quarta-feira, 14 de outubro de 2009

REVIVER RECRIANDO UM INÉDITO JOGO DE FUTEBOL

Jaime Cabrita Reis













A propósito de um Jogo de Futebol.



Faro 1953



Jaime Reis


No dia anterior já o Zezinho Beirão junto à tabacaria do Farracha ao fundo da Rua de Santo António gritava desalmadamente:

- Vão levar poucas sim. Ganda banhada. A escola vai dar 5.

- Viva a Escola.

-Abaixo os Bifes.

As duas cadelinhas que o seguiam para todo o lado, olhavam-no fixamente, indiferentes a quem o rodeava, mas tentando perceber porque vociferava tanto o seu dono. O Caça brava que vinha da Rua dos Cavalos gritou: -Móss, Zezinho, ganda almariação, na vás ó médico não. A Vozearia fazia-se ouvir ali ao lado, a malta do Banco Ultramarino, veio espreitar. No Largo 1º de Dezembro, os fregueses da padaria do Francisco Manuel vieram todos à porta, deitaram a cabeça de fora e alguém disse:

--É o Zezinho Beirão tá outra vês almariado.

O José Luís (luta livre) que acabava de sair da sua pensão, ali ao dobrar da esquina da casa de ferragens do Pinto, ouvindo a algazarra, aproximou-se e com aquele seu ar afável pôs a mão no ombro do Zezinho, acalmou-o e lá o levou em direcção à doca. Ia haver um jogo de futebol inédito na cidade Professores da Escola (Costeletas) defrontavam os professores do Liceu (Bifes). No dia do jogo, logo pela manhã, lá prás bandas da Brasileira já os Bifes gritavam os seus Frrás.

-Fr e á Frá…..Fr e é Fré …..Fr e i Fri ……

O Jovite comandava, dava instruções. Não parava. A malta achava-lhe graça mas escutava-o. O Vidal mata gatos ajeitava uma tabuleta que dizia: -A malta sempre a gritar e o Liceu sempre a ganhar. A Aleluia preocupado propunha: -O Stor Fortes devia jogar à frente, a avançado centro. -Tens razão! – Dizia o Tabeta, que sabia da poda. E acrescentava: -Eles têm lá o professor Américo. Joga melhor que o Grazina. -Percebe mais de bola que o espanhol, o Lopez, que treina o Farense. Dizia o Pité. Do largo da Alagoa vinha um cordão imenso de malta, tudo Bifes O Gaiana vinha com eles. - Menine menine dá um estanito, A malta em euforia ia a todas, o Gaiana teve um dia grande. Ninguém negava. Fez quase 10 paus. Entre eles o Chico J A Costa empunhava outro cartaz. Os Costeletas tinham a concentração combinada prá esquina do ti Felizardo e da ti Glorinha. Próxima da escola. Quase em ”casa” Um grande bruá dos seus cânticos académicos ouvia-se na Avenida do Liceu. Alabi, Alabá, Escola Escola Escola Urrá Urrá. O Bastos (Pepe), e o Poeira delineavam estratégias. A Táctica cabia ao Parra. O Brito de Sousa ultimava um cartaz onde se lia :

-Braciais presente!

E o menino Chico, beata ao canto da boca, descalço, boné sujo,corpo ondulante a todos embalava com as suas tabuinhas tocando alternadamente, ora mão direita, ora com a mão esquerda. Até o Cuco, que vinha do Bom João, parou, olhou, tossiu mas pasme-se, deixou de assobiar, rejeitando acompanhá-lo quando o viu trocar as “castanholas” por ferrinhos, no que também era exímio. O Teca facturava, aproveitava tanta malta junta, para vender uns bilhetes prá soiré do Cinema Santo António. À noite passava o Cantiflas. Sempre casa cheia. O Jogo, o jogo de futebol (perdão jogo de bola) estava aprazado para as 16 horas no campo de futebol em S. Luís. Naquela tarde o tempo ajudava, dia de sol, ligeira brisa, tornando mais suportável o calor que se fazia sentir. A claque dos Bifes, que da Brasileira rumavam a São Luís lá ia gritando incentivos aos seus professores. A Claque da escola, Rua Manuel Arriaga acima também rumava ao mesmo destino. Próximo do São Luís Parque, as claques encontraram-se, houve um momento de silêncio entreolharam-se e seguiram juntas, ainda mais ruidosas, mas em perfeita harmonia e indiferentes à população que nos passeios parava, olhava e se interrogava. Alguém exclamou:

-Tá o mar feito num cão. Nalgumas janelas já se preparavam para colocar colchas.

