domingo, 20 de dezembro de 2009


A CIDADE QUE EU CONHECI (I)

Estive em Faro no recente almoço de Natal dos Costeletas e durante a última semana, por motivos profissionais, voltei mais duas vezes.
É meu hábito, nas visitas que faço nestas circunstâncias, regressar de imediato a casa, sempre são mais de 150 Km e o “caruncho” não perdoa.
Acontece que na última visita, por algo que não consigo explicar, senti uma enorme vontade de andar a pé pela cidade e revisitar alguns locais que fizeram parte da minha infância e adolescência.
A visita foi pequena e incidiu fundamentalmente no centro da cidade, mas foi grande em recordações. Na minha cabeça estava presente o antes e o agora. Vieram à memória pessoas com influência na minha formação como ser humano e que recordo com uma enorme saudade.
Morei na rua Vasco da Gama, na casa onde hoje é a perfumaria Passos, ao lado do Café Acordeão. Por cima do café morava o Doutor Silva Nobre. Recordo a sua figura esguia quando descia do carro preto cuja marca não lembro e que sempre me fazia um afago na cabeça antes de entrar em casa. Nesse tempo eu ainda frequentava a escola primária e o meu habitat natural era a rua e o largo, hoje, muito bem, chamado de Dr. Silva Nobre.
Naquele tempo os perigos eram reduzidos; Os carros eram muito poucos, não haviam pedófilos, nem raptos, nem outros perigos hoje tão vulgares, havia sim respeito, pelas pessoas e acima de tudo pelos mais velhos.
Às escondidas, entrava às vezes no Acordeão para ver jogar bilhar, não porque me colocassem na rua, mas porque o meu avô não queria e dessa sua exigência deu conhecimento aos responsáveis, no entanto sempre se arranjava uma forma de fintar a vigilância.
Outro lugar que fazia parte dos “tempos livres” (assim se diz actualmente) era a cervejaria Baía, cujo dono era amigo do meu avô.
Quero agora manifestar a minha revolta, pelo estado lastimável em que se encontra o busto do Dr. Silva Nobre, profundamente lamentável.
Dirigi-me então até à rua Bocage, uma vez que tínhamos ido morar para lá, a mudança coincide com a minha entrada na Escola Comercial e Industrial e venho a descobrir o Jardim da “Alagoa” e o Largo de São Francisco. Aí eu já não estava só, já havia um “bandinho” de “malta” da mesma idade.
Fui procurar agora “os protestantes” e verifico que no mesmo local existe uma igreja Adventista, provavelmente o mesmo culto daquele tempo. Naquela casa os serviços religiosos eram no 1º. andar e a caixa dos fusíveis era no átrio, junto da porta, que ficava aberta, é fácil adivinhar o que acontecia, “a malta” roubava um fusível e tudo ficava na maior escuridão.
A brincadeira só parou quando alguém disposto a apanhar um dos “bandidos” veio rebolando pelas escadas abaixo. Aí o “meduço” falou mais alto e tivemos que inventar outra. Quem nos topava a todos era o Veríssimo da barbearia, mas nunca nos acusava.
Voltei então até à Pontinha e dei comigo a imaginar em que ponto daquele enorme prédio se situava a Casa da Mocidade, lembrei da posição da mesa de bilhar, onde se jogava por vinte e cinco tostões a hora e quase sempre com a presença do Sidónio (o pintor Sidónio Almeida) frequentador da casa.
Ao Sidónio vim encontrar anos mais tarde fazendo umas pinturas na Adega da Torralta em Alvor, ainda me reconheceu. Desconheço se essas pinturas estão preservadas ou se, como é costume nestes país, foram destruídas pela saga da renovação.
Por hoje chega de recordações, mas prometo voltar.

António Viegas Palmeiro

2 comentários:

romualdo.cavaco@sapo.pt disse...

Caro Palmeiro:
Gostei da sua crónica e não resisto a desfazer-lhe as dúvidas sobre as pinturas do Sidónio com quem me encontrei mais que uma vez em Portimão.
As pinturas voaram tal como os pelourinhos no tempo do Costa Cabral ... nem ficou rasto da arte de quem foi por nós tão estimado.
Um abraço costeleta e votos de Boas Festas.

Anónimo disse...

Olá Romualdo

Obrigado pelo seu comentário.
Infelizmente é assim, a falta de respeito que existe neste país pela cultura é confrangedor e deixa-nos cada vez mais pobres.
Retribuo os votos de Boas Festas.
Um abraço
Palmeiro