quinta-feira, 22 de outubro de 2009

OS COSTELETAS E A SUA ESCOLA - 1
Após interregno de alguns dias sem escrever no blogue, coloquei-me frente ao teclado do computador, pensando qual o tema do próximo texto. O condicionalismo temático a que o blogue está sujeito, particularmente dos temas que podiam dar mais "matéria" para abordar, obrigam-nos a redrobados cuidados e alguma imaginação. Confesso que não tenho muita imaginação para ficcionar e a fazer prosa sobre factos, corro o risco de me tornar repetitivo e consequentemente, de tornar os meus textos menos agradáveis.. Os temas acerca dos COSTELETAS e a ESCOLA, são sempre interessantes, e do agrado dos costeletas leitores.
Vou contar, neste e em próximos textos, algumas situações por que passei enquanto aluno da nossa Escola: Aula de dactilografia e alguns factos introdutórios:
Mestre Carolino, são-brasense de gema, carácter vincado pela sua naturalidade serrenha, pessoa de difícil trato.
Os meus 13 anos acabados de fazer, não permitiam uma saudável relação com os rompantes imprevisíveis do Mestre.
Colocar os dez dedos no teclado da máquina de escrever, que previamente tinha sido separado por uma cartolina, dividindo o "H C E S A R O P Z", e escrever com todos eles, particularmente com o mínimo, não era fácil. O mestre, com os seus quase dois metros de altura, cara sisuda e impenetrável, obrigava-nos a cumprir escrupulosamente os seus ensinamentos. Entrei para a primeira classe e o meu pai entregou-me um fio de ouro com uma cruz, que havia pertencido a minha mãe, já falecida, que sempre usei e ainda hoje uso. Certa dia, em plena aula, usava então a camisa com mais um botão desabotoado, porque estávamos no Verão, o que permitia ver o dito fio e a respectiva cruz, e sentado na carteira, com a Underwood na minha frente, vi que o mestre Carolino descia do estrado e vinha na minha direcção, de dedo espetado e de feições ainda mais carregadas. Imagine-se como tremi de medo, sem saber o que se iria passar. Quando chegou à minha beira, tocando na cruz e com voz de "barítono", disse: Sabes que isso é uma ostentação e por conseguinte, não representa qualquer acto de fé?!
De seguida, desabotoou a sua camisa no peito, e apontando para si próprio, perguntou-me: O que vês?
Atrapalhado, algo engasgado e a medo, respondi: Mestre, não vejo nada. De pronto contrapôs: Pois tenho aqui uma cruz, muito maior que a tua e de verdadeira fé.
Com o seu regresso ao estrado, finalmente acalmei e, garanto-vos que nunca mais levei a camisa desabotoada, para a aula de dactilografia.
Hoje, louvo este mestre. Muito embora nos tenha ensinado de forma austera, todos lhe reconhecemos as suas virtudes, quando ao tempo teclavamos a máquina de escrever e hoje, teclamos o computador. Não é fácil teclar com todos os dedos, especialmente o mínimo. Nós aprendemos! Obrigado Mestre Carolino.
Jorge Tavares (ver foto na galeria)
costeleta 1950/56

4 comentários:

Anónimo disse...

MAIS QUE UM TEXTO; UM HINO À ESCOLA.

Estou aqui de corpo e alma, pegado a esta coisa, com uma fé inabalável de colaborarador apenas.

E porque gosto disto... Às vezes dão-me... resmungo, mas volto...

E espero voltar sempre...

A minha próxima crónica será para o Montinho e para o Manuel Guereiro.

Com amizade...

Santo Deus,às vezes não quero vir mas venho. Quando dou por mim já cá estou...

Penso que devo isso ao Maurício, esse mais velho que me fascina, pela sua honradez e empenho. Homem de uma palavra só, que me indica o caminho... e eu vou.

Alegre e confiadamente ...

Jorge desculpa lá,vou falar agora do teu texto ...Bem, porque tu e o texto merecem.

AMIGO, que grande evocação, que maravilha de coração o teu, rapaz. Puseste tudo nesse texto. Respeito,consideração, reconheciemnto, saudade,amizade, vitalidade, fraternidade, solidariedade...

Em suma, transportaste nele a alma costeleta. Realço essa dádiva como um gesto de nobreza.

A Mãe, o Pai,o fio, a cruz e o peito aberto do Mestre, podia ser o título...

Mas seria lindo de mais... o teu título está bem e é bastante profundo. Vem-me à lembrança aquela cena do Trindade Coelho, assim:

"Ao fundo da escadaria é que era a aula, a porta com fortes pinceladas de verde, obras de frades os senhores calculam" ...

Mais ou menos assim. Tudo quanto é escola me encanta...

Deixa-me dizer-te que o teu texto é o reparar duma injustiça,porque essse Mestre marcou-nos a todos, com o célebre pergunte à máquina ...

E não pode ser ignorado ... jamais...

O teu, é um texto justo e bem trabalhado. Emociona mesmo ... é à Doiestoésvky, que reabilitava as suas personagens pela religião cristã.

O Mestre e a sua fé...de peito aberto, dava um bom romance ...

A tua ostentação, outro...

Quero felicitar-te porque resististe ao abanão ou vendaval havido e ser costeleta falou mais forte.

Ès um campeão.

Ao Joaquim Teixeira,o nosso Presidente,peço que ponha este texto no quadro de honra,porque todo ele é costeleta e é um hino à Escola... e aos Mestres do mundo inteiro.

Obrigado ó Jorge.

Um ab do
João Brito Sousa

jctavares@jcarmotavares.pt disse...

Meu caro João,

Muito obrigado pelas tuas palavras.
Penso que são excessivas.
Todavia, bastar-me-ia o que escreveste, e as palavras amigas do Alberto Rocha, com quem mantenho assíduos contactos telefónicos ( já o fizemos hoje ), por serem críticos dos meus textos, para justificar o seu envio.
O blogue está vivo. Excelente.
jorge tavares
costeleta 1950/56

Anónimo disse...

Caro Jorge Tavares,

Viva.

Uma nota, eu não sou crítico litetrário, mas penso saber o que é bom e o que é mau.

O que escrevi acerca do teu texto foi o que senti. Gostei mesmo, acredita.

Concordo contigo. O blogue está bem.

Ab.
João Brito Sousa

Anónimo disse...

Caro Jorge.
Gostei do que li.
Um fio de ouro que era da mãe, ao pescoço, para toda a vida toca a minha sensibilidade.
Mas cuidado. Nunca mais levaste a camisa desabotoada para a aula do mestre Carolino?
È pouco. Hoje com os tempos que correm não deves andar com a camisa desabotoada em lado nenhum, salvo se prescindires do fio nesse dia.
Minha mulher, com fio de ouro ao pescoço, quase foi arrastada para fora de um comboio quando lentamente numa estação da linha de Sintra iniciava a sua marcha.
Antigamente era o Mestre, hoje são os "mestrados".

Um abraço
Jaime Reis