segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Recordações dos anos 30


Como se Vivia na Minha Rua

Introdução

Era “moce” e as recordações daquele tempo abrem-se, não na minha imaginação, mas na minha memória. Parece que foi ontem. Mas já lá vão setenta e alguns mais. Tentarei passar a “gravação do filme” daquilo que a minha memória se lembra do quotidiano da minha rua, naquele tempo.
Abramos um parêntesis para focar algo de diferente. Rapazinho, que eu era, não tinha brinquedos com a quantidade que hoje se vê. Muitos dos brinquedos imaginava-os. E, quando desejava alguma coisa, lutava para alcançar esse objectivo. As crianças de hoje não têm a imaginação não lutam, nem se empenham, não convivem, porque não vivem, como nós vivíamos, livremente. A ocupação de hoje é feita na frente de um televisor. Falta-lhes a liberdade, que nós tínhamos de correr pelas ruas sem o perigo dos carros, dos assaltos ou… dos raptos. A nossa televisão era de facto a rua. Mas vejamos em pormenor o quotidiano que referi.

A minha rua

Manhã cedo e batiam à porta. Era a “Ti Chica” com o leite num cântaro de lata. Ou então, quando ela não podia, o rapaz a bater e a gritar “Leititos”. E lá ia a mãe com a vasilha para comprar a quantidade, para o café da manhã, de toda a família.
O carteiro batendo a todas as portas para entregar pessoalmente a correspondência.
O homem das “carcanholas” a dois tostões a dúzia. A mulher das bananas e “alcagoitas”, por vezes passavam o “menino Xico, o “Cuco” o “Gaiana” o homem das rifas a apregoar “do menino pr’á menina, da menina pr’ó menino é “testão”. Tudo diferente daquilo que é hoje.
Mas continuemos, porque, estavamos a ouvir uma sineta no cimo da rua; era a carroça do lixo puxada pelas bestas, a cheirar que tresandava, com os homens que recolhiam o lixo, dentro das alcofas, para despejarem na carroça, com o acompanhamento de uma praga de moscas.
E, logo a seguir, vinham os aguadeiros com os cântaros de barro, que enchiam no poço de S. Pedro, fazerem a distribuição.
A “Ti Maria”, e outras, com seus produtos hortícolas, e que eram pesados naquela balança já ferrugenta e desalinhada. Balança romana que devia valer hoje uma boa quantia de euros para os coleccionadores daquelas relíquias. E a carroça ali ficava parada no meio da rua, com as mulheres à volta, e sem paragem do trânsito. Não haviam carros.
O homem do sal, numa pequena carroça, puxada pelo burro e que gritava “Sal e azar”, que a polícia de vez em quando o levava preso e que, depois de solto, voltava a vender o sal com o mesmo pregão.
Aproximava-se a hora do almoço, sentindo-se, por toda a rua, aquele cheirinho de boa comida.
E logo depois, verificava-se uma calmaria, naquele período de descanso sem burburinho.
Por vezes ouvia-se a gaita do caldeireiro ou do amola-tesouras, aquele que remendava com solda os tachos de cobre e punha “gatos” nos de barro, este com aquele barulho característico a amolar as tesouras e as facas.
À tardinha ouvia-se a correria louca dos ardinas com os jornais nas suas sacolas. Jornais que tinham chegado no rápido de Lisboa. Era uma “guerra” aberta entre o Vieguinhas e o Pardal apregoando o “Século” o “Diário de Notícias” e outros.
Por vezes observávamos desentendimentos entre as mulheres, com puxões de cabelo, por causa dos maridos ou das amantes.
Mais “filmes”, da nossa rua, poderíamos contar no dia a dia da cidade, bastava um pouco mais de atenção.
Era assim o dia a dia da minha rua.
Moderador
(nota: por imposição do João Brito de Sousa escrevi o "Aparo de Cana", sem imposição escrevi "Como se Vivia na Minha Rua".

7 comentários:

Anónimo disse...

MEU CARO MODERADOR,

Viva,

Imposições àparte, quero dizer-lhe que acho que tem talento para a escrita.

Já agora dizer que, apesar de comentar alguns trabalhos de colegas, melhor, de apresentar os meus pontos de vista, eu considero-me uma pessoa que gosta de ler e de dar a minha opinião sobre o que leio.Nada mais.

Nesse sentido, direi que gosto da sua forma de escrever, pelo ritmo que impõe no texto, que é à minha medida.

Não o conheço nem irei conhecê-lo certamente. E tenho pena. Só porque gostava de falar consigo, para o incentivar a escrever uma história.Sinceramente acho que daí saia coisa boa.

Adorei o seu aparo de cana que você pode apresentar em qualquer parte que será apreciado.

Peço ao Norberto Cunha para vir aqui dizer umas palavras sobre o que eu digo e sobre o seu texto.

Sem rodeios. Reconheço ao Norberto competência para isso.

O seu estilo é simples mas simultâneamente belo.

Como o da Lina Vedes.

Deixo-lhe um abraço. E continue.
JOÃO BRITO SOUSA

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Meu caro João
Obrigado pela apreciação. Mas não sou escritor.
Brinquei um pouco mas não por imposição.
Neste momento "fecho o Quiosque", xixi e cama. Boa noite
Moderador

Anónimo disse...

MEU CARO,

ok, não tem que agradecer. Eu gosto de ver como é que os outros fazem, para aprender.


Xixi cama já ?... Então e os problemas da economIa que estão a passar na RPT1.

Escreva, ok

Cumprimentos.

JBS

viegaspalmeiro disse...

Caro moderador
Peço-lhe que continue, pela qualidade, pelo estilo, mas isso é apreciação para o nosso João, mas principalmente pelo conteúdo.
A diferença abismal de como vivemos a nossa infância e como as crianças de hoje a vivem, deve ser motivo de reflexão dos responsaveis, se ainda existirem responsaveis neste país.
Parabéns e quero mais, acho que posso dizer, queremos mais.
Um abraço
Antonio Palmeiro

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

A televisão vista da caminha, tem o corpo mais aconchegado e quentinho.
Moderador

Anónimo disse...

Caro moderador,vinte anos depois ainda era tudo mais ou menos o mesmo,para no's os montanheiros ainda haviam mais uns personagens. Na cidade,nao se governavam,havia a praca do peixe,la' ao fundo junto as Portas do mar mas,no campo era ve-los passar,anunciando aos gritos sonantes o peixe fresco(diziam eles!)"os arrieiros",nas suas bicicletas,ferrujentas do salitro da agua salgada que sempre escorria do peixe nas suas canastras dependuradas de um pau atravessado na "grelha".Na minha zona,haviam dois que me recordo bem,o "ti jaquim Amante"e o "Macdones".Se tenho saudade desse tempo?Nao sei mas creio que nao.So' o recordo.
Obrigado pelas memorias...como dizia o AP..venha mais
um abraco
Diogo

JCB disse...

Gostei de recordar aquela do homem que vendia sal e apregoava "SAl e AZAR". Só falta esclarecer, para quem não saiba, que Azar era o nome do burro.