segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A MINHA ESTADIA EM ANGOLA
Por João Brito Sousa


Cheguei a Luanda em 12 de Fevereiro de 1984 e segui, uns quinze dias depois, para zona diamantífera na Lunda Norte, porque fui colocado no Gabinete de Contabilidade de Custos da Companhia de Diamantes de Angola.

Eu e o Auditor Geral da Companhia, fomos quatro vezes ao aeroporto de Luanda, para apanharmos o avião para a Lunda, cuja deslocação durava duas horas.
- Bom dia Cámárádá. És cooperanté ? Os bilhete de identidade e a guia de marcha...Sim está em ordem.
Com um ar muito sério, põe cuidadosamente o carimbo na guia de marcha, registando a saída de Luanda. Era fundamental a guia de marcha, era o documento emitido pela Segurança do Estado e que permitia teoricamente controlar as deslocações dos cidadãos. Sem este documento não se podia circular fora das cidades.
- Podes pássár cámárádá. Diz o soldado da segurança com um sorriso. Ágorá vais práquele banco, prá revistá dás bágágens.
O Tiago abriu a mala sobre o banco comprido de taberna onde dois soldados da segurança lhe revolveram a roupa, os livros e os maços de tabaco...
-Sim podes ficar com dois maços - Obrigado cámárádá- agradeceu o soldado com um sorriso de criança. Aqueles dois maços já podiam ser trocados por uma lata de leite para os filhos.

JBS

2 comentários:

MAURÍCIO DOMINGUES disse...

Caro João,

A tua história fez-me lem-
brar uma outra, tristemente verda-
deira, que me contou um antigo ami-
go e Costeleta da minha geração, o
Fazenda, que durante muitos anos esteve em Angola, e ao fim de muito
trabalho conseguiu estabelecer-se
com casas comerciais no Lobito e
Moçâmedes.
Depois da independência não mais
foi dono do que construiu durante
anos, com muito trabalho, e não
podendo trazer para Portugal alguns
bens entregou os estabelecimentos a
dois empregados para que fôssem ge-
rindo os negócios até voltar de a
Angola, uma vez que tinha de ir fa-
zer uns tratamentos aos rins figa-
do numas termas .
A mesma história da Guia de
marcha para sair do Lobito e seguir
de carro até Luanda onde iria tomar
o avião.
Toda a bagagem e documentos foram
apresentados,nos inúmeros postos de
controlo em todos os cruzamentos da
estrada.
Os soldados do MPLA, quási todos
Zairenses, não falando português, só lhe pediam "documentos".
Já farto de tanta fiscalização e
aborrecido com o tempo perdido en-
tregava-os de qualquer maneira , a
maioria com o cabeçalho virado ao
contrário, dizendo:
- Carta de condução, livrete, a
guia de marcha, o Bilhete de Iden-
tidade, etc, e acrescentava que só
faltava a Certidão de Óbito !
" Se falta não pode passar " !!
Tinha de trazer também !.
Só a explicação de um "camarada"
que o acompanhava salvou a situação
esclarecendo que esse documento ele
não tinha porque estava vivo e só era passado aos mortos !
Meio convencido a sentinela negra
lá abriu a Cancela e deixou passar
a viatura e ocupantes.
Esta hitória verídica foi-me
contada pelo próprio Fazenda quando
tive o prazer de o abraçar depois de muitos anos de ausência, na es-
planada de um café próximo do Hotel
Eva, dizendo-me que já não iria re-
gressar a Angola onde perdeu tudo.
Preferia abandonar tudo quanto
tinha construido durante uma vida
de trabalho e sacrifícios, menos a
vida, que veio a durar pouco tempo.
Um ou dois anos depois disseram-me que falecido, pobre e vivendo da
caridade de familiares.
A vida não sorriu para todos
depois da independência e muito
menos para milhares de emigran-
tes portugueses !!


Um abraço mais do MAURÍCIO

Anónimo disse...

Caro Maurício.

Viva,

Foi o teu coração que falou ... alto.

Li, gostei e comovi-me.

Abraço do
JBS