quarta-feira, 21 de outubro de 2009

FARO - "A CIDADE VELHA"

FARO – Vila-a-Dentro”
De Alfredo Mingau

Nestes dias da Feira de Santa Iria, no Largo de S. Francisco, e passeando pela feira, senti o desejo de dar uma volta pela “cidade Velha”, “Vila-a-dentro”, como é conhecida.
Entrei pelo Arco do Repouso, uma das portas da cidade e, logo à entrada, apreciei aquela pequena capela, do lado esquerdo, Capela de Nossa Senhora do Repouso, nome aliado ao facto de El Rei D. Afonso III ali ter repousado, descansando da batalha da tomada da cidade aos mouros. Seguindo em frente deparamos com a estátua de D. Afonso III, no centro do largo com o mesmo nome, tendo à sua esquerda o Convento de Nossa Senhora da Assunção. Logo a seguir ao convento entramos numa rua que desemboca num pequeno largo onde estava instalada a fábrica de cerveja, hoje Museu de Arte Contemporânea, alguns armazéns de peixe, de vinhos e materiais de construção. Também, na Cidade Velha esteve uma fábrica de cortiça do alemão Frtz.
En frente ao largo D. Afonso III encontra-se a Rua Professor Norberto da Silva e, ao meio da rua, o prédio de dois andares, com o nº 12 onde, nas águas furtadas, esteve hospedado o saudoso Professor Zeca Afonso, a casa da D. Maria. Ao fundo a rua do Arco; toda esta zona com casas típicas da época.
Regressando à porta do Arco do Repouso, à direita de quem entra, fica a rua Rasquinho. Nesta rua funcionava a escola primária da Sé.
Tinha os meus oito anos e frequentava a segunda classe. Recordo que uma tia fez-nos uma visita, por altura da feira, e trouxe um cesto com medronhos, maduros, doces, deliciosos. Comi, enchi a barriga e fui para a escola. Recordo o meu parceiro de carteira ter dito à professora:
- Este menino está bêbado e quer vomitar.
- Então leva-o para o recreio.
E ainda me lembro, no pátio do recreio, ter chamado pelo “Gregório”.
Muito novo, ainda, foi a minha primeira bebedeira.
Ao fim da Rua Rasquinho, em frente, ficava a Polícia de Segurança Pública e à direita a porta principal da cidade Velha, o Arco da Vila. Voltando à esquerda e subindo fica a rua do Município, onde funcionava a Escola Tomás Cabreira, na altura dos anos quarenta, Industrial e Comercial. Hoje ocupada pela Polícia Judiciária. Ao cimo da rua e à esquerda o edifício da Câmara Municipal. O Largo da Sé, com a estátua do Bispo D. Francisco Gomes do Avelar, em frente o frondoso edifício do Seminário Episcopal de São José. À direita o então Museu Marítimo, e à esquerda a Igreja Matriz de Santa Maria, Igreja da Sé. Entrando à esquerda do edifício da Câmara, é a Rua Domingos Guieiro, onde funcionava a Biblioteca Municipal e a seguir o Tribunal Judicial da Comarca.
Os residentes na Cidade Velha, na zona da Rua do Arco, pescadores, mariscadores, calafates, corticeiros de fracos recursos viviam em união e de portas abertas aos vizinhos, que entrassem por bem. Davam o seu banho em alguidares de zinco em que a água era aquecida em panelas. As mulheres lavavam a roupa, à porta das suas casas, em tanques feitos de cimento. As refeições, geralmente de peixe, eram grelhadas à porta da rua, em fogareiros de ferro fundido, no carvão.
Existiam duas vendas (tabernas) junto da Porta Nova (Porta do Mar), uma do Brás a outra do Salvador (agora existe no local um antiquário). Ali bebiam o copo de três, o bagaço ou medronho, para “matar o bicho”, compravam o tabaco, e matavam o tempo com dois dedos de conversa e a que nunca faltava a cerveja e os tremoços.
Aos sábados ou Domingos, juntava-se muita gente para verem os casamentos, com o desfile das “madames”, bem aperaltadas para o efeito, ouvindo-se aqui e acolá comentários engraçados.
A distracção principal dos “Moces”, e também dos graúdos, era a bola. Disputavam-se, na terra batida do Largo da Sé, grandes partidas em que era utilizada a “trapeira” ou o “catchu´”
De dentro da Cidade Velha, formaram-se alguns bons jogadores; recordo o Zé Bento, o Balela e o Bentinho.
Era assim, naquele tempo dos anos 30-40, a Cidade Velha ou Vila-a-Dentro
E regressei à feira para, na barraca das farturas do Mestre Silva, comprar um “charingo” que acompanhei com um café quentinho.
Inté

