segunda-feira, 11 de julho de 2011

DEPOIS DE 3 COPOS

Por Alfredo Mingau

Naquela noite não me apetecia sair. O ar estava quente. Os canais da televisão apenas emitiam telenovelas. Desliguei e liguei o rádio com o som baixo. A música era agradável. Peguei num copo e na garrafa de whisky, agarrei numa tigela e coloquei pedras de gelo. Sentei-me no sofá e deitei o líquido no copo juntamente com as pedras de gelo. E, enquanto me deliciava com a música, aguardei que refrescasse e emborquei de um só trago. Fresquinho, soube-me bem. Tornei a repetir a dose e, quando me preparava para me deliciar com este segundo a campainha da porta tocou.
Contrafeito levantei o assento do sofá e abri a porta. Uma rapariga estava na minha frente com uma taça na mão e falou:
- Sou a vizinha do andar de cima. E mostrando-me a taça acrescentou “venho pedir-lhe algumas pedras de gelo”.
- Faça favor de entrar.
Peguei na taça, dirigi-me ao frigorífico e, do cuvete, retirei algumas pedras de gelo  que coloquei na taça. Voltei-me e reparei que a rapariga estava sentada no sofá. Coloquei a taça em cima da mesinha e sentei-me. Olhei para ela, peguei no copo, bebi um trago e perguntei:
-Queres uma bebida?
- Se não se importa bebo do mesmo, com pedras de gelo.
Preparei a bebida e entreguei-lhe. Bebeu tudo e pediu outro. Fiz-lhe a vontade.
- Como te chamas?
- O meu nome é Teresa
- O meu é…
- Eu sei, chama-se Alfredo.   
- Já tiveste 17 anos? Perguntei, enquanto tornava a encher os copos. 
- Já.                                                                                                                   
- Idade difícil, não?
- Ah… Já vi pior, 17 anos foi o máximo que eu vivi.
- Sério? Então ainda tens muito que aprender. 
- Talvez. Mas creio que sei o suficiente para a minha idade.  
- Tolices… tu como todas as crianças da tua idade sabem sempre o suficiente! Daí ocorrerem sempre os mesmos erros. Ou vais-me dizer que nunca erraste?  
- Hum… Já errei… Mas não ultimamente.  
- Queres dizer que com 17 anos não se cometem erros?  
- Quero dizer que com 17 anos não cometi muitos. 
- Como queiras. Esta conversa não é produtiva. Levantei-me, “ainda és criança e não sabes o que dizes. Adeus, então. Quando precisares de alguma coisa bate à porta”.
Levantou-se do sofá, pegou na chávena com o gelo já derretido, dirigiu-se para a porta, voltou-se e exclamou:
- Obrigado pelos copos! Agora já não preciso do gelo.
E saiu, batendo com a porta.
Sentei-me, enchi o quinto copo, mais umas pedras de gelo e enquanto bebia ouvindo a música, quedei-me pensativo nesta juventude: “neo-juventude”!

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Pé de página: Podes fazer o teu "cheque-mate" João (também aceito de todos)
AM

4 comentários:

Anónimo disse...

VIVA.

Este, é um texto actual. Está bem construído. Mas quem escreve um texto como este, sólido, também escreve um outro texto, com outra direcção.

Quero dizer; este texto não educa e o escritor não deve ir por aqui.

O meu argumento baseia-se naquilo que disse Vergílio Ferreira: escritor é aquele que torna os leitores melhores pessoas ( é a melhor definição de escritor que conheço).

Aqui torna pior.

Bem, mas apesar disso, também há espaço ( e deve haver )para estes conteúdos como o apresentado no texto.

Recordo-me dum tipo que escreveu sobre as bebedeiras nos bares de Dublin, que aparentemente também não forma nem torna melhor as pessoas e daquele inglês que, na vida fez tudo ao contrário e aguentou-se até aos 65 anos.

Num comentário a um texto meu, o Zé Elias mostrou-se pouco a favor de Saramago mas o Baptista Bastos disse que Saramago foi grande.

Isto, para dizer que não há padrões oficiais de análise,haverá opiniões, e assim não se pode criticar este texto do AM porque ele próprio (texto) já é uma crítica social.

Quando eu disse, lá em cima,que o texto torna as pessoas piores, pode não ser bem assim.

Muitas vezes um livro avalia-se pelo nº de exemplares que vende. E uma crónica como esta avalia-se pelo nº de comentários que tem.

O AM já disse que os espera.

