domingo, 16 de agosto de 2009

UM TEXTO... DIÁRIO, SEMANAL, MENSAL... OU DE VEZ EM QUANDO

Jorge Tavares


AS NOSSAS FÉRIAS GRANDES...(capítulo III)


As chamadas férias grandes - que se iniciavam em regra na segunda quinzena de Junho e terminavam com o início das aulas no dia 1 de Outubro - serviam para todos as usufruimos em função das possibilidades de cada família e consequentemente, da escolha do local para as gozarmos. A baixíssima economia doméstica, obrigava a grande maioria dos jovens do nosso tempo a "ficar em casa", e dando largas à imaginação, gozar as melhores férias possíveis.
Para o pessoal do Largo de São Sebastião, o entertenimento passava pelos banhos no Moinho da Terrinha ou na Cava, sendo que para isso, tínhamos de atravessar a linha férrea, à ida e à vinda, e sujeitarmo-nos à fiscalização familiar aos pés, que normalmente evidenciavam a lama da ria e o preto da terra existente entre os rails, e ao posterior raspanate, pelos perigos da zona. O nosso tempo de férias era também repartido pela ajuda aos artífices e comerciantes locais, no seu ofício, almejando uns cobres - bem escasso ao tempo!

Mestre Armando e a sua carpintaria, mestre Bento José Prado e a sua latoaria, mestre Alberto e a sua oficina de reparações de bicicletas, o tanoeiro, cujo nome não recordo, mestre Jaime e a sua oficina de sapateiro, equipada com a "pedra das sedas", o Viegas e o seu armazém de palma, A. Neves Pires e as suas adegas, Bernardino e a sua mercearia e taberna (Jop.Jopinhal), Joaquim Lopes e o seu forno e padaria, José Lopes e o seu armazém de cereais, os Cabeleiras e a sua fabricação de cordas para a armação do atum, etc.

Esta " colaboração", providenciava o ganho duns "cobres", que amealhávamos e eram sempre benvindos.

Igualmente, recolhíamos nos diversos lares, tudo o que fosse de cobre, em especial, cabeças de fogão a petróleo, que vendíamos aos sucateiros, situados na hoje denominada "rua do crime" e que nos valiam mais uns dinheiritos extra.As fábricas de cortiça existentes na Rua e Estrada da Senhora da Saúde - José Bárbara, José Alexandre da Fonseca, Jacinto e Pinto, Lopes - exportavam os fardos de cortiça, via marítima. Para isso, os carros de mula (veículos semoventes), carregavam a cortiça, e transportavam-na até à doca, para serem colocados nas barcaças que aí estavam atracadas. Estas, movidas à vara e à vela, transportavam os fardos à saída da barra de Faro/Olhão, onde um cargueiro fundeado ao largo, recebia a mercadoria. Este trajecto das carros de mula carregados de cortiça, eram também uma fonte de receita para os jovens: As ruas empedradas provocavam trepidação na cortiça fazendo cair bocados, que nós, munidos duma alcofa, recolhíamos subindo as ruas até à fábrica. O produto dessa recolha era "vendido" ao dono, que voltava a enfardá-la e metê-la em redes próprias. Para nós, os tão almejados tostões extra! Voltando ao lazer.... Na hora do calor, após o almoço, lá vinha a obrigação de dormir a folga...por vezes não cumprida, com a discreta fuga pela porta do quintal. A malta reunia-se à sombra das casas, sentados no chão ou na soleira das portas, e cada um contava a melhor história, aprendida com os pais, os avós, ou mesmo inventada.Ao sábado o programa alterava-se a partir das 13.30h. Tínhamos um compromisso com o comboio rápido que chegava à estação de caminho de ferro de Faro às 14.05, vindo de Lisboa, e trazia os jornais e revistas. Com eles vinha o Cavaleiro Andante, o Mosquito, e a almejada leitura do Cisco Kid, do MandraKe, do SittingBull (famoso chefe dos indios Sioux), etc.

É curioso recordar que em meados de Setembro, já evidenciávamos um secreto desejo de que as férias acabassem para voltarmos às aulas e ao convívio dos "nossos".

Os jovens de hoje (nossos netos) que têm, felizmente, muitas outras possibilidades, podem contudo enriquecer os seus conhecimentos ouvindo os mais velhos falar da sua juventude, em particular da enorme capacidade criativa e de tolerância, perante as dificuldades dos seus pais e avós.


JORGE TAVARES

costeleta 1950/56


Recebido e colocado por Rogério Coelho

2 comentários:

Anónimo disse...

MEU CARO COSTELETA J.TAVARES
PARABÉNS.
O CAPÍTLO III É MAIS UMA BONITA
E ENCANTADORA PÁGINA A ACRES-
CENTAR AO "LIVRO DE MEMÓRIAS"
DOS VÉLHOS COSTELETAS.
NOUTRO COMENTÁRIO JÁ MANIFESTEI
TODO O MEU AGRADO PELAS SUAS
ENCANTADORAS RECORDAÇÕES, QUE
NOS TRANSPORTAM A UMA JUVENTUDE
DESFAVORECIDA, VIVIDA NOS RECU-
ADOS ANOS CINQUENTA, APÓS A 2ª
GRANDE GUERRA, E QUE COM MUITO
ENGENHO RESOLVIA OS SEUS PROBLE-
MAS DIÁRIOS, SE DIVERTIA E GOZA-
VA AS SUAS FÉRIAS SEM GASTAR
MUITO DINHEIRO.
CONTINUE SR. JORGE TAVARES.
A SUA BOA MEMÓRIA DE "JOVEM"
DEVE SER APROVEITADA, POIS
CREIO QUE OS SEUS TRABALHOS
SÃO LIDOS COM SATISFAÇÃO E
AGRADO.

UM ABRAÇO DO MAURICIO

jorge tavares disse...

Estimado Mauricio,

Muito obrigado pelo seu comentário.

A sensibilidade é um bem precioso...deviamos cultivá-la.

Nós, os da terceira ( e alguns próximos da quarta )idade, deviamos olhar o mundo à nossa volta, com ternura e amizade, e saber praticá-la...mesmo utilizando a tolerância, se fôr caso disso.

Um abraço amigo

jorge tavares
costeleta 1950/56