quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Caíque

FALANDO DE… OLHÃO

O CAÍQUE BOM SUCESSO

De Alfredo Mingau

Os primeiros gestos de revolta dos olhanenses contra a ocupação francesa verificaram-se uma semana depois de sufocada a insurreição Portuense. A situação dos franceses no Algarve, na altura da revolta olhanense, não era muito brilhante. Depois de várias batalhas contra os franceses, estes foram escorraçados de Faro e tentaram atacar Olhão que foi prontamente repelido obrigando os franceses a fugirem em debandada pelos campos e pilhando por onde passavam na sua fuga desordenada..
Da Capela do Santo Cristo de Moncarapacho, os franceses levaram, pelo menos e pelo que se sabe, 2 riquíssimas lâmpadas de prata cinzelada, 1 cálice de, ouro lavrado. com patena cravejada de pedras finas, e 2 castiçais tríplices, em prata e de grandes proporções, que ladeavam o altar. Mas, a Igreja Paroquíal de Nossa Senhora do Rosário de 0lhão também eles roubaram: segundo consta do «Livro de alfaias e móveis da Igreja (1803)», da Junta da Freguesia. roubaram pelo menos 2 cruzes de prata e 1 lâmpada, também de prata, que se encontravam no altar-mor.
O caíque Bom Sucesso era propriedade do capitão olhanense Miguel do Ó e não do mestre Manuel Martins Garrocho, como Ataíde de Oliveira afirmou num dos seus trabalhos e, seguindo-o, muitos outros têm repetido e repetem ainda. Era um barco de apenas 15 a 20 metros de comprimento, por 3 ou 4 de largura, e cerca de 2.000 arrobas (ou sejam 30 toneladas) de arqueação, de proa levantada e popa baixa e rasa, aparelhado com dois bastardos triangulares - o de vante içado num mastro comprido, que pendia para a proa, e o da ré num mastro mais curto, caído um pouco para a popa - e dispondo de uma coberta corrida de vante à ré, com três escotilhas, uma das quais para serventia dos tripulantes.
Efectivamente, contra os franceses Invasores de Portugal outras terras igualmente se levantaram, Pouco mais ou menos na mesma altura e algumas com igual êxito; de tal forma que, dos historiadores portugueses que se ocuparam com mais pormenores da expulsão dos franceses, poucos são os que citam expressamente a revolta do povo olhanense, e os que o fazem limitam-se a mencionar Olhão como mais uma das terras que se revoltaram por essa altura, sem lhe apon­tarem qualquer notoriedade especial e menos ainda dando·lhe qualquer primazia. Sem a viagem do Bom Sucesso ao Brasil, antecipando-se a qualquer outra comunicação dos acontecimentos à Côrte, é bem possível que tal primazia nunca viesse a ser conhecida do Príncipe Regente. Além disso, não há dúvida de que o feito dos bravos olhanenses do Bom Sucesso, esse sim, foi único, foi sem paralelo na gesta nacional da expulsão dos franceses, e mesmo na epopeia do Povo Português.
Quenga é um brasileirismo nordestino que significa: vasilha feita com metade da casca de um coco. Portanto vasilha muito pequena. A acepção em que os nordestinos a empregaram, para designar o barco em que os pescadores olhanenses foram ao Brasil, é o mesmo em que nós, em Portugal, empregamos por vezes a expressão casca de noz. É como se eles dissessem: os pescadores portugueses que vieram ao Brasil numa casca de noz.
Os heróis desta viagem, iniciada na Ria Formosa no dia 6 de Julho de 1808, levando para a Corte uma carta em que o Governo de Faro, participava a expulsão dos franceses, juntamente com outros documentos, foram:
Manuel de Oliveira Nobre (piloto), Manuel Martins Garrocho (Mestre), António da Cruz Charrão, António Pereira Gémeo, Domingos do Ó Borrego, João Domingos Lopes, José da Cruz, José Pires, Joaquim Ribeiro, António dos Santos Palma, Domingos de Souza, Francisco Lourenço, João do Moinho, José da Cruz Charrão,, Joaquim do Ó, Manuel de Oliveira e Pedro Ninil.
O Caíque Bom Sucesso aportou ao Funchal oito dias depois; no dia 16 seguiram viagem para o Brasil com mais um acompanhante, o jovem praticante de piloto Francisco Domingos Machado.
No dia 22 de Setembro chegaram ao Rio de Janeiro onde foram recebidos apoteoticamente.
E, para galardoar este feito do povo de Olhão e a sua heróica e decisiva insurreição e expulsão dos invasores fraceses de Junot, o Príncipe Regente assinou, no dia 15 de Novembro de 1808, no seu palácio do Rio de Janeiro, um Alvará concedendo ao “logar de Olhão no Reino do Algarve”, não só o título de “Vila de Olhão da Restauração”, mas todos os privilégios que já gosavam “as Vilas mais notáveis do “Reino de Portugal”, e permitir que os habitantes da nova Vila “usem de uma medalha, na qual esteja gravada a letra “O” com a legenda Viva a Restauração e o Príncipe Regente Nosso Senhor”
O jubilo foi tão grande qu D. João VI, logo cobriu de mercês os heróicos tripulantes do pequeno caíque, além de pagar este por 8.000 cruzados e lhes oferecer um iate novo, em que depois regressaram a Portugal. A frágil embarcação em que os ousados navegantes haviam feito a longa e perigosa travessia de Atlântico foi oficialmente ”mandada conservar, ad perpectuam memoriam, no Arsenal da Marinha” no Rio de Janeiro, onde realmente “esteve durante muitos anos exposto à admiração de nacionais e estrangeiros”
Olhão foi “Sitio”, foi “logar”, foi “povoado”, foi “Aldeia”, foi “Vila” e é a Cidade de Olhão da Restauração.

NOTA:- Uma réplica deste barco encontra-se em exposição na Marina de Olhão, junto ao Mercado Municipal.

Bibliografia consultada
– “História Breve da Vila de Olhão da Restauração” de Antero Nobre.

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