segunda-feira, 5 de outubro de 2009

TEMA LIVRE-Romance

Ancoradouro dos balões

O BALÃO DE PEDRA

De Alfredo Mingau

Alfredo tinha-se reformado. A reforma era uma “miséria”, como dizia; logo que se reformou procurou uma ocupação que lhe desse um pouco mais de “desafogo”. Depois de muito procurar, conseguira aquele lugar no “ancoradouro” dos balões.
Eram às dezenas. Lindos, garridos, majestosos, de cores vistosas, presos com amarras ao chão, oscilavam com o vento; outros arrumados, esvaziados, ou em manutenção mas, prontos para, em pouco tempo, viajarem pelos céus.
“Ricos!, só eles é que podem dar-se ao luxo de possuírem este maravilhoso transporte”, dizia com os seus botões, ao mesmo tempo que ia fazendo o trabalho de manutenção, limpeza, arrumação e preparação.
“Se eu fosse rico, adquiria um balão, viajava por todo o mundo..., a minha Maria havia de gostar”, pensava.
Ana Maria, enquanto cozia os buracos das peúgas do marido, pensava e sonhava “se eu fosse rica dizia adeus ao trabalho e viajava com o meu Alfredo para conhecer o mundo”, “nunca viajei, não passo da cepa torta, trabalhando como uma moira”.
Nunca tivera um emprego, não tinham filhos, fazia o trabalho doméstico.
Na Sexta feira, Alfredo, depois de deixar tudo arrumado, abandonou o trabalho com um “até amanhã Jorge, até amanhã Victor”, seus companheiros de trabalho no ancoradouro.
Antes de entrar em casa, passou pelo café da esquina, como sempre o fazia, às sextas feiras e, em dois dedos de conversa, com o senhor António, preencheu uma aposta do “totoloto”, porque, o dinheiro não dava para mais.
A noite, depois do jantar, sentado no velho sofá já coçado pelo uso dos anos, via e ouvia os programas da TV, enquanto a mulher, sentada a seu lado, tricotando um cachecol para resguardo do frio que se aproximava, dizia, na sua lengalenga do costume:
- Se fossemos muito ricos, Alfredo, iríamos viajar, conhecer o mundo.
- Ó mulher!, dizes sempre o mesmo, já aborrece...
- Não me leves a mal, sonhar acordada o impossível, até me faz bem.
No Sábado, sentado no sofá, depois do jantar, e ouvindo o mesmo desabafo de sempre da mulher, ficou de boca aberta, mudo, com o olhar fixo no televisor, ao constatar, pelas notícias, que acertara no primeiro prémio do totoloto e, em que a informação adiantava só haver um totalista.
- O que é que tens, homem?, perguntou a mulher.
Só respondeu, depois de pensar:
- Nada Maria\ estava a pensar em balões.
Passados alguns dias, depois de receber e depositar na sua conta bancária, criada para o efeito, dirigiu-se à administração do ancoradouro, despediu-se e adquiriu um balão que se encontrava à venda. Saiu do ancoradouro dizendo ao Jorge e ao Victor:
- Já não trabalho mais aqui. Comprei aquele balão, é meu!
E, perante o espanto dos dois, acrescentou:
- Tratem de prepará-lo porque vou viajar nele.
Ao entrar em casa a mulher notou no marido um ar alegre diferente do habitual.
- O que se passa Alfredo, hoje vens mais cedo?
- Já não trabalho mais! Estamos ricos, Maria! Prepara duas malas com roupas e o necessário, porque, amanhã vamos viajar. Vamos correr mundo!
E contou à mulher o que se tinha passado, tendo já tratado dos passaportes para poderem viajar.
- Tratei de tudo, em segredo, para te fazer esta surpresa.
- Eu sabia! Deus seja louvado, exclamou Ana Maria. E chorou de comoção
Alfredo contou-lhe a compra do balão para as viagens, com vistas fantásticas e panorâmicas.
No dia seguinte, logo pela manhã, chamaram um taxi, colocaram as malas e dirigiram-se ao ancoradouro com intenção de partir. Sentiam-se eufóricos… Ana Maria era a alegria personificada.
E, sob o olhar de Jorge e Victor, embarcaram na barquinha do balão com a respectiva bagagem. Alfredo desprendeu a amarra aguardando a subida do balão. Nada! “O que é que se passa”, pensou Alfredo. Abriu o maçarico e injectou mais ar quente dentro do balão. Nada! “Peso a mais”, pensou Alfredo. Libertou um saco de areia, outro, outro e outro, nada! O balão parecia uma “pedra”, não dava sinal de querer subir. Alfredo estava irritado, mexia aqui, verificava ali, estava tudo correcto, não podia introduzir mais ar quente, porque, corria o risco de rebentar.
Ana Maria, sentada bo banco da barquinha inquiriu:
- Já não viajamos, Alfredo?
- Viajamos, sim! O balão parece uma “pedra”, não consigo resolver. E, de qualquer maneira, vamos viajar. Sai da barquinha, Vamos tirar as malas.
Pegando no telemóvel, já podia ter estas inovações, chamou um taxi.
Antes de embarcar, virou-se para o Jorge e o Victor, que tinham assistido a toda a manobra em silêncio, e exclamou:
- Podem ficar com o balão, ofereço-lhes!
Entrou no taxi, onde já estava Ana Maria, e disse:
- Leve-nos a uma agência de viagens.
O Jorge e o Victor, ficaram a olhar.
- Estás a ver como foi fácil, Victor?
E rindo, acrescentou:
- ninguém, muito menos ele, iria descobrir a forma como prendemos a barquinha ao chão. Já temos um balão!...
Gostaram?
Inté
Recebido no mail da Associação e colocado por Rogério Coelho

1 comentário:

Anónimo disse...

A BARQUINHA.

A ideia foi conseguida, está lá e temos aqui um homem que vai buscar ao fundo de si a arte de escrever bem.

Do ponto de vista literário, o que me interessa agora abordar, estamos perante uma prosa densa e intensa que me alicia e convida a reler.

Penso que há leitores em grande número para este trabalho do Fred e ter leitores é o melhor "subsídio" para quem escreve. Gosta de saber que é lido.

Este Alfredo é escolarmente dos anos 40, do tempo do Albertino Bota e pergunto, onde tem andado este rapaz literariamente falando?

O texto agrada-me, é uma escrita na linha do Edgar Poe, mais ou menos, claro.

Tem uma particularidade muito interessante do ponto de vista literário, repito, que é a grande imaginação e criativdade do texto. Se o assunto não der 300 páginas dará pelo menos 200, nas mãos dum escritor.

Fred, só duas páginas? E o resto?

Atenção,não sou crítico literário nem nada que se pareça, mas gosto de enrar por estas "caminhadas" da escrita.

Só uma coisa, intenções de partirem ou intenções de partir?

Deixo-te um abraço.

João Brito Sousa