segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A Propósito do Novo livro de Mário Zambujal

- Norberto Cunha

Já está nas bancas o novo livro de Mário Zambujal, «Uma Noite não são Dias», o que, por si só, constitui motivo de satisfação para a família costeleta, particularmente para as centenas de leitores fiéis que por certo o autor tem entre nós. E eu sou um deles. Não fomos companheiros de escola mas de escritório, durante cerca de três anos. E esse convívio, não obstante algum formalismo no relacionamento profissional, hierárquico, como era norma universal naquela altura, deu-me a conhecer o apreciável perfil humano do nosso «bom malandro» e proporcionou-me ainda o repetido prazer de desfrutar «em directo», na primeira fila, do seu jeito e a-propósito no contar de uma anedota; da espontaneidade e da graça do seu comentário ao acontecimento fortuito e intrigante; do fino sentido de humor (o aparte «inocente», a conotação subtil, o trocadilho…) que por vezes introduzia nas reportagens desportivas (uma novidade ao tempo e que ficou sem continuadores). Mais tarde, com a «Crónica dos Bons Malandros» a minha admiração cresceu e consolidou-se. Porém, e com bastante pena, foi em vão que fiquei aguardando, durante não sei quanto, a publicação de novas narrativas suas. É que, caso notável, com aquela «crónica», o Mário não só se revelava um maduro ficcionista, não apenas se reafirmava como prosador exímio e dotado de um estilo inimitável, mas recuperava ainda uma tradição que durante decénios estivera ausente da nossa literatura. Não porque durante todo aquele período se tivesse registado um vazio total de escrita humorística. Não. Circulavam «Os Ridículos», onde, aliás, e se a memória não me trai, ele colaborou, e o teatro de revista enchia as salas do Parque Mayer, e por aí. Mas que eu soubesse ou me lembre, contos, novelas, verdadeira literatura de humor, já não se publicava em Portugal talvez mesmo desde o admirável André Brun, falecido em 1926. Entretanto o tempo passou e, há alguns anos, final e felizmente para prazer de muitos, Zambujal regressou à ficção, e com justificado sucesso tem vindo a preencher a lacuna. Tarda, no entanto, o reconhecimento dos seus méritos de escritor por parte da imprensa especializada e dos meios académicos. È verdade que se há autores cujas obras são sempre bem acolhidas pela comunicação social, pelo público e por alguns sectores da crítica, Zambujal é um deles. Mas, em meu entender, e para além do facto de nenhum outro escritor ombrear com ele na arte que cultiva, a sua escrita é merecedora de uma análise crítica mais ambiciosa do que a contida nessas breves recensões, meras notas de apresentação e de ocasião. Posso estar errado, e se assim for, alguém que me corrija, mas nas publicações especializadas ainda não veio a lume qualquer estudo sério sobre livros do nosso ficcionista; em nenhuma universidade se terão defendido teses sobre os seus processos criativos. Poderão objectar-me alguns que ainda será cedo para tal, ou que a literatura de humor passa ao lado das grandes questões da condição humana e não aborda temas que convidem à reflexão. Por outras palavras, que é uma literatura menor. Não penso assim e creio que o problema é outro. Penso que a «desatenção» daquelas instâncias culturais não é expressão de sobranceria intelectual ou de preconceituosa indiferença, e se deve, sim, por um lado, à inexistência em ambas de um historial de ensaísmo virado para o género literário onde cabe a obra de Zambujal. Por outro, decorrerá dos problemas de ordem teórica com que se confronta o estudo desse mesmo género, problemas que remetem para saberes não inscritos no universo das letras. Vejamos: A grande arte de Mário Zambujal não se confina ao gracejo imediato e fulminante. É também, e sobretudo, a arte de inventar o cómico, o risível; de suscitar o riso e o sorriso através de uma estrutura narrativa, sequências e situações geradas no fio de um discurso claro e fluente, pontuado de surpresas, imprevistos, e donde ininterruptamente transparece a atitude bem-humorada do narrador e que contamina o leitor. Ora, é talvez esta arte de inventar o cómico a que mais refractária se mostra à inteligibilidade do respectivo processo gerativo, criativo, mais rebelde permanece à análise, identificação e conceptualização dos elementos e momentos que supostamente a integram e nela interagem. Daí que (e com pertinência maior relativamente a outras formas de criação do cómico) a escrita de humor nos apareça como um «dom», como algo que se tem (sem se saber de onde nos veio), ou, simplesmente, que se não tem. Não é de todo sem razão que de diz «não tem graça quem quer». Mas o nó do problema situa-se mais a montante. Desde logo, a percepção do cómico (seja este resultante de uma ocorrência natural, ou produção artificial) e a resposta espontânea, múltipla e muito complexa por ele provocado em nós (e por vezes, também nalguns outros primatas) e que é o riso, são ainda, ao que julgo, questões não totalmente esclarecidas pelas ciência e disciplinas humanas, não obstante os contributos da Neurologia, Psicanálise, Filosofia (H. Bergson), entre outros. O riso envolve processos cognitivos, emotivos, motores, enfim, e a arte de desencadeá-lo promana possivelmente de um processo intuitivo específico, de uma especial modalidade de inteligência criadora, que determinadas contingências da experiência e da cultura impedem que se desenvolvam em todos os homens. E assim sendo, não será surpreendente que o estudo da criação do cómico e sua manifestação na obra literária se apresente tão problemático como atrás se disse. Do mesmo passo se achará justificação para o silêncio dos meios literários mais eruditos acerca de Zambujal. Todavia, ainda assim, e torneando o problema teórico que aqui foco, na obra do nosso ficcionista não faltam dimensões a explorar, dimensões susceptíveis e merecedoras de investigação, como o recorte humano e a tipologia das suas personagens e respectivas visões do mundo em função dos ambientes sociais onde se movem; os jogos de linguagem que propulsionam a narrativa; a exploração do suspense como modulador do ritmo e vector do desfecho; etc., etc. Tivesse eu mais tempo e a formação académica indicada para tais pesquisas e, com o maior prazer, delas me ocuparia. Mas não desanimemos. Mais tarde ou mais cedo, talvez quando menos o esperarmos, o Zambujal, que há muito é lido nalgumas escolas do secundário, começará também a ser lido e estudado nas nossas universidades.

2 comentários:

Anónimo disse...

COM TODA A SINCERIDADE,

Penso não haver muitas pessoas no País,tão bem documentadas como o Norberto, para entrar na especialidade, CRÍTICA LITERÁRIA.

Apreciei bastante a abordagem feita, que, quanto a mim, tem uma qualidade acima da média.

Penso; Logo digo...

Parabens ó NORBERTO.

Do meu ponto de vista, o escritor Mário Zambujal, está perfeitamente bem defenido na resposta que deu à perguta: E o nosso escritor' perguntaram-lhe.

E o MZ, escritor?... vou sendo... vou sendo...

Este vou sendo, revela não a produção possível mas a que ele estabeleceu, ou seja, o seu critério pessoal.

Nada a opor.

Não quero dizer que muitos livros seja sinónimo de alguma coisa. Às vezes é, como o caso de Balzac, que pela produção, era tido como um industrial da literatura.

Mario Zambujal atingiu patmares no jornalismo muito elevados e, na escrita não precisa de mostrar mais nada a ninguém.

Eu creio que o cómico que fala o Norberto, andou sempre de braço dado com o MZ. Ele que conte a oral a inglês com o Dr. Passos, na página 80 Dr, essa é uma boa história...

O facto de MZ não ser estudado as Universidades deriva de falta de vontade e decoragemm de quem decide. Parece-me ...

Qualidade não lhe falta.

Saudações costeletas do
JOÃO BRITO SOUSA

Anónimo disse...

Meu bom amigo.
Norberto

Excelente.
Não só porque considero a crítica literária um acto pedagógico, mas também porque tive o privilégio de te conhecer a ti e ao Mário, li o teu texto com redobrado interesse.
Se o lado humano do MZ não sofre contestação, se os seus 8 livros (oito?) já editados foram geralmente bem acolhidos pela crítica, igualmente estás de parabéns pela forma como vês quer o Homem quer a Obra.
O teu texto revela que és um estudioso, conheces a matéria, que eu duplamente valorizo, porque te considero à margem das críticas inseridas no âmbito das recomendações editoriais.
Um abraço sincero.
Jaime Reis