quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

UMA IDEIA PERIGOSA: A DEMOCRACIA PODE ESTAR A CAMINHO DE DESAPARECER

Haim Harari *


A democracia pode estar a caminho de desaparecer. Os historiadores do futuro podem vir a determinar que a democracia terá sido um episódio de apenas um século. Desaparecerá. Esta é uma ideia (ou, talvez melhor, um prognóstico) triste, verdadeiramente perigosa, mas muito realista.
O desaparecimento de determinados tipos de fronteiras entre países, o comércio internacional, as fusões de economias, o fluxo de informação instantâneo e global, e vários outros aspectos da nossa sociedade moderna, todos conduzem a estruturas multinacionais. Se extrapolarmos esta tendência irreversível, temos o planeta inteiro a tornar-se uma unidade política. Porém, nesta unidade, as forças antidemocráticas são uma nítida maioria. Esta maioria aumenta todos os dias, devido a padrões demográficos. Todas as nações democráticas apresentam um crescimento populacional lento, desprezível ou negativo, enquanto todas as sociedades antidemocráticas e incultas se multiplicam depressa. Dentro dos países democráticos , as famílias com melhores níveis de educação permanecem pequenas, enquanto as famílias com menos educação crescem. Isto significa que, tanto a nível individual como nacional, quanto mais pessoas alguém representa, menos poder económico detém.
Numa economia baseada no conhecimento, em que o número de mãos aptas para o trabalho é menos importante, esta situação é muito menos democrática do que na era industrial. Enquanto a mobilidade ascendente de indivíduos e nações conseguia neutralizar o fenómeno, a democracia era sustentável. Mas quando aplicamos esta análise ao planeta inteiro, ao modo como está agora a evoluir, percebemos que a democracia pode estar condenada.
A esta ideia devemos acrescentar o lamentável facto de as empresas multinacionais autoritárias serem em geral mais bem geridas do que as nações democráticas. As prédicas religiosas, os sound bites televisivos, o incitamento a ultrapassar limites que é feito na televisão e a liberdade de espalhar boatos e mentiras através da internet incitam ás lavagens cerebrais e à ausência de pensamento racional. Proporcionalmente, mais mulheres jovens estão a crescer em sociedades que as discriminam negativamente do em sociedades igualitárias, aumentando a percentagem mundial de mulheres que são tratadas como cidadãos de segunda classe. Na maior parte dos países avançados, os sistemas educativos atravessam uma profunda crise, enquanto em muitos países em vias de desenvolvimento a educação moderna é quase inexistente. Uma pequena elite tecnológica, com boa educação, está a tornar-se detentora da propriedade intelectual, que é, de longe, o bem económico mais valioso, enquanto o resto do mundo desliza em direcção a um outro género de fanatismo. Em resumo, a conclusão inevitável é que a democracia, o menos mau dos nossos sistemas de governo, está a caminho da saída.
Conseguiremos inventar um sistema melhor? Talvez. Mas isso não acontecerá se estivermos proibidos de proferir a frase: «Talvez exista um sistema político que seja melhor do que a democracia.» Hoje em dia, o politicamente correcto não nos permite dizer tal coisa. O resultado desta proibição será o inevitável regresso a um qualquer tipo de governo totalitário – diferente do dos imperadores, colonialistas ou latifundiários do passado, mas não mais justo. Em alternativa, considerar esta questão, aberta e honestamente, pode conduzir a uma revolução mundial na educação das massas dos pobres, salvando assim a democracia, ou à busca cuidadosa de um sistema justo (repito, justo) e melhor.

*Haim Harari é físico teórico e antigo presidente do Instituto Weizmann de Ciência

Enviado por Ferreira Borges





1 comentário:

Anónimo disse...

Haim Harari tem aqui uma reflexão descomplexada e sem medo de chamar os bois pelos nomes. Concordo inteiramente. Em tempos num debate de ideias com Brito de Sousa no seu blog Braços ao Alto eu defendia que não na nossa vida mas num futuro não muito distante a solução seria o desaparecimento da democracia tal como a conhecemos mas, uma outra forma de governo globalisada, com mais concertação sobre as necessidades generalisadas.
A certo ponto aqui do texto o autor afirma que muitas multinacionais são melhor governadas que os países. Eu acrescentaria que são todas mas tomo só um exemplo, vejamos o caso da General Motors,um conglumerado de emprezas nos mais variados ramos da economia desde o automovel à comunicação social (NBC) passando pelo sector bancário (GMfinance), aviação ( quem ao viajar de avião não notou o logo GE nos reactores)com milhões de trabalhadores e um sistema social interno de fazer inveja a qualquer estado. Em 2008 não deixou de sofrer o embate da crise económica, recorreu ao sistema federal de ajuda mas, apressou-se a pagar para não ter sobre ela a mão invisivel do estado a impôr-lhe as suas regras.
São senhores dum PIB superior à França. Isto dá assunto para reflexão. Será que os nossos netos não vão escolher uma outra forma de governo?
Mais um dado. 10% da GM é detido pela francesa Renault. Porque será?
Parabens ao Ferreira borges e ao Rogério pela publicação do texto que considero excelente.
Abraço

Diogo