terça-feira, 9 de agosto de 2011


SEGREDOS DO ALGARVE
Lina Vedes

A partir de 1947 comecei a frequentar a escola primária da Sé de Faro, situada na parte velha da cidade, na rua Rasquinho.
Todas as tardes, de bata branca, obrigatoriedade escolar, saía de casa perto do Largo da Palmeira carregando a pasta com o lanche, a sebenta, o livro único de leitura, uma caixa de madeira com tampa deslizante onde guardava o lápis de escrever, borracha e caneta de aparo.
Num desses anos de escola primária, a professora D. Maria Pires e suas estagiárias, lançaram a turma na descoberta do Algarve.
Cada uma de nós, individualmente ou em grupo, teria de encontrar motivos para amar não só a nossa cidade, como todo o Algarve.
A proposta de trabalho, inovadora para a época, foi tão bem lançada que de imediato toda a turma vestiu a capa de detective/investigador e partiu à descoberta dos encantos secretos da província algarvia.
Com alguma orientação fomos colocando, aos poucos no devido lugar, as peças do puzzle Algarve.
Todos os trabalhos seriam “passados a limpo” para folhas de cartolina, com letra bem legível e desenhos bem executados e bem pintados.
Fariam parte do nosso “Jornal de parede”.
Nessa tarefa nada foi esquecido.
Descobrimos que desde Sagres a Vila Real de Santo António, desde a serra ao mar, o torrão algarvio era pitoresco e encantador, com os costumes puros da sua gente comunicativa, que fala cantando desconhecendo as asperezas da vida, abençoados pelas dádivas da Natureza.
Como pertença deste paraíso, chamado Algarve, constatámos possuir um clima ameno, um céu azul intenso rutilante de estrelas, um sol fonte de luz e calor, um solo matizado inebriante de aromas, um mar, caldo azul, a espreguiçar-se pelas finas areias douradas ou moldando com os seus embates rochedos da costa.
ALGARVE! Um paraíso!
Ao executar o nosso trabalho fomos tomando consciência que havíamos nascido num local de privilégios e que teríamos, por obrigação, de protegê-lo e engrandecê-lo.
Páginas da história algarvia foram abertas e lidas com entusiasmo, enchendo-nos de orgulho, no desejo de tirar o exemplo deixado pelos antepassados.
Bastou olhar, compreender e deixar-nos enlevar, para encontrarmos um verdadeiro tsunami de encantos, todos eles, bem explorados e bem condimentados pelo povo serrenho e marítimo.
Pelo caminho da nossa pesquisa, fomos registando a alvura do casario com chaminés rendilhadas, açoteias/mirantes verdadeiras eiras para a alfarroba, figo, amêndoa.
Junto à casa o forno, o estábulo, a pocilga, o galinheiro, assim como o tanque e a nora puxada por burros de olhos vendados.
Árvores frutíferas sussurram os seus encantos.
A alfarrobeira com os seus frutos pretos pendentes, a oliveira calosa e paciente, a figueira envergonhada com os ramos virados à terra, a laranjeira a embebedar-nos com o seu intenso aroma ou a espantar-nos com o seu festival de frutos…
Nas propriedades divididas por muros de pedra solta ainda proliferam sobreiros, romãzeiras, nespereiras, marmeleiros, e…amendoeiras… ora viúvas de folhas, ora formando um mar de flores a perder de vista…
Procurámos e encontrámos ao vivo, o algarvio típico, o montanheiro, com o chapéu de feltro preto, a caminho do mercado, num carro puxado por bestas levando os produtos agrícolas para venda.
A mulher ao lado com o xaile, a sombrinha, o lenço, tendo por cima o chapéu de abas largas, trabalhadora de sol a sol, em casa e no campo, virtuosa na confecção de esteiras, capachos, cabazes.
Por natureza comunicativos, alegres e faladores, organizam com alguma regularidade festas, e ao toque do harmónio não falta o corridinho bem pulado ou o “balho” mandado por um mandador.
Não esquecemos no nosso trabalho a costa algarvia, bem recortada, com praias esplêndidas incutindo no marítimo o espírito aventureiro.
O nosso Algarve foi retratado com tanto pormenor e eficácia, que cativou toda a Escola, e até todos os alunos estagiários do Magistério.
Nessa tarefa/prazer foi realçada a beleza da ria, a vida dos pescadores e dos mariscadores, assim como as industrias daí resultantes – conservas, extracção do sal, construção naval.

Passaram 50 anos!
Povos provenientes dos mais variados locais e culturas encantaram-se com o nosso Algarve e muitos instalaram-se na nossa região. Juntaram-se a nós, uma miscelânea de saberes…
Teremos esquecido os nossos conhecimentos populares, os nossos hábitos, os nossos usos, os nossos costumes?
NÃO!
Talvez um pouco à deriva, durante a explosão invasora, mas na actualidade o algarvio voltou a “agarrar” as raízes da sua cultura. Voltou a sentir orgulho na terra que o prende e encanta. Voltou a ter a faculdade de ouvir o choro triste, o lamento da moura encantada, penteando os longos cabelos com um pente de ouro cravejado de diamantes…
Todo o nosso torrão é farto, é terra que prende e encanta e nos leva a tecer um hino de louvor ao ar, ao mar, ao sol, às flores, à vida!
Abrimos os braços aos nossos visitantes, introduzindo-os no seio das nossas vidas e hoje, os que por cá ficaram, são pertença do nosso Algarve e donos dos nossos segredos…
E…somos abençoados, ao poder destapar, cheirar e apreciar uma boa cataplana, um prato de xarém, uma caldeirada fumegante e uma sardinhada, comida num naco de pão…
Adoçando, ainda mais, o encanto das nossas vidas, podemos desembrulhar o d. rodrigo e saborear bolos de figo, de amêndoa moldados e saborosos.
Como remate, um cálice de medronho vindo directamente da serra algarvia…
O PARAÍSO está completo!!!!!!!!!!!!!!!