Depois recuaram.

Perceberam o que se passava. O Jorge Tavares tão entusiasmado estava, que nem se apercebeu que o Alex, rindo que nem um perdido, lhe pintara nas costas da T-shirt branca que vestia, um grande 5-Américo. Chegados ao campo da bola, já lá estava o Russo dos sorvetes. De imediato tomou partido, apoiava as costeletas, e provocador, olhando de frente os bifes, gritava: -Quantos são? Quantos são? Já o Coelhinho, bonacheirão, seu concorrente no negócio, puxava pelo Liceu, enquanto recusava vender a quem tinha fiado por arrumar. Até o Chora Meninos, nesse dia não foi ó mar. Bote amarrado à doca, lá vai ele a caminho de S. Luís. Na véspera, na Nortenha, onde fora entregar meio cento de bocas encomendadas, o Arpanço anunciava:

-Amanhã em S. Luís há bifes e costeletas. Não podia faltar. Bifes e Costeletas? Tá bem tá. Ele só comia peixe.

O Marreco, engraxador na doca, julgando tratar-se dum Farense-Olhanense, batia palmas com as mãos ainda sujas de graxa e berrava: Farense! Farense! Farense! Até a Lósinha e a Jardineira apareceram. Essas apoiavam ambos os grupos. Não queriam desfeitear ninguém. Precisavam de todos. O Tóquim que fazia biscates no Estádio de S. Luís também andava por ali. Ar pensativo, beiçolas descaídas, não tomava partido. Só olhava. -Torró torró, torró. Gritava o espanhol que vendia torrão de Alicante. Organização sem reparos, ao cuidado do Bife Tenasinha. Troca de galhardetes a anteceder a partida. O Rafael Correia não parava, microfone em punho, colhia depoimentos dos protagonistas. O Jogo começou à hora combinada O Cartaxo e o Arnaldo fotografavam os melhores lances. As claques enchiam a bancada. Sempre ruidosas. A partida foi animada, o resultado foi justo. Um empate. Mal acabou o jogo, já o Mário Zambujal corria para a cabine telefónica mais próxima, levando o acontecimento aos diários da Capital. No fim, na cerimónia de distribuição de medalhas aos atletas, evocativas da participação, foi a tarefa, por votação, entregue ao costeleta Aníbal, que após o jogo, com ar solene, desceu ao pelado e cumpriu a missão. Mais tarde noutros palcos, aquele costeleta, também participaria em cerimónias idênticas. E pronto Faro era assim. Os da minha geração certamente conheceram as figuras que virtualmente recordo e recreio. A todo o momento se cruzavam connosco. Lembram-se deles? Jaime Cabrita Reis (Bife) Nota: Junto 2 fotos.

Há nomes de professores que já não recordo.

E você? Por favor complete.

Obrigado.

JR

Identificação:

nº 2 - Engº Carrapato - por A.Gabadinho

Nº 2 - Engº Coroa - por Jorge Tavares

Nº 8 - Engº Bagarrão - Por Agabadinho e Jorge Confirma

Nº 9 - Ferreira Matias - por Jorge Tavares

10 comentários:

Anónimo disse...

Ao Sr. Jaime Reis,

Parabéns pelo seu magnífico texto que me fez recordar algumas personagens que conheci e convivi,
apesar de ter frequêntado a Escola na década de 60, sendo estes acontecimentos da década anterior.
Gostei de saber, através desta sua bela descrição, dos "apoios" ao tempo demonstrados pelo nosso amigo João Brito Sousa!
Quanto á identificação dos "atletas" professores costeletas, apenas reconheço o nº.2- Engº. Carrapato e o nº.8 que me parece ser o Engº. Bagarrão.

E é tudo! Repito, gostei da recordação.


Cumprimentos para Todos

AGabadinho

jorge tavares 1950/56 disse...

Meu caro Jaime,
Foi dos melhores textos que este blogue publicou.
Ler foi uma delícia. Um forte abraço de parabens pela tua excelente memória. Narraste com uma precisão invulgar a nossa (figuras e factos) época,e esse memorável jogo de futebol.
A minha lembrança dos professores
enumerados vai para:
8 - Engº Bagarrão
2 -Engº. Coroa (irmão do outro)
9 - Ferreira Matias

Renovo os parabens e pedido de novos textos de excelente qualidade

Jorge Tavares
1950/56

antonio Siva de Brito disse...

