terça-feira, 15 de setembro de 2009

UM TEXTO...DIÁRIO, SEMANAL, MENSAL...OU DE VEZ EM QUANDO


Jorge Tavares

RECORDACÕES DE FARO...


Como podemos falar da cidade, sem lembrar aquele que foi o centro de reunião dos farenses de todas as idades, durante décadas?

O Cine Teatro Farense e o São Luís Parque, fazem parte do imaginário da nossa juventude. Diria mesmo que, de todos os costeletas, que desde a década de quarenta frequentaram a nossa Escola.

O Cine Teatro Farense, grandiosa sala de espectáculos, permitia aos jovens frequentá-la, comprando o seu bilhete para a geral - bancada de madeira, tipo "ponta-pé nas costas" - e deliciar-se com os filmes do Tarzan, Fu-Manchu (em dois dias seguidos), Edi Constantine, etc.. Na composição da sala, a plateia estava equipada com cadeiras de madeira e separada da geral por um gradeamento, tipo corrimão, forrado a madeira no topo, e com mais ou menos um metro de altura. Antes de iniciar a projecção dos filmes, as luzes apagavam-se e, aproveitando o escuro total, a rapaziada mais afoita alçava a perna e instalava-se nas cadeiras da plateia. O nosso duplo entusiasmo, ver o filme e ocupar a plateia, terminava com a orelha presa na mão do Sr. José Maria, fiscal do CTF ( e também funcionário do BNU) e com o consequente regresso à geral e um sério aviso, de que prevaricar, equivalia à expulsão. Este homem, era pai do "nosso" Alex.

Nos primeiros anos da década de cinquenta, esta sala foi demolida e foi iniciada a construção duma nova sala de espectáculos, que viria a denominar-se "Cinema Santo António". Esta orfandade temporal foi convite para a instalação dum cinema pré fabricado no Largo das Mouras Velhas. Os seus proprietários, figuras conhecidas da cidade - José Martins e Vila Real -, proporcionaram durante bastante tempo o cinema de que todos gostávamos. José Martins, ex-corredor de bicicletas, e Vila Real o homem fornecedor dos fritos nas feiras e mercados, também exploraram a esfera da morte ( uma versão do poço da morte, em bicicleta). A rapaziada, divertindo-se com os filmes, tudo lhes servia de galhofa.

Numa determinada noite de invernia em que soprava um vento forte que entrava pela frestas das chapas do pré-fabricado, e numa cena de intenso dramatismo, ouviu-se um grito vindo da geral: Ó VILA REAL, FECHA A PORTA DO QUINTAL, QUE ESTÁ A FAZER CORRENTE DE AR - Gargalhada generalizada!!!

O novíssimo Cinema Santo António, fazendo jus à sua situação geográfica, passou a ser o ponto de encontro social da cidade, especialmente aos fins de semana: Assistindo aos filmes, passeando no lounge, tomando café na cafetaria, à porta da entrada, ou nas suas imediações, nomeadamente na Pastelaria Gardy, todos nos encontrávamos.

A rapaziada estrategicamente instalada à entrada do cinema, aperaltadíssimos, cheirando a lavado e a fixador "BrilCream", tentava na troca de olhares com esta ou aquela rapariga, o erotismo a que tinha direito. Quando a linguagem muda do olhar, era mais intensa e repetida, glorificávamos o momento, com a expressão: " Ela está a dar-me sorte"!

Neste tema, não posso deixar de falar no gerente desta sala: O Marques da Silva, poeta lírico, vulgo "Marmelada", que para além da poesia também escrevia para o jornal "O Algarve" sobre acontecimentos citadinos. Impecavelmente vestido, em regra de fato azul, cravo vermelho na botoeira do casaco, bengala pendurada no braço, era o alvo predilecto das reclamações sonoras na sala de espectáculo, quando a fita se partia, havia atrasos no começo do filme, etc.

Dele recordo este verso, que passou gerações de farenses e que o acompanhará na sua imortalidade:

Marques da Silva... já eu conhecia,

Marmelada da Silva, confesso...desconhecia! Muitos estudantes na altura ( costeletas ou bifes e nos quais eu também me incluí ) fizeram parte da lista interminável de leitores de filmes em " voz alta". Passo a citar: O cidadão farense ainda vivo e de alcunha "TECA", porque era analfabeto, convidava indiscriminadamente este ou aquele, para a troco duma ida gratuita ao cinema, lhe fazer a leitura das legendas. No decorrer da sessão, frequentemente o leitor, entusiasmado com o filme, esquecia a leitura em voz alta, e o Teca, dando uma boa cotovelada, reclamava: " LÊ PÁ, LÊ PÁ" .

FIM DA PRIMEIRA PARTE


recebido e colocado por Rogério Coelho

1 comentário:

Anónimo disse...

VIVA.

Pensava eu que estas crónicas só estariam à alcance das penas do Mario Zambujal, do João Leal ou do Norberto Cunha,todos costeletas, ou da Lina Vedes, "bife", ou do Leal Branco, jornalista que escreve crónicas como esta no jornal "o OLHANENSE"

Parabens Jorge.

O que te digo é que guardes essas memórias e continua a escrevê-las, porque não só revelam vivência dos factos mas tambem saudade.

Isso é a história da cidade.

Essa evocação do Teca, recorda-me aquele verso do fado, HÁ FESTA NA MOURARIA, cantado por muitos mas especialmente pelo ti Alfredo,

ALMAS CRENTES; POVO RUDE. (sem ofensa)

A tua forma de escrever está próxima de AQUILINO RIBEIRO, talvez o escritor que melhor tratou os costumes em PORTUGAL.

Deixo-te um abraço.
JBS

OBS- À meia noite vou publicar um pouco da história do ZÉ MARTINS, ciclista e sócio do Vila Real.


JORGE, deixa-me enviar-te um abraço de parabens, não só pela beleza do conteúdo que evocas, que vai muito para além da saudade,