Lina Vedes – 29 – 07 - 2011

11 comentários:

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Uma bela prosa.
Uma bela recordação do nosso Algarve com 50 anos passados.
O nosso obrigado Costeleta, minha querida amiga Lina Vedes.
Disponha!
Rogério Coelho

AGabadinho disse...

O talento da Dona Lina Vedes dá nisto: Crónicas Maravilhosas!
Gostei.Obrigado.

AGabadinho

Anónimo disse...

LINA,

Viva.

O seu estilo é inconfundível e vc sente-se bem dentro dele, dommina-o.

Eu é que fico um pouco limitado ao lê-lo, porque gosto, mas, simultâneamente quero mais, ou seja, queria que emprestasse o seu talento a outros textos mais... mais...

O Zé Pudim Paixão deixou de escrever as suas crónicaas sobre a ida aos bailes dos Gorjões onde é bom . Porquê ?

Exijo-lhe qe dê aqui um palpite sobre o texto da Lina

Que eu qpreciei.

Ab
JBS

Anónimo disse...

Bela prosa, esta sim vale a pena ler, dá gosto!!!!!!!!
Não sou algarvia, mas gosto do Algarve e esta prosa revela um retrato maravilhoso.Bem haja!!
Leitora assídua

Anónimo disse...

Gostei imenso de ler esta crónica, é um retrato fiel do Algarve de hoje e de ontem.Bem haja por estes momentos de boa prosa.Assim vale a pena. Li-o 2 vezes, encantada!
Leitora assídua

Anónimo disse...

O COMENTÁRIO ANTERIOR

É uma provocação, por

- anónimo
- Leitora assídua que nunca vi
- Assim vale a pena
- leu das vezes e ficou encantada.

Há ciumeira aqui.

Èticamente incorrecto.

Assim não vale a pena.

JBS

Anónimo disse...

Discordo deste último comentário.
O comentário da "leitora assídua" não contém ofensas a ninguém.
É um comentário sério sobre um texto de recordações que nos alegram a alma. Os altos dirigentes deste blog, pelo que me recorde, autorizam que, anónimos ou não, comentem sem ofender e se publique.
Deploro o comentério de JBS e peço à escritora Lina Vedes que nos traga mais recordações.
Leitor assíduo

Anónimo disse...

LEITORES ASSÍDUOS, uma nova patente.

Depois da leitora assídua vem o leitor assíduo, um em auxílio do outro.

Nítidamente.

Todo este comportamento dos leitores assíduos, não me incomoda nada, mas vem ferir, NA MINHA OPINIÃO, a dignidade da palavra costeleta/aluno da Escola.

São comentários que ostentam arrogância injustificada.

Não foi isso que nos ensinou o professor Américo.

Tenham calma.

E sejam dignos de ter sido alunos da Escola. Peço-vos isto.

Com amizade.

Ab.

JBS

Anónimo disse...

Direito de resposta a JBS (?)
Dignidade é saber apreciar,neste caso pela "leitora assídua", que não conheço, o que um escritor escreveu.
Arrogancia é o seu comentário/resposta sem nexo quando deveria ter fechado o fecho eclaire. Américo, como professor que não conheci, não teria ensinado os seus alunos a serem mal educados.
E PONTO FINAL.
LA (leitor assíduo)

Anónimo disse...

Lina Vedes
As minhas desculpas por não ter comentado directamente este seu belo Texto. Recordar é viver e este texto cumpre o seu objectivo.
O que faz um autor ou um artista perante um sem número de pessoas que aplaudem e aclamam? Irá exigir que se identifiquem?.
Escreva mais e conte com o meu comentário e o meu aplauso
Um abraço
Leitor assíduo

Anónimo disse...

Bom dia a todos.
Sem excepcao alguma.

Ora aqui esta um caso em que um belo texto, e comentado incondicionalmente por gregos e por troianos.
Parabens a Lina, que conheco de quando o Largo da Palmeira ainda o era, e a dita que lhe dava o nome ainda nao tinha sido comida pelo escaravelho.
Quanto a guerrinha de alecrim e magerona a volta do direito a identificacao do comentador, parece me um desperdicio de energias que )por mim falo)nos vao faltando.
Entao nao estamos ja todos identificados
JBS«Joao Brito de Sousa
LA»leitor anonimo
JEM»Jose Elias Moreno
Anonimo»anonimo
Roger » Rogerio Coelho c os meus respeitosos cumprimentos e votos de muita paciencia para nos aturar.

Desculpem, mas estou a escrever num teclado para arabes, e nao sei como consegui chegar aqui, nem se me fiz entender.

Com apreco

JEM
jose elias moreno

Dakar 14.Agosto.2011


















JEM