5 comentários:

MAURÍCIO disse...

Caro Alfredo

Mais uma interessante página nos
dás para ler e recordar .
Depois de tantos anos sem passar
por essas ruas e lugares que tão bem descreves, sinto-me como que a
calcorrear todos esses sítios por
onde a nossa geração viveu bons
e agradáveis momentos na juventude.
Parabéns Alfredo. Muitos dos
nossos Costeletas te agradecerão a
prenda que lhes dás ao reviverem
um passado saudoso, como eu, que
também vivi nessa época.
Os "charingos"...que saudade e
recordações me trazem à memória
quando ainda quentinhos , cobertos
de uma camadinha de açucar, nos
deliciávamos junto do homem das
farturas, que com mestria os ia
rodando na frigideira até ficarem
loirinhos.
Será que ainda os voltarei a
comer numa feira de Santa Iria ?

Um afectuoso abraço do
MAURÍCIO S. DOMINGUES

Anónimo disse...

UM BELO TEXTO,

No decurso da leitura veio-me à ideia a CRÓNICA DOS BONS MALANDROS, do Mário.

O texto é sério, mas por detraz dele, pressenti muita história dessa juventude de 30/40.

Pressenti apenas ...

O texto mostra que também se pode amar uma cidade.

Digo isto porque o texto revela bons conhecimentos e sobretudo, muita ternura e carinho...

E é nessa dádiva que está o amor. Foi isso que me ensinaram...

Não sei se o autor está de acordo?...

Eu amo esta cidade, dou-lhe o que posso e recebo dela o que ela me pode dar. Que é muito...

A escola foi sempre o meu terreno. Andei por lá, orgulhosamente...

O texto fala da escola primária da Sé onde eu estagiei...

Tocou-me...

Considero este, um texto selecionável para a colectânea que o Presidente disse que ia fazer.

E é louvável que o faça. É um bocado da mística costeleta que aí fica.

Concordo.

João Brito Sousa

Anónimo disse...

Meus caros Maurício e Brito de Sousa
É sempre com satisfação que tomo nota do agrado com que me reconhecem.
Escrevi hoje mais uma "história da vida", mas que só amanhã enviarei para publicação. Espero que gostem. Não me compares ao Mário Zambujal..., João Brito de Sousa.
Obrigado amigos.
Sinto uma alegria enorme pelo vosso reconhecimento.
Um abraço
Inté
Alfredo Mingau (sempre)

Anónimo disse...

Gostei msmo do texto.
Mas agradeço que emendes o nome do Bispo que é bem D.Francisco Gomes do Avelar. OK?

Anónimo disse...

Dou a mão à palmatória.
No "guião" escrevi ... do Avelar. Creio que o erro foi quando copiei para enviar para o blogue. Acontece.
Os meus agradecimentos
PEÇO AO SENHOR MODERADOR O FAVOR DE EMENDAR O TEXTO ONDE SE LÈ D. FRANCISCO GOMES DE AGUIAR, EMENDAR PARA D. FRANCISCO GOMES DO AVELAR
Obrigado.
Alfredo Mingau