock ´Roll " e outras novidades musicais americanas, recentemente importadas e que começaram a impor-se à Juventude. Por volta da meia-noite começava o regresso a casa dos casais mais idosos, já refrescados da brisa marinha e quando a maré vazia deixava o ar impregnado do desagradável odor vindo dos esgotos que existiam junto à únicaInstalação Sanitária existente na Baixa da ciade, próxima da muralha da Doca, onde um largo tubo despejava os resíduos da cidade.


O Jóvens permaneciam nos bancos do Jardim até mais tarde em conversas de namoricos, fantasiando os momentos agradáveis passados na Praia, recordando as "belas Lagostas" que se estendiam no fino areal, morenaças de arregalar o olho, ou relatando episódios do último jogo de futebol entre o Farense e o Olhanense, rivais de sempre, que tinha acabado à pancada, indo até ao apedrejamento do autocarro que transportava os jogadores. Numa dessas noites, já perto das duas horas da madrugada, com o Jardim deserto, estava eu e o PAULO EMÍLIO PASSOS PINHEIRO, companheiro de quáse todas as noites num dos bancos do Jardim, relembrando o último fim de semana na Praia de Faro, quando ele me informou de que o seu "Charuto", que havia desaparecido semanas atrás, se encontrava novamente na Doca, semi-submerso e pintado de outra côr.


A recuperação do barco era coisa para ser feita de imediato! A operação de resgate tinha de ser executada nessa noite, a maré estava em preia-mar e a oportunidade não podia escapar-se! Combinada a operação o PAULO não hesitou um momento, pois contava com o apoio do amigo MAURICIO. Despiu-se nas escadinhas que existiam na muralha da Doca, junto ao Jardim, entregou-me a roupa e lançou-se resolutamente à água nadando em direcção ao pequeno barco que se encontrava submerso. Em movimentos lentos para não despertar a atenção da sentinela da Guarda Fiscal que fiscalizava a Ponte do Caminho de Ferro, foi empur-rando o barco para fora da Doca, em silêncio, de maneira a não ser visto pela sentinela. Era preciso aguardar que o Guarda Fiscal se afastasse da Ponte para sair em segurança.


Acompanhando todo este movimento seguia eu, junto à linha da CP, contornando a Antiga Central Eléctrica e o Mercado do Peixe, até ao Cais da Porta Nova, pronto a alertar o Paulo de qualquer imprevisto. Seguidamente comecei a andar pela linha fora, até ao Apeadeiro de S. Francisco, sempre alerta e com o ouvidoà escuta, pois a escuridão da noite pouco deixava ver. O encontro estava marcado para junto de um Estaleiro Naval que lá existia, onde era mais fácil içar o pequeno barco até à passagem de nível existente na estrada de ligação entre o Largo de S. Francisco e o Cais do Neves Pires


O Estaleiro era o melhor local para içar o barco por ainda lá se encontrarem enterradas no lodo as calhas de madeira que tinham servido para o deslizamento do ultimo navio ali construido, com um canal que se estendia até ao Cais do Neves Pires, onde a profundidade das águas já permitia a navegação.


Preocupado com o não aparecimento do Paulo, já bastante ansioso e farto de esperar, entrei pelo lodo dentro na esperança de ver alguma coisa.


Por fim, na escuridão da noite, ouço o marulhar das águas e um vulto a aparecer na margem, atascado em lodo, a pedir ajuda para puxarmos o barco até à passagem de nível, sitio mais seco e onde iria começar uma nova fase da operação.


Depois de aliviarmos a carga de lodo negro que se pegava aos sapatos e calças , iniciámos a penosa marcha ao longo da linha até à passagem de nível da Horta do Ferregial, esta com guarda permanente, cansadíssimos, mas determinados a levar o "charuto" até à Travessa do Pé da Cruz onde morava o Paulo Emílio.


Eram quatro horas da madrugada quando cheguei a casa. Sorrateiramente entrei em casa, descalçei os sapatos, despi as calças cheias de lodo que fui colocar no quintal para serem lavadas.


Terminou a operação de resgate. A missão foi cumprida como previsto e o charuto voltou a navegar na Ria de Faro até à ilha todos os Domin-gos.


Na tarde desse mesmo dia, satisfeitos com o resultado obtido, festejámos o acontecimento com um cafèzinho no vélho ALIANÇA.




1 de Fevereiro de 2009


Maurício Severo Domingues




Recebido e colocado por Rogério Coelho

4 comentários:

João Brito de Sousa disse...

Aló Maurício,

Belo texto.
Parabens pelo fôlego demonstrado.
ab.

JBS

Anónimo disse...

Um abraço Caro João

Tenho andado a curtir uma gripalhada que já me levou à cama
por três dias. Levantei-me ontem
meio combalido, mas com força na
verga para levar a embarcação a bom
porto !
Obrigado pelos parabens,que julgo não merecer, pois o texto
é pobre e um pouco longo para o Blogue. Para mim o relembrar factos passados, coisas que nos
moldaram ,e cimentaram grandes
amizades, são o mais importante.
Foi este o caso. Os bons e leais
amigos nunca desertam .
Vou aparecendo sempre que o ócio
o permita.
Espero encontrar-te no almoço anual.
Mais um abraço do velho Costeleta Mauricio

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Todos temos uma história, pelo menos,guardada no nosso "baú de memórias". na história para que todos se lembrem dele
Rogério Escrevam!
Sobre esta história, já consegui do Maurício a fotografia do Paulo Emilio Pinheiro. Vou colocar.
Rogério

Anónimo disse...

Caro Rogério
Um abraço.
Obrigado por juntares ao seu amigo
Mauricio a fotografia do Costeleta PAULO EMÍLIO, o heroi da
"odisseia".

O grupo era composto por mais de meia dúzia de elementos, alguns já
nos deixaram, como o saudoso Rogério Camões o Mónica Pereira e
outros que aparecem nas fotos que
te enviei. Hoje, decorridos mais
de 60 anos, tenho dificuldade em
identificá-los todos. Lá está o
também , solteirinho na altura, o
velho e bom amigo Manuel Diogo da Costa , na Alameda, em fato de ver a Deus.

Mauricio