sábado, 2 de outubro de 2010

A VIDA AO CONTRÁRIO


Cap 1



O comboio chegara à tabela sem tirar nem pôr. Faltava um quarto para auma da tarde, quando os passageiros começaram a sair e o Ernesto Lopes saiu também. Vinha algo pensativo, o que nele não era muito habitual. Dirigiu-se para o Largo da estação onde esperou pela mulher.

Decidiu entretanto comprar o jornal da manhã e, ao abrir a carteira para retirar o dinheiro, deparou-se com a foto do avô que traziaj unto à da mãe. E que bela estava a foto do velho Lopes. De olhos azuis e marotos, cabelo penteado para trás carregado de brilhantina, bigode bem aparado, fato castanho escuro, gravata a condizer na camisa branca, com lenço supostamente verde na algibeirinha pequenina colocada no lado do coração, cá em cima, faziam do velho, um actor compinta e galanteio. Ernesto demorou uns minutos a tirar o dinheiro porque ficou embasbacado na fotografia do avô, o que acontecia muitas vezes, sobretudo naquele olhar enigmático, que quereria certamente dizer muita coisa, mas que Ernesto não enxergava até onde podia chegar nem o que queria dizer.

Quando a esposa chegou à sua beira, linda como nunca dantes a vira, Ernesto cogitava na sua aldeia, nas festas que aí vinham e nas quais ele não poderia participar por se encontrar em longes terras.

Bom dia meu amor, então como estás; perguntou Daniela logo que chegou perto do esposo.

Estou bem, obrigado, disse ele, enquanto trocavam um beijo de reconhecimento.

Não pareces nada bem, disse a mulher.

Porque é que achas isso? perguntou Ernesto.

Ernesto, meu amor, tu sabes bem o que é que se passa, disse a esposa.

Eu não sei nada disso meu amor, disse Ernesto.

Sabes sim, disse Daniela. Se eu sei tu também sabes.

Mas o que é que tu sabes, perguntou Ernesto.

Pressinto em ti a saudade das pequenas coisas da vida, da tua aldeia,o sino da Igreja, toda a tua juventude está em ti, fazem parte do mesmo corpo comum, é impressionante como essas recordações te consomem e te assaltam. Decididamente estando aqui és um peixe fora de água, aqui parece até nem haver vida para ti, és um desterrado no teu próprio país, és nitidamente um homem fora da tua terra. Ora diz lá se não é esta a tua preocupação?

Ernesto olhou no horizonte longínquo, sorriu enquanto olhava para a mulher e antes de pronunciar qualquer palavra recordou a aldeia, as festas da Páscoa, a procissão da sexta feira santa, onde ele era um dos que vestia a opa e carregava o andor. Gostava daquilo, dizia ele.
A opa… é que era, a grande cidade nem por isso.

Bem, não deixas de ter a tua razão, isso da aldeia é verdade, disse Ernesto.

Mas tens que mudar amor, a vida é onde nós estamos, onde temos a nossa casa, onde estão os nossos pertences pessoais, é onde moram os nossos vizinhos, os mesmos que nos cumprimentam todos os dias, é o lugar onde as mesmas gaivotas se vêm passear às tardes, entendes amor. É só uma questão de querer, de perceber que a nossa vida se vive no lugar onde nós nos sentimos bem, ou onde temos tudo à nossa disposição para que isso aconteça. Amor, a vida é luta, é dor, é ganhar e perder, é tolerar, é conseguir através do amor a resolução de todos os problemas do querer bem.

Ernesto não queria saber bem daquilo que estava a ouvir mas não deixava de reconhecer razão nos dizeres de Daniela, mas o que lhe vinha à mente era a aldeia, os bailes no Cavacão, a venda do Amadeu e da Rosa e outras mais.


JBS

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