quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A PESCA NA RIA

Por se tornar um pouco extenso para ser aceite como comentário, preferi escrever este texto enquadrando-o na síntese dos comentários ao meu texto “Marés Vivas”.Ao Diogo já respondi. Passo, portanto, a abordar o enunciado do meu amigo Zé Moreno (José Elias Moreno) com residência em Faro na rua que fica em frente da nossa Escola, rua onde já nos temos encontrado para “dois dedos de conversa”. Faço aqui um interregno para exclamar: A intriga está feita!...
E vamos ao “miolo” do teu comentário Zé.
Sobre o “moinho de maré” da saudosa moleira Francisquinha Grelha (Moinho do Grelha), situa-se à direita de quem está virado para a ria, da então chamada Praia da Torrinha, daí o moinho ser conhecido por “Moinho da Torrinha”. Era constituído pela casa do moinho, com as duas mós de pedra sendo a de baixo fixa e a de cima rotativa para moer o grão que ia caindo no buraco central da rotativa. A mó de cima era impulsionada pela força da água que corria por baixo pela “levada”, canal que estava ligado à lagoa artificial por uma comporta. A lagoa estava ligada à ria por outra comporta que era aberta manualmente quando da baixa-mar, e fechada na preia-mar. O moinho só poderia trabalhar durante a baixa-mar, abrindo a comporta da “levada” e pôr a mó a rodar com o impulso da água. E o ciclo repetia-se.
Quanto às pescarias de que falas na ria, o amigo Encarnação já adiantou umas dicas, mas gostaria de acrescentar como elas eram feitas pela minha experiência pessoal.
A pesca dos chocos, tão saborosos fritos com tinta, fazia-se de duas maneiras; de dia com uma rede presa a três canas formando um triângulo, e a que se dá o nome de “xalrão”, pegando nas duas canas e arrastando para a frente durante um certo tempo até levantar a rede e extrair os chocos que lá se encontravam. De noite com uma lanterna (petromax) e uma fisga. Tudo isto feito na maré baixa. Com o xalrão com água pela cintura e à fisga com àgua até ao meio da perna.
Com o mesmo candeeiro, de noite durante a baixa-mar, íamos para os cabeços ou ilhotes apanhar as bocas dos caranguejos “cava terra”. Ao centro o do candeeiro e um de cada lado apanhavam os caranguejos arrancavam as bocas e largavam os caranguejos. E é interessante saber que no lugar da boca arrancada uma nova torna a nascer e a crescer. O candeeiro servia para encandear os caranguejos para não fugirem.
Recordo de apanhar peixe com a “redinha”. Uma rede de arrasto com chumbos em baixo e pequenas bóias de cortiça em cima. Não é muito comprida, entre 5 a 10 metros. Durante a baixa-mar e é arrastada nas pontas para um cabeço ou para a praia e aí retira-se o pescado, geralmente constituído por chocos, robalos, sargos, mucharras, peixe rei e camarão. Geralmente a maior quantidade é de peixe rei. Recordo que a última vez que fui a esta pesca apanhámos um choco e cerca de 5 quilos de peixe rei. E fomos apanhados pela polícia marítima. Ficámos sem a rede.
Os alcabozes, geralmente a malta chama “cabozes”. Um petisco delicioso fritinho é geralmente apanhado preferencialmente junto dos esgotos. O lingueirão, apelidado de “cabos de faca”, dá uma grande publicidade à comida Algarvia no seu “arroz de lingueirão, é normalmente apanhado de duas maneiras. Por arrasto ou com uma vareta de bico de fisga, chamada “adriça”, que se espeta no buraquinho, onde eles vivem, em forma de buraco de fechadura. Recordo que o saudoso Franklim se entretinha bastante na apanha do lingueirão com a adriça. Esta pesca é feita nos ilhotes com a baixa-mar e em seco. Também há quem o apanhe com sal grosso deitando para dentro do buraco. O sabor a sal faz com que eles saiam e…
Quanto ao “tapa esteiro” é uma pesca considerada criminosa. Trata-se de duas redes que são colocadas num canal, durante a baixa-mar, tapando os dois lados. Quando se dá a baixa-mar os peixes não têm saída acabando por ficarem em seco e morrem. Os pescadores vão retirá-los tirando apenas os maiores.
Temos, também, a conquilha apanhada na costa e a amêijoa e o berbigão na ria com a baixa-mar.
Muitas outras espécies tais como berbigão, búzios, ostras, mexilhões, burrieis (caracol do mar) camarão pequeno, caranguejos sem esquecer as enguias e irós que eram apanhadas à fisga na doca, quando a doca era um atoleiro de lodo negro, criado pelos esgotos da cidade que para ali estavam canalizados.
Era assim a pesca “desportiva” proibida. Hoje, existe muita fiscalização.
Era giro! A malta divertia-se e comia bons petiscos.

Alfredo Mingau

2 comentários:

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Gostei muito da explicação.
Também gostava muito da pesca com a adriça. E apanhava bastantas
Rogério

MAURÍCIO DOMINGUES disse...

CARO ALFREDO
Gostei de recordar toda essa
actividade que a rapaziada do
nosso tempo praticava na Ria ,quando em férias ou fins de semana ia para a Ilha.
Num pequeno "Charuto" aprovei-
távamos a enchente, ainda com
a maré baixa,para nos canais
apanharmos choquinhos, ostras e
as tais "bocas" dos caranguejos.
Algumas vezes cortei as solas
dos pés com as ostras semi-enter-
-radas na corrida que tinha de fazer para apanhar os caranguejos
antes de se esconderem nos buracos.
Num salto rápido à boca do buraco
tapava a toca e tornava-se fácil
apanhar o "bicho" que tentava de-
fender-se . Arrancada a "boca" lá
ia ele esconder-se onde podia.
Tenho saudades desses momentos e
dos companheiros que me acompanha-
vam nessa saudável actividade.
No regresso à cidade aproveitá-
vamos a vazante para poupar energias e tempo. A Ponte
ainda não existia e a população
com os seus farnéis fazia a viagem
em barcos à vela. Depois o pequeno
"ISABEL MARIA"começou a fazer as
suas viagens para a Ilha de baixo,
com regresso à tardinha.

Alfredo, continue a tornar-nos
à lembrança todas essas boas e
maravilhosas recordações.

UM ABRAÇO DO MAURÍCIO