quinta-feira, 28 de outubro de 2010





O VELHO E A GAIVOTA (cont)
Por João Brito Sousa


Saí do jardim mais ou menos satisfeito comigo próprio. Tinha encontrado o velho que eu andava à procura há tanto tempo, um velho empinado e difícil de entender, autoritário, mandante, um velho que falava só quando queria, ora pausada ora aceleradamente e que não precisava de dizer muitas palavras porque a maior delas dizia com o olhar, como o fez no último sábado quando disse, cá estaremos, o resto foi fixando-me no rosto.
Que raio de velho aquele que me provocou a alma, de tal modo que agora tinha comigo um monte de questões a responder a mim próprio. Qual teria sido a vida do velho? Com aquele espírito e poder de observação, autoritário e teimoso, um velho que quando jovem deveria ter sido fresco, passava o tempo agora a olhar uma gaivota pousada num telhado para desviar o pensamento. Diz que tem um grave problema. Qual será? Trouxe o problema do velho comigo e comecei a especular. Seria uma mulher? Às vezes aí há problemas. Todavia, pensava ao mesmo tempo que estava a exigir muito de mim, porque adivinhar o que ia dentro da alma do velho era complicado. Só Sherlock Holmes, com a sua capacidade de dedução e o seu cachimbo que adorava fumar. Como estava a chegar a casa desisti da ideia. Logo pensaria.
Meti a chave à porta e logo a minha neta de doze anos veio ao meu encontro, e, depois de saltar para os meus braços, me perguntou o que é que tinha.
- O que é que tens avô ? Pareces-me intrigado, ou seja, nem satisfeito nem triste.
- Nada disso netinha querida, o teu avô está sempre forte, isso é impressão tua.
- Sabes avô, cheira-me a esturro.
- Nada disso, podes crer.
A verdade é que a minha neta tinha acertado, havia qualquer mal estar dento de mim, uma ansiedade pequenina mas que me queria transportar para o sábado seguinte para me encontrar com o velho. Mas acabei por me controlar, jantei com a família e dormi bem.
Na manhã seguinte fomos tomar café no estabelecimento próximo de casa, como sempre fazemos, principalmente aos domingos e contei a minha mulher o que havia sucedido comigo na véspera, que tinha encontrado um velho com estas características assim, assim.
- Mas isso tem uma resolução fácil. Colocas o caso em ti e vê se algum dos teus desgostos pode encaixar no grande desgosto do velho. Ora pensa lá bem, disse a minha mulher.
- Sei lá, não tenho jeito para isso, nada me ocorre. E tu, tiveste algum desgosto grande?
- Todos nós temos desgostos meu querido, uns mais outros menos, uns maiores e outros menores, mas a verdade é que a dor mora connosco Não é que nós queiramos fazer asneiras, mas fazemo-las, todos. Vou contar-te uma história que poucos sabem. O meu pai era fornecedor de materiais de construção aos empreiteiros e, na hora do pagamento, um houve que não queria pagar, quer dizer, adiava o pagamento e o meu pai precisava o dinheiro.
-E o que fez o teu Pai?
-O que fez? Deixo para tu descobrires e assim vais treinando como chegar ao grande problema do velho.
-Mas assim aumentas a minha confusão, disse eu.
-Um dia o nó desata-se e vais ver que percebes qual o grande problema do velho.
-Talvez, disse eu.



  jbritosousa@sapo.pt

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro amigo
invejo-te o talento e arte de escrever.
Foste bafejado com este talento, para mim so' uma palavra ou uma frase. Continua a deliciarnos com a tua escrita!
Abraco
Diogo