sábado, 6 de novembro de 2010

O valor do figo


Sou por natureza, cultura ou por tradição, um individuo antiquado, de hábitos e costumes um pouco fora de moda, nos modernos tempos em que vivemos.Tal como outros Costeletas nossos amigos e de origem campesina, recebi dos meus anteriores, a minha horta que mantenho o melhor que sei e posso, mas cujo resultado económico é desastroso. Agricultura de passar cheques. Porém o prazer de, no Verão, dormir uma soneca à sombra daquela alfarrobeira onde o nosso antepassado também já descansou, de ver correr á nossa frente os "nossos" coelhos , ouvir o canto dos "nossos" melros e pintassilgos, observar a paciência e destreza dos "nossos " camaleões e ouriços, e de colher as uvas , os pêssegos, as amêndoas , as azeitonas ou os figos mais caros do mundo; esse prazer é indescritível.
É isso que costumo fazer. Depois há os figos secos que se enchem com os miolos de amêndoa canela e erva doce e torram no forno, ou os que se mandam destilar, para obter uma genuina aguardente que, segundo o segredo bem guardado, serve para fabricar também artesanalmente uns licores dos Deuses.
Há muitos anos, em Viana do Castelo na pastelaria do sr Manuel Natário, num Domingo de manhã, tive o privilégio de tomar o pequeno almoço com o escritor Jorge Amado e sua esposa Zélia, que eram intimos amigos do dono da casa, e ali ouvi da boca desse grande brasileiro, o maior elogio que alguma vez se fez do fruto da árvore em que judas se enforcou. Falou das propriedades calóricas dessas passas milagrosas, que dão energia aos desfalecidos, e fazem erguer um morto, só comparadas ás tâmaras da Tunísia ou do Egipto. Discursou de modo muito elogioso sobre o nosso grande Poeta ,Escritor e Presidente da Républica Manuel Teixeira Gomes ,que em determinada fase da sua vida teria exportado para o Brasil generosas ceiras e caixas de Figo Flor do Algarve,muito apreciadas por brasileiros , portugueses e imigrantes de todas as partes da Europa. E gracejou, dando uma amigável palmada nas costas do seu amigo Manuelzinho: melhor do que as passas do Algarve só as empadas de salmão ,e as meias luas deste grande capitão da gastronomia e da amizade.
Mais recentemente, um ex colega holandês que não via há 35 anos, encontrou-me via facebook, e informou-me que não aguentava mais as saudades de Portugal, onde tinha vivido, e trabalhado durante quatro anos.
Homem de rara sensibilidade e inteligência, tinha aprendido a falar fluentemente o português, em três mêses, tendo para isso adquirido a colecção "Obras Completas de Eça de Queiroz" da editora Circulo de Leitores. Agora vinha para visitar a exposição Filatélica do Centenário da República Portuguesa e revisitar os lugares e amigos que tinha conhecido ,nos anos loucos da "revolução à portuguesa"(sic) .E como ele muito bem diz, e quiz; as saudades mataram-se à mesa e com um bom vinho.No restaurante onde tantas vezes haviamos já confraternizado..
O comício e bebício decorreu num ambiente de grande alegria, amizade e desfolhar de recordações e vivências irrepetíveis.
Houve troca de lembranças, tiraram-se muitas fotografias , abraços e beijinhos .As senhoras estavam visivelmente emocionadas e rendidas a esta prova de amizade e estima .Ou talvez também saudosas de outros tempos bem vividos.
Como nunca sei o que oferecer de lembranças, mas sei que o Peter e a Joke não têm figos cheios de colheita própria, levei-lhes um saquinho de figos ,escolhidos recheados e torrados cá em casa.
Fez-me um discurso sobre os figos ,semelhante ao que eu havia escutado do escritor brasileiro, e abarbatou o saco, sem se lembrar da sua proverbial gentileza de oferecer aos amigos , ou ao menos às senhoras.
Hoje ao abrir o computador, tinha esta mensagem no correio:
Olá José:
Continuamos a disfrutar do calor energético e salutar do Sol português do Algarve, por intermédio da excelencia dos Figos que tens a sorte de produzir.Aqui os que compramos são da turquia, mas não tem amendoa e não tem o mesmo gourmet.
Estes estão a acabar.Agora estamos a reduzir a portion diaria, para que não acabem já.
Tens muita sorte ,por teres saude, ainda estaes em activo e viver em Algarve,que é a maior riqueza, depois da Familia.
Em próximo ano Novo, vamos encontrar no Algarve para comer sardinhas e beber do teu vinho.
Ainda podes produzir Figo do Algarve, e fazer uma joint venture, com uma empreza de chocolae,
porque os teus figos encoberts com chocolate e amendoa, são imenso melhores que as trufas de produção industrial.
Não esquecemos o jantar na Cabrinha,e a amizade de todos.
Bjos da Joke e Abraços
Peter

Não fazia idéia de que a cotação do figo estava tão alta no mercado Europeu.
Nem de que o figo cheio Algarvio poderia vir a tirar este jardim á beira mar plantado , da crise em que está atolado.
No próximo ano ,quando o meu amigo holandes, vier comer as sardinhas e beber do vinho que houver, vou mostrar-lhe os figueirais e amendoeirais Algarvios , fontes produtoras da principal matéria prima ,necessária á realização do negócio que me sugere.
Ou será que ele ainda me vai sugerir que plantemos o Algarve de imensos campos de túlipas?

J.Elias Moreno

1 comentário:

Anónimo disse...

UM BELO TEXTO,

Viva.

É um texto campesino, que cheira a campo e tem a beleza das laranjeiras em flor e principalmente das amenoeiras.

Interessante a referência a Jorge Amado, que sabe de tudo e a Zélia.

O Moreno aqui faz de Tomé da Póvoa no Júlio Diniz.

É um texto de saudade.

É ternurento quando fala dos ouriços e pintassilgos.

E de outras coisas mais.

Aí vai um ab. do
JBS