domingo, 29 de novembro de 2009


O Aparo de cana


Introdução

O que vou escrever passou-se nos anos 40. A memória para as datas sempre foi, para mim, um pouco complicada. 1941, talvez 1942 não interessa. Daquela turma recordo o Albertino Bota, o saudoso Feliciano Guerreiro Matos (a quem tratávamos por “Xatinho”), o Bastos do Banco Nacional Ultramarino, a Sebarrinha, recordo-me dela por causa dum caso que se passou na aula da Professora Irene da Conceição Jacinto, coisas pessoais, o Cravina de Quarteira, com grande habilidade para dar chutos na trapeira ou no “catchú”, nos “estádios” da Sé ou S Francisco, o César Nobre, o saudoso Júlio Costa, o Otilio Dourado da Luz de Tavira e que foi Chefe dos CTT, daquela povoação, que toda a gente o conhece do Rancho Folclórico da Luz de Tavira com o seu baile mandado no corridinho e o ciclo Rogério Coelho, Alfredo Mingau e Moderador, e outros que não me recordo os nomes..
O que vou relatar, é como uma “imposição”, solicitada pelo João Brito de Sousa, ao “moderador” para escrever alguma coisa.
A história situa-se na aula de caligrafia, que era leccionada pelo então Mestre José Maria, que tinha um defeito numa perna apoiando-se numa bengala e que uns o apelidavam de “jigajoga”, por causa do seu andar gingouso, e outros, porque era careca com alguns cabelos no “cocuruto” diziam o “31 cabelinhos”. O Mestre José Maria leccionava, também, Dactilografia e Estenografia.
Como podem verificar procuro escrever dentro do estilo do Alfredo a que o próprio não levará a mal. Mas vamos à história.

A História

O Moderador era, na aula de Caligrafia, parceiro de carteira com o Otílio Dourado. Este, tinha uma peculiaridade, ria por tudo e por nada com gargalhadas ruidosas. E era um gozo para mim contar piadas ou anedotas para o fazer rir. Era um espectáculo!
Naquele dia, porque o dinheiro para comprar aparos o gastara em cigarros “definitivos” ou “provisórios” (mata ratos), por serem os mais baratos, e num gelado “mola abaixo” comprado ao Setúbal, não me sobrara dinheiro para os aparos. Pegando numa cana, e no canivete, fiz um aparo com a largura suficiente para escrever a letra “francesa”.
Começara a aula, começou a escrita e começou a risota do Otílio com gargalhadas de cada vez que olhava para o meu trabalho com o aparo de cana. Mestre José Maria dava ordem para o Otílio manter o silêncio na aula. Eu dava-lhe um toque e dizia em voz baixa e de galhofa, que o aparo de cana escrevia melhor que o dele de lata. O Otilio gargalhava o Mestre mandava-o calar dizendo que o punha na rua. Até que…
- Senhor Otílio, agarre na sua pasta e saia.
- Senhor Mestre eu não… é este colega…
- Rua!
E aproximando-se da carteira e fixando o olhar na minha escrita perguntou
- Que aparo é esse?
- Senhor Mestre, não tinha dinheiro para comprar, fiz este de cana, escreve bem.
. Agarre na sua pasta e saia. Tem falta de material. Para a próxima aula não o deixo entrar se não trouxer o material como deve ser. Saia!
Fora da aula, no corredor, o Otilio olhava para mim e gargalhava…
Moderador

1 comentário:

Anónimo disse...

CARO MODERADOR.

Boa tarde,

Ainda bem que lhe pedi que escrevesse, porque, na minha opinião, o senhor escreveu uma pequena obra de arte, com este promenor valioso: È um tema ESTRITAMENTE costeleta a ombrear com os que TRINDADE COELHO, escreveu no "IN ILLO TEMPORE"

Conheço toda a malta que fala, inclusivamente, estive há dias com o César Nobre na aula de Literatura na UATI.

Permita-me que recorde a Coimbra do Trindade nesta cena.

O prof Bernardo Sanches, de Leiria que levava para Coinbra a salgadeira com os chouriços, leccionava Direito Civil tendo entrado no 1º ano com o João de Deus. Mais tarde vieram-se a encontrar, o Bernardo como Prof e o João como aluno.

O Bernardo detestava que lhe pedissem dispensa das chamadas à licção e foi então que o Dá Mesquita fez estes versos.

Dizem que o Sanches embirra
quando lhe vão pedir dispensa
forte asneira
pois ele pensa
que lhe vão pedir a despensa
onde tem a salgadeira.

Na sua crónica só´faltam os versos, que podiam ser assim.


O Otílio ria e olhava
Para o aparo com que eu escrevia
e gargalhava
fazia ruído e o Mestre não queria
Disse o Otílio: A caneta é tua?
E diz o Zé Maria; Otílio, rua
Mestre, veja bem
O quê, foi ele, RUA também ...

Podia ser assim ou não. Desculpe lá a minha brincadeira, mas o seu texto é genuíno e dos bons

Um Ab do
João Brito Sousa