quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

As Bocas do Mundo

Era uma vez um homem velho, que tinha na sua companhia um neto, filho de uma sua filha já falecida, como falecido era o marido desta. Teve o velho de ir a uma feira vender uma jumenta, e como o neto era rapazola, muito turbulento, não o quis deixar sozinho em casa, e levou-o consigo. O jumento era já adiantado em anos e o velho para o não estropiar resolveu levá-lo adiante, caminhando a pé avô e neto. Passa¬ram a um lugar onde estava muita gente a brincar na estrada.
- Olhem aqueles brutos! Vão a pé atrás do búrro que se não dá da tolice dos donos. O velho disse ao neto que se pusesse em cima do burro. Mais adiante passaram próximo de outros sujeitos que se puseram a dizer:
- O mariola do garoto montado, e o velho a pé; o que um tem de esperto tem o outro de bruto. O velho então mandou apear o neto e ele montou-se no burro. Mais adiante começaram a gritar:
- Olhem o velho se é manhoso! A pobre criança a pé e ele repim¬paso no burro.
- Salta para cima do burro, ordenou o velho ao neto. O garoto não esperou que o avô repetisse a ordem e lá foram os dois sobre o jumento. Andaram assim alguns passos, e logo viram muita gente sair-lhes à estrada, cheia de indignação e gritando ameaçadora:
- Infames! Criminosos! Canalhas! Matar o animalzinho com o peso de dois alarves, podendo ir a pé. O velho e a criança foram obrigados a descer do burro. Então disse o avô ao neto:
- É para que saibas o que são as línguas do mundo: preso por ter cão e preso por o não ter.

IN "Contos Tradicionais do Algarve" de Ataíde de Oliveira.

RC

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