sexta-feira, 30 de outubro de 2009

PUZZLE

Um conto policial (ensaio)

Alfredo Mingau

Naquela manhã, Alfredo fora chamado para se dirigir ao Chalé das Canas, um subúrbio perto da antiga praia dos estudantes, onde se encontrava um cadáver.
Alfredo Caumba, de seu nome, nascera em Angola e viera, com seus pais, muito novo para a Metrópole. Fizera os seus estudos na Escola Tomás Cabreira e arranjara um emprego numa empresa de vendas a crédito, até cumprir o serviço militar obrigatório no Centro de Instrução de Sargentos Milicianos, em Tavira. Acabado o serviço militar passara à disponibilidade e enveredara pela investigação criminal, tornando-se detective profissional.
Acompanhado do seu inseparável amigo António Silva, verificou no local, que o morto se encontrava deitado de bruços, ensanguentado, com uma ferida nas costas na região do coração; tudo levava a crer que se tratava de homicídio. Pesquisando no canavial, Alfredo descobriu uma pequena pistola de marca FN de calibre 6,35, presumindo-se ser a arma do crime. Ainda cheirava a pólvora queimada. Umas dezenas de metros para Oeste, cartões e algumas roupas velhas, davam a entender que algum “sem abrigo” ali pernoitara.
O cadáver fora encontrado cerca das 8,30 da manhã, pelo dono do canavial, vizinho do morto, Adérito Silva, que se dirigira ao canavial para colher algumas canas que precisava, tendo comunicado à guarda.
Os serviços administrativos da guarda fizeram a identificação do falecido. Tratava-se de Gualdino dos Santos, viúvo, que possuía várias propriedades, todas em seu nome e que era possuidor de uma considerável quantia em depósito bancário. Era, o que se podia chamar de latifundiário. Das diligências efectuadas apurou-se que a família era apenas constituída por uma filha e um sobrinho. Aquela, por razões familiares, não mantinha relações de amizade com o pai e vivia em casa alugada. Este, vivia numa casa perto da do seu tio, no Chalé das Canas. Mantinha boas relações com o tio.
Segundo o Delegado de saúde, pelos exames feitos, e referidos no seu relatório, a morte dera-se entre as 19 e as 23 horas da noite anterior e que, a causa da morte, fora provocada por um tiro pelas costas que atingira o coração; a bala, que provocara a morte, era de calibre 6,35 mm. Confrontada, pelos exames periciais efectuados, verificou-se que a bala fora disparada pela pistola encontrada perto do cadáver.
O detective, sempre acompanhado pelo amigo António, dirigiu-se a casa do defunto tendo, no local, efectuado uma minuciosa pesquisa no seu interior e, numa das gavetas, encontrou o cartão de um advogado.
Já no seu gabinete, ligou ao advogado a quem fez algumas perguntas. Ficou a saber que o falecido fizera testamento, de todos os seus bens, a favor do sobrinho e que, recentemente, informara o advogado pretender alterar o testamento.
Da parte da tarde, com todas estas informações, e sempre acompanhado pelo António, foi bater à porta do sobrinho da vítima.
Este, abriu a porta e, olhando o detective, perguntou o que desejava. Alfredo, depois de se identificar, disse que lhe queria fazer algumas perguntas.
- O seu tio foi encontrado morto, quando o viu pela última vez?
Miguel, colocando uma cara de espanto, respondeu.
- Morto?..., Há 3 dias que não vejo o meu tio, fui acampar para a barrinha, da praia de Faro e só hoje regressei. É uma notícia que me deixa muito triste.
- Onde se encontrava ontem entre as 18 e as 23 horas?
- Como disse, e porque o tempo ainda está bom, estava lá.
- Como se deslocou para a barrinha?
- Tenho um pequeno barco a motor.
- Tem testemunhas, estava acompanhado?
- De dia apareciam lá bastantes pessoas. Estive só. Dormi, na minha canadiana, as três noites.
- Pode comprovar que estava lá entre as 18 e as 23 horas de ontem?
- Estou-lhe a dizer a verdade. Porque havia de matar o meu tio? Davamo-nos bem. Talvez algum vizinho possa dizer o que fazia o meu tio no canavial; essa propriedade pertence ao vizinho, senhor Adérito, pergunte a ele.
- O senhor sabia que o seu tio estava pensando em anular o testamento?
Alfredo notou um certo embaraço no semblante da vítima e uma certa demora na resposta.
- Não tenho conhecimento dum testamento, suponho que a filha é que deve ser a herdeira.
O detective, agradeceu as informações, dizendo-lhe que não podia ausentar-se da cidade. Dirigiu-se, acompanhado de António, para a residência de Ana Maria, filha do falecido senhor Gualdino
Depois de Alfredo se identificar, ela convidou-os a entrarem para a sala. Alfredo informou-a do sucedido notando que a rapariga não dava mostras de qualquer comoção ou admiração.
- A estima e o amor que nunca tive pelo meu pai, deve-se aos maus-tratos com que fui mimoseada desde pequenina, sem nunca ter um gesto de amor da parte dele para comigo; não me tratava como filha; assim que atingi a maioridade, abandonei a sua companhia aos 22 anos e sou uma mulher independente. Não tenho pai, nunca tive..., não me sinto comovida com a sua morte, também não sinto qualquer satisfação, respondeu.
- Onde estava ontem entre as 18 e as 23 horas?
- Fui ao cinema ver o filme As Minhas Adoráveis Namoradas, da sessão das 17.20, comi no Mac Donald e fiz compras no Jumbo. Cheguei a casa cerca da meia-noite. Por sinal, ainda tenho na carteira o bilhete e o talão das compras.
- Estava acompanhada?
- Não, estive sempre só.
- Sabia que o seu pai fez testamento a favor do seu primo?
- Sei agora, que lhe faça bom proveito.
. A senhora comprou uma pistola FN baby calibre 6.35 mm?
- Comprei, quando atingi a maioridade, porque, fui assaltada durante a noite. A casa está pouco iluminada e isolada; foi o vizinho, senhor Adérito, que me defendeu. É uma FN pequenina, o calibre desconheço.
- Pode-me mostrar a arma?
- Não a tenho, talvez com a precipitação de sair de casa, quando arranjei emprego e aluguei esta. Deve ter lá ficado na gaveta da cómoda.
- Agradecia que não saísse da cidade, fica à disposição da justiça.
Enquanto eram conduzidos ao Chalé das Canas, Alfredo lia os apontamentos do seu bloco-notas e comentava para si próprio “isto promete”; “vejamos o que nos conta o senhor Adérito Silva”.
Já em casa do senhor Adérito, o detective dirigiu-se-lhe:
- Conte-me, senhor Adérito o que se passou no canavial e porque motivo o senhor estava num local que não serve de passagem.
- Pois, eu tenho uma pequena horta onde vou plantando os legumes para gasto da casa. Tenho uns pimenteiros que começam a dar frutos e, se não os prender com canas não ficam seguros e com o peso os troncos partem-se. Fui ao meu canavial, de manhã, cortar umas canas e dei de caras com o homem estendido no chão, ensanguentado, e telefonei à guarda.
- Como acha o relacionamento dos seus dois vizinhos?
- Os dois entendiam-se bem, andavam constantemente à zaragata; não são passageiros para a minha carruagem. Que a terra lhe seja leve...
- E o relacionamento com a filha?
- Foi o melhor que ela fez em ter saído de casa. Um pai não deve tratar os filhos assim. Coitada, nunca mais a vi por cá. Muita porrada apanhou aquela criatura... deve ter um grande ódio ao pai.
Ao sair da casa do senhor Adérito e passando junto da horta, reparou que não havia plantas pimenteiras semeadas; o senhor Adérito mentira. E anotou no bloco-notas.
No seu gabinete fez uma revisão aos apontamentos do seu bloco-notas, releu, pensou…
- Está complicado, Alfredo? Perguntou António.
- Há um pormenor que me indica o criminoso, António.
Neste momento batem à porta do gabinete e entra o Comandante da guarda que. Dirigindo-se ao detective disse:
- Tenho aqui um indivíduo que foi encontrado pela guarda a rondar o canavial. É um sem abrigo que pernoita no canavial. Já lhe tirei as impressões digitais, que estão a ser analisadas pelos peritos.
- Traga-mo senhor Comandante.
Com olhar desconfiado, entrou no gabinete um indivíduo mal vestido, ténis rotos.
- Senta-te, disse o detective. Dormes no canavial? Perguntou.
- O canavial? O canavial é o meu abrigo. Tenho lá minha cama.
- O que vis-te ontem à noite no canavial?
- Não vi nada! Exclamou.
- O senhor Gualdino falou contigo ontem à noite?
- Eu estava escondido, ele queria-me bater.
- Porque é que ele te queria bater?
- Fui lá a casa ontem à noite… para roubar comida. Estava com fome. Ele correu atrás de mim com um pau. O senhor Miguel também vinha atrás.
Neste momento o Comandante entrou e segredou ao detective “as impressões digitais deste indivíduo estão na arma do crime, são as mais recentes, sobrepõe-se sobre as outras”. O detective agradeceu e, dirigindo o olhar para o presumível criminoso, perguntou
- Matas-te o Gualdino com a pistola?
- Não! Não fui eu… não vi! Quando me fui deitar vi a pistola. Peguei nela… deu um tiro. Assustei-me… fugi!
- Podes sair, espera lá fora. Como te chamas?
- Não tenho nome… chamam-me Mingau.
António, que assistiu ao interrogatório, perguntou:
- Chegas-te já a uma conclusão, Alfredo?
O detective, olhando para o António com o semblante pensativo disse “o motivo para o Gualdino estar no canavial está nas declarações desta testemunha”. E acrescentou “o PUZZL está completo, as peças encaixam-se. A filha, o sobrinho e o dono do canavial eram os presumíveis homicidas. Qualquer um deles podia ser o criminoso. A filha comprou os bilhetes para o cinema, mas podia não ter ido. Odiava o pai. O vizinho Adérito não explicou concretamente a sua presença no canavial; não tem pimenteiros na sua horta. Não mantinha boas relações com a vítima. O sobrinho Miguel mentiu e acusou-se a si próprio quando me disse “talvez algum vizinho possa dizer o que fazia o meu tio no canavial”. “Ora eu não disse ao sobrinho que o tio fora encontrado morto no canavial”. Deve ter vindo durante a noite no seu pequeno barco. Com a lua cheia que faz, era fácil deslocar-se durante a noite nos canais da Ria. O móbil do crime está relacionado com a herança. Este sem abrigo viu-o ontem à noite.
- De facto tens toda a razão, Alfredo.
- Elementar meu caro António!
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Inté
Alfredo Mingau

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