quinta-feira, 14 de julho de 2011

CRONICA DE TEMPOS IDOS
Montinho

“Reza-te a Sina”, cantava a grande fadista Hermínia.

Não há sina, vou começar assim:

AUTO DA GINJINHA

“Reza-te a lenda”, que numa longínqua semana, vários cavaleiros da “Ordem do Garfo e Faca”se sentaram á mesa, para um frugal repasto. Gratos pelo cair da noite na feira da ladra, o ar quente tornou-se suportável. Longas foram as conversas dos nobres cavaleiros, onde um porco preto bravo assado no espeto e acompanhado com castanhas deliciava os convivas.

Correu célere o delicioso vinho tinto da região demarcada do Alentejo, servido em canecas de barro, escorrendo pelas gargantas sempre secas dos convivas. Serenos e alegres, com vivas a El-Rei D. Afonso III, pela tomada do castelo de Faro aos mouros, deliciaram-se e alegraram-se na noite com mais umas pataniscas de bacalhau. Terminada a farta refeição, logo os cavaleiros partiram em demanda. Buscavam no meio da multidão, algum artigo por entre as tendas dos artífices que pudessem levar para os seus solares.

Mas eis que esta pequena aventura, rapidamente se tornou numa epopeia digna de ser cantada por todas as series de jograis por este reino fora. Os quatro cavaleiros mais bravos deparam-se inesperadamente numa tenda com um precioso tesouro escondido para maravilhar os seus olhos e gargantas. Tratava-se de um néctar, uma ambrósia divina servida em pequenos copos esculpidos em madeira chamada Ginjinha.

Tratava-se da saborosa Ginjinha fabricada em Óbidos, com um maravilhoso paladar a canela, como que irresistível ao palato mais exigente. E com elas! Depois as lendas começam a divergir. Conta-se que dois cavaleiros se entusiasmaram tanto que montaram, a linda burra Manuela, com a qual o almocreve Eduardo fazia o transporte da ginjinha e ia a Évora buscar o belo vinho alentejano e transportava em odres de coiro. Conta-se também que os escudeiros graciosamente ajudaram a que a deliciosa ginjinha começasse lentamente a desaparecer dos odres. E que os mesmos cavaleiros ao se verem confrontados por uma câmara de reportagem e ao saberem que se tratava da TV? se recusaram determinantemente a serem entrevistados por tão medíocre meio de informação, não fosse o diabo tece-las pelos grandes senhores da Corte, agastados com as reportagens mal intencionadas feitas por uma provocadora Moura de alta linhagem daquela estação.

Longa foi a noite e ainda amanhecia, quando exaustos, os cavaleiros prometeram não esquecer aqueles momentos medievais, o bom vinho alentejano, as pataniscas de bacalhau e a maravilhosa ginjinha de Óbidos.

Aldrabice actual do Ano da graça de 1249 (ano da tomada do Castelo de Faro)

Reportagem gravada/escrita pelo escriba Montinho - que vai de férias para Faro

(Qualquer semelhança com pessoas e coisas da actualidade é mera coincidência)


6 comentários:

Jose Elias Moreno disse...

Welcome Mr Montinho;

Gostei da crónica tanto pelo estilo medieval, que sempre me seduziu , como pelo banquete e digestivo que me fez salivar e criar ainda mais apetite para estas sardinhas assadas, cujo cheirinho já me estão a fazer acelerar, este meu modesto e descolorido comentário.
Desejo-te umas férias descontraídas e repousantes, e se passares por Quarteira dá de vaia,porque tenho aqui um elixir da longa vida, de trás da orelha e de bater aos pontos a Ginginha d'Obidos.De minha lavra, proveniente de figos biológicos e produzido segundo receita conventual e secreta.
Katespero.
Abraço
JEM

António Palmeiro disse...

Parabéns Montinho, gostei muito da crónica mas tenho que apontar "duas grandes injustiças".
A saber:
Porque os odres só transportavam vinho de Évora? E o de Portalegre?
E o da Vidigueira? e o de "Conqueiros" que regou o meu almoço?
Segunda injustiça:
Porquê só a ginjinha de Óbidos? e a espinheira em pleno Largo de São Domingos, juntinho ao Rossio?
Desculpa a brincadeira. Gostei mesmo da crónica.
Um abraço
Palmeiro

Anónimo disse...

Meu caro Palmeiro
A crónica está resumida.
A ginjinha da feira da ladra era, na altura, uma delegação do bar "A Ginjinha" do Largo de S. Domingos, onde se bebe ou bebia-se a melhor ginjinha de Portugal. É um bar de passagem obrigatório.
Quanto ao vinho alentejano, o almocreve Eduardo tinha um acordo com o produtor de Évora.
Ficou explicadinho?
Um abraço
Montinho

romualdo.cavaco@sapo.pt disse...

Ginginha?? - Então e o Eduardinho? Quem se lembra dele?
Ficava, há 50 anos, na rua com 1,80 de largura que liga a R.Portas de St.Antão ao largo D.João da Cãmara (S.E.O.) ou seja nas trazeiras do Teatro D.Maria I
A Praça da Figueira tinha uma taberna de vão de escada que vendia um anisado a que chamavamos de "Évora".
Se estiver errado agradeço a correcção.

Jose Elias Moreno disse...

Oi Romualdo!
Tudo Bem?

Já lá vão três, e todos saudosos de "buidas" de Lisboa e arredores.
Estás certo, pois esse ponto de encontro de Eduardinho ainda lá está.Eu costumava ir comprar um pastel de nata à Pastelaria Castanheira ali ao pé, que acompanhava com um Eduardinho.
Só falta alguem que se lembre do Pirata, aquela espécie de pirolito com essência de qualquer coisa, que é fresco e faz borbulhas.
Então e do Medronho ninguém fala?.

Anónimo disse...

Olá Romualdo
A história do licor O Pescador tem sido um pouco mal contada: teria sido uma criação de Marcos Carvalho, em meados do século passado, quando era proprietário do estabelecimento O Nosso Café, no Largo da Marinha. Mas não é bem assim. Marcos Carvalho criou, sim, a marca “O Pescador”, mas não o licor. Este não é senão um licor muito vulgarizado em Portugal, e que teve grande notoriedade com o nome de “Eduardino”, a conhecida casa lisboeta da rua do Coliseu, Portas de Santo Antão, nº 7, em frente ao restaurante “Comeebebe”, onde eu costumava comer um bom bife com ovo a cavalo. O sucesso do Eduardino despoletou uma série de cópias, com nomes tão sugestivos como Reizinho, Mulatinha, etc., e O Pescador foi mais uma dessas criações duma marca que não destronou a “Ginjinha” que ainda hoje é apreciada no bar “A Ginjinha”(1840) no Largo de S. Domingos e frente à Igreja de S. Domingos a poucos metros da tasca o Eduardino. E conta-se que os cavaleiros paravam à porta da tasca, e sem desmontarem, deliciavam-se com o eduardino e, em seguida, iam parar à porta da Ginjinha. (segundo ouvi o eduardino é confeccionado com vinho, aniz, canela, baunilha, aguardente e açúcar não amarelo – o segredo está nas quantiddes).
Nesta minha crónica apenas repararam na ginjinha e no vinho alentejano. Tudo isso é “fogo de vista” e é necessário ir ao miolo e ler nas entrelinhas. Quanto ao eduardino não convém fazer misturas.
Um abraço
Montinho