Me recordo desse jogo entre os professores da Escola e do Liceu , um Pormenor quem deu um verdadeiro Show cujo nome não me recordo , um professor baixo e exercia funções de vice reitor ou ? na Escola .
Foi a época de ouro no Futebol da escola com uma boa equipe em que fazia parte o Parra e o Poeira entre outros , um dos jogos que assisti com o Liceu decorreu quase na totalidade no meio campo do adversário " Liceu "
Jaime vc.Têm muito boa memória ! porque de algumas das figuras típicas da cidade já não me recordava os nomes , como o caso do beirão que passado anos se suicidou ? atirando-se para a frente do comboio, nem imagina o esforço que tenho feito para identificar o nome a imagem que tinha dele .
um abraço

Anónimo disse...

Caros amigos e colegas,subscrevo inteiramente os comentarios do Gabadinho e do J.Tavares.O melhor que ate hoje foi publicado no Blog.
Estes "desafios' repetiam-se todos os anos e, eu que so entrei para a Escola em 54,tenho a impressao e,e' so' impressao, que assisti a este jogo...pelo menos os intervenientes eram os mesmos.
Abraco para todos
Diogo

jorge tavares 1950/56 disse...

Relativamente ao comentário do António Brito, penso que está a referi-se ao DR. Ferreira Matias que foi director da Escola.
Baixinho de estatura, mas uma inteligência extraordinária.
Foi um dos autores do nosso livro de Fisica e Quimica.
Integrou a nossa equipa...tinha a particularidade de ter um sentido de humor pouco comum. Homem de grande craveira.
Jorge Tavares
1950/56

romualdo.cavaco@sapo.,pt disse...

1-Director, Dr.Fernando A.Moreira Ferreira
3- Médico (muito conhecido) que tinha consultório no 1º. andar por cima da Farmácia Batista - R.St.Antº.
6 - Eng. Mealha de Loulé (foi presidente da CML)

Houve um segundo jogo,no ano lectivo seguinte, cuja foto já não possuo e em que o "bandeirinha" era o Dr. Uva. Assinalava as faltas com uma vassoura onde as palmas estavam revestidas de papel com as cores da bandeira da Escola.

Solicita-se que se tiverem esta 2ª. foto no-la revelem à semelhança do que fizeram com a 1ª.

Anónimo disse...

Caro Jaime,
Parabéns. Comungo dos elogios que os antecedentes manifestaram.Recordar é viver...e, graças ao que escreveste, revivi muitos dos momentos daquela época.
Todas as "figuras" que evocas passaram pelo meu palco de recordações... obrigado.
Um abraço do costeleta
Inácio Fernandes

Anónimo disse...

Esqueci-me de rectificar a informação do Jorge Tavares: o nº dois é o Eng. Carrapato e o nº onze o Eng. Coroa.
Inácio Fernandes

Anónimo disse...

CARO COSTELETA JAIME REIS

EXCELENTE DESCRIÇÃO DUMA ÉPOCA
QUE JÁ NÃO VOLTA E DE QUE TENHO IMENSAS SAUDADES.
EMBORA MAIS IDOSO, MUITAS DAS
PERSONAGENS, AS FIGURAS TÍPICAS E
POPULARES QUE O JAIME REIS TÃO
BEM RETRATA, A MAIORIA , SÃO DO
MEU TEMPO.
PARABÉNS PELO BELO TRABALHO E
ÓPTIMA MEMÓRIA MANIFESTADA.
CUMPRIMENTOS DO
MAURÍCIO S. DOMINGUES

Anónimo disse...

FARO ERA MESMO ASSIM.

Interessante a forma como o autor do texto meteu nele as figuras mais carismáticas da cidade, conhecidas de todos nós, que frequentámos a Escola nos anos 50.

A ideia é boa e deverá ser retomada pela via do desporto,escrevendo aí as disputas nos 5000 metros entre o bife Negrão e os costeletas Campina e Mealha.

Voltando ao texto, referir que as imagens recriadas estão exactas e que nos trazem recordações simpáticas e queridas da nossa juventude.

O nosso Inocêncio Costa pode dar aí uma dica porque ele ainda alinhou como professor da Escola contra os professores do Liceu.

Muito bem. Gostei.

Jaime, para a próxima traz à cena os trabalhadores/engraxadores do Aliança, os senhores Américo, e... e.... Recordo-me que eram três.

Parabens e um abraço do
João Brito Sousa