Em apreciação final direi:bom texto, mas eu não o escreveria,

por não saber fazê-lo.

Ab.
JBS

Anónimo disse...

Resposta ao comentário de J.Brito de Sousa,

O que se pode dizer de DOSTOIEVSKI de sua obra, de sua personalidade, que ainda não foi dito e publicado???
Enquanto nós, no alto de nossa inferioridade celestial lamentamos profundamente a aposentadoria de um "gênio do futebol", enquanto muitos morrem bravamente em uma sangrenta luta por uma suposta-hipócrita-falsa democracia plena, liberdade plena, enquanto o carnaval já se foi, enfim enquanto o mundo arde por justiça, liberdade e fraternidade, eu aqui neste humilde canto, prefiro lamentar a morte de uma divindade humana, e enaltecer o nascimento de um génio da literatura universal, sim pode-se perfeitamente qualificar Dostoievski um ser acima da media, um ser que provavelmente - como ele - não veremos novamente. Portanto é justo, é justíssimo homenagear neste ano de 2011 os 130 anos da morte do nobre russo, assim como os 190 anos de seu nascimento
Dostoievski provou que para ser humano no sentido literal, temos que abdicar da mascara, temos que abdicar às vezes de coisas supostamente inseparáveis, como por exemplo de nosso egocentrismo, de nosso orgulho pueril. A escrita do russo, reúne o santo, o ateu, O BÊBADO e o equilibrista cada um ao seu modo, nos ensina que o que precisamos mesmo é de tolerância. Tolerância com nossa própria personalidade. E é aqui que eu queria chegar, O BÊBADO depois deste pequeno preâmbulo biográfico. Na minha pequena crónica “Depois de 3 copos” não me refiro ao Alfredo e à Teresa bêbados, mas a uma comunhão de duas personalidades que se conheceram por mero acaso de vizinhança, bebendo uns copinhos em amena companhia de conversação com musica de fundo e com a ombridade de Alfredo em terminar na melhor altura essa companhia com uma garota de 17 anos convidando-a delicadamente a sair. Quem sou eu para querer imitar o escritor russo? Nem a Saramago se pode apontar qualquer semelhança com o melhor escritor de todos os tempos.
Meu caro João eu sou o Mingau… agradeço o teu comentário que me deu grande satisfação. Não sou escritor e aceito a critica feita pelo bom escritor que és.
Mingau

Anónimo disse...

Ao AM

Muito obrigado pela elegância do teu comentário.

Acho que por aqui, este espaço costeleta ganha a admiração dos seus leitores.

E convida-os a participar. O que foi sempre o meu combate. Venham todos e seremos mais fortes.

É muito interessante esta troca de ideias e gostei francamente de ler o teu comentário,

que traz,

amizade (palavra que senti isso)
autenticidade
bons conhecimentos

e também um abraço (desculpa mas percebi isso... )

Quanto ao Fiador ... muito bem . Vamos falar dele noutra altura, que é grande de mais, se não for o maior.

Sabes, levaste-me a escrever um texto que envei ao mano, para publicação.

Depois dá uma apitadela.

Deixo um abraço apertado.

JBS

Jose Elias Moreno disse...

Boa Noite:
Acabo de regressar do meu passeio higiénico no calçadão, e antes da deita aqui estou, como diante do oratório, para prestar contas e aliviar-me dos meus pecados, antes de adormecer, porque não se sabe se cá estarei amanhã, para o fazer.
Não tenho porém que me penitenciar, sobre pecados que não cometi, porque bem vistas as coisas,não disse que Saramago era maior nem menor do que considera o BB.
Depois, aqui mesmo, nesta Amigável e Fraterna Tertúlia (o q eu considero ser o Blogue), no dia em que morreu,escrevi sobre o nosso Prémio Nobel o que pensava sobre a sua grandeza, atrevimento que me custou, em dia de perdão, ouvir verdades insufismáveis que atestam a sua menor estatura noutro campo.
Por aqui posso dormir descansado.
Não me quero pronunciar sobre os vários aspectos,pelos quais um intelectual poderá classificar, comparar ou apreciar a qualidade deste ou de outros textos literários, porque não é farinha do meu saco, mas gostei da atitude do anfitrião.
Também não poderei avançar muito mais, pois desconheço as razões porque ele também não avançou.
Ou seria por excesso de copos?
É a única dúvida com que assento a cabeça no travesseiro.
Um soninho descansado.
Boas noites.
J.E.M.