domingo, 26 de junho de 2011

O CRUZAMENTO DA VIÚVA



Este cruzamento situava-se mais ou menos a meio caminho, entre Montepuez e Porto Amélia, (hoje Pemba) no local em que existia a derivação da estrada que ia para Nampula, o distrito era o de Cabo Delgado, em Moçambique.
Apesar da senhora que lhe dera o nome já não ser viúva, uma vez que casara de novo o nome
manteve-se. Era paragem obrigatória da tropa que por lá passava, pela simpatia das pessoas para com os militares e por que sempre havia, ou uma cervejinha ou um petisco.
Decorria o ano de 1963 e apesar dos cuidados, das preocupações e de uma actividade psico social intensa, nada havia de mais grave.
Um dos problemas que era inevitável enfrentar eram as chuvas e as suas consequências, uma vez que o matope (lama) impedia a utilização da estrada e como é obvio a passagem de duas coisas vitais para os soldados, o abastecimento de víveres e o “machibombo” com o correio da família, da(s) namorada(s) e das inúmeras madrinhas de guerra.
A Manutenção Militar estava sediada em Porto Amélia a 220 Km de Montepuez, onde estava instalada a Companhia de Sapadores 315 da qual eu fazia parte. Numa bela manhã de África sai uma coluna comandada pelo alferes Jardim Fernandes, composta por 2 GMC, 1 Unimog e l Jeep onde seguia o alferes e o seu condutor, nas outras viaturas seguiam vários militares cujo número a memória, ou a falta dela, já não me deixa precisar. O objectivo era carregar mantimentos para que fosse efectuado o reabastecimento das tropas.
A viagem decorreu na maior normalidade e o regresso estava a decorrer também sem incidentes. O famoso cruzamento da viúva foi como era costume o local escolhido para a paragem na hora em que o calor mais apertava. Tudo normal até que se ouve um tiro, todos correm para as armas, mas o silêncio voltou.
Um minuto depois chega o marido da viúva com uma arma na mão (era caçador profissional), que diz:- Que coisa estranha, matei um leão aqui a 150 metros de casa, não é normal estes animais andarem aqui tão perto, só se estão com muita fome.
- Mas onde? Perguntou o alferes.
- Vocês vão para Montepuez, não é? Está morto naquele bocado de capim alto, na estrada por onde vão!
Hora do recomeço da viagem, toda a gente ocupa os lugares destinados e a coluna retoma o caminho. Mas “a curiosidade matou o gato” e a ordem para nova paragem no local indicado pelo “marido da viúva” é dada e cumprida.
O primeiro a descer da viatura é o alferes, seguido do condutor, e ainda os outros não tinham esboçado o gesto para sair das viaturas, já um enorme leão estava abraçado ao oficial.
O sangue frio e acredito que também a sorte, levaram a que o alferes colocasse na boca do leão a mão esquerda, e (aqui esteve a sorte) o cano da pistola metralhadora que levava ao ombro, ficasse apontado debaixo da queixada da fera, depois sim, o sangue frio, fez uma rajada com a arma, que essa finalmente, matou o leão.
Na breve luta com a fera esta rasgou-lhe a carne toda do peito, ficando com as costelas à mostra, e a mão esquerda desfeita pelas mandíbulas do simpático animal. Simpático porque poderia ter sido bem pior.
No meio da confusão foi decidido a coluna continuar para Montepuez e o Jeep regressar a Porto Amélia onde havia um hospital melhor e posteriormente encaminhado a Lourenço Marques, depois ainda a Lisboa.
Fui relembrar esta história porque estive há poucos dias na Madeira, para um excelente almoço convívio a convite do meu amigo, António Maria Jardim Fernandes, industrial de hotelaria, proprietário de vários hotéis na Madeira e no Brasil, protagonista de todo este episódio.

Não fico surpreendido se alguém duvidar desta história real, houve familiares de militares, que só acreditaram nestes factos quando ouviram de viva voz o relato feito pelo próprio. O que se repetiu no almoço a pedido claro, deixando os mais novos boquiabertos e os mais velhos saudosos apesar das dificuldades passadas. JÁ LÁ VÃO QUASE 50 ANOS.

Um abraço
António Viegas Palmeiro

2 comentários:

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Meu caro Palmeiro
Lembranças da chamada "guerra colonial". Eu também estive na Guiné, já lá vão 47 anos. E também tenho recordações mas que o "acaso" não resultaram em danos pessoais.
Um abraço
Rogério Coelho

Unknown disse...

Aqui no encontro sapadores 315 na Marinha Grande ligamos a net e com muita sorte vimos esta história .18 de Maio 2013 um forte abraço.
Dos camaradas da companhia sapadores 315.