sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

TEMA: - CONTO

Vicios e Medronhos…


Sempre que o autocarro passava, em torno das 10:30h da manhã, a bebida estava liberada.
Não sei bem porquê!
Todos os dias, segunda, terça… sexta, sábado (menos no domingo) o autocarro estacionava em frente ao prédio do armazém de “Vicios & Medronhos, lda.”, desciam alguns passageiros, subiam outros, a motorista (sim, era uma mulher que dirigia o autocarro) engatava a marcha, seguia seu destino pelas estradas esburacadas do interior do Algarve, e a bebida estava liberada.
Claro que aquele ritual me deixava confuso. Em 1970, tinha lá eu pouca idade e algumas coisas ainda fugiam à minha compreensão.
O autocarro passava e o armazém citado, a taberna do Silva, a Casa do Povo, estavam liberados a vender o medronho, principal líquido ingerido pelos homens da vila. E os homens consumiam, muitos bebiam à exaustão e nem conseguiam chegar em casa para o almoço, outros chegavam mas atropelavam tudo o que vinha pela frente e tinha os que nem iam para casa, ficavam ali, em uma ou outra taberna ou café, bebendo e jogando conversa fora, picando um fumo para o palheiro e às vezes até comendo um pão com linguiça preparado pelo senhor Silva e bebendo.
E tudo, tudo, acontecia somente depois das 10:30h, depois que o autocarro passava. E no outro dia e no outro e no outro.
O vilarejo era pequeno, uma estrada principal e ao redor dela acotovelava-se o comércio.
Passei belos momentos de minha infância ali, na casa dos meus avós, com suas plantações de milho, pastagens para o gado que, inclusive, ajudava a ordenhar e às vezes a conduzir pela estrada de terra batida até ao monte de um amigo do meu avô onde o gado pastava.
E o vilarejo não prosperava.
Mas eu falava da bebida e ela enriquecia os comerciantes e destruia os lares e as economias da população.
O vício enraizado nos homens deixava sua mulheres escravas do trabalho, da educação dos filhos, da incompreensão coletiva, dos tombos de seus maridos, das idas ao centro da vila em busca deles jogados nos passeios.
A lei das 10:30h foi imposta pela população feminina e surgiu para amenizar problemas.
Saudades dos tempos em que o almoço era servido pela avó e nós na nossa inocência nada percebíamos. Saudades da vila que apesar de tudo cresceu e destas pequenas histórias que se perderam no tempo.
Hoje, brincamos com os factos ocorridos e muitas vezes usamos a mesma história para saber o horário certo do primeiro gole, aliás, Maria, que horas são mesmo? Ah, então tá, já podemos engolir o primeiro copo de medronho…

Um arranjo de Montinho

7 comentários:

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Olá!
Folgo em notar o teu aparecimento.
Um belo arranjo, juntamente com outro recebido que colocarei na primeira oportunidade.
Um abraço
Rogério Coelho

Anónimo disse...

O ARRANJO DO MONTINHO.

Viva.

Este texto do Montinho, na minha leitura, está carregado de saudade e tocou-me por dentro.

Porque trata de assuntos que eu mais ou menos conheço e que me agradamram reviver.

O almoço servido pela avó é qualquer coisa de belo.

Os nossos avós foram os nossos heróis.Foram eles que nos perdoavam sempre tudo.

Dando razão à máxima: os pais são para educar e os avós para deseducar.

Gostei.

João Brito Sousa
costeleta 1952 /61

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Olá João
Olha Ermão gosteo do teu comentário, é pena que outros não tenham apreciado.
Um abraço
Rogério Coelho

Anónimo disse...

Mano,

Viva.

O não gostar, em termos de cidadania e liberdade de expressão, é um gesto democrático que vale tanto como gostar.

Não ofende e temos que saber conviver com isso.

O não, tem uma vantagem; não nos inibe de dizermos o que pensamos.

Simplesmente não aceita, mas éticamente está certo.

Tudo bem.

Ab-

João Brito Sousa
costeletea 52 /91

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Oi João!
Não discordo... mas...
Neste caso, daquilo que se publica no blogue, ou em qualquer outro meio de comunicação, o "não gostar" (dito ou escrito) aponta para o facto de "desgostar" para quem, com satisfação o escreveu..., tirando-lhe o mérito de julgar que...
Rogério Coelho

Anónimo disse...

Mano,

Entendi e foste bastante claro.Espero que não me tirem o direito a ser costeleta.

Continuarei amigo e visitante, na qualidade de não colaborador.

Sem mágoas nem azedumes. A vida é isto.

E outras coisas mais.

Que o blogue continue.

João Brito Sousa

Anónimo disse...

Mau...mau...

Já o rego não vai direito!!!!
e não estou a entender nada desta lavoura.
Então uma pessoa chateia-se porque não gosta que outros não apreciem????
e
Democracia!
e
Liberdade de expressão!

Então e será que temos que juntar à cadeia Fraternidade Vitalidade Solidariedade o elo Tolerância que penso estar já profundamente fundido e implícito, nos três que representam a nossa Associação?

Saudades

J.Elias Moreno