quarta-feira, 12 de agosto de 2020

CRÓNIC DE FARO - JOÕ LEAL

 

  1.  DOIS PRIMOS, VALÉRIO E BICA, GRANDES ACORDEONISTAS 

  2. DE ESTOI

             Sempre a típica vila de Estoi, foi tal como outras localidades algarvias (Bordeira, Santa Bárbara de Nexe, Luz de Tavira, Lagos, Areeiro, Faro e tantas mais) terra de famosos e aplaudidos acordeonistas. Foi, entre ou-tros, os casos dos primos carnais Valério Quintas Rodrigues e o Professor António da Cruz Bica, que brilharam nas décadas de cinquenta e sessenta do século ido. 

                De ambos fui amigo, colega na Escola Tomás Cabreira e, no caso do Bica na Escola do Magistério Primário, confesso admirador, de modo próprio quando escutávamos as «Csárdias», música inspirada no folclore húngaro e da autoria do compositor italiano Vitorino Monti (1904).

                 Eram a grande alegria e cartaz da Tomás Cabreira, pela animação que conferiam às festas escolares, bailes e excursões, em que nunca se escusavam a actuar.

                  O Valério Quintas Rodrigues, após a conclusão do Curso Geral de Comércio, enveredou pela carreira das Finanças Públicas, onde atingiu o elevado grau de Técnico Superior. Tal como seu primo António fizeram parte de importantes grupos musicais, como a Orquestra Típica Algarvia, de tão saudosa memória, a Império, a «Night and Day», etc. O Valério faleceu em Setembro de 2010, deixando uma profunda saudade. Teve um irmão mais novo, o Virgílio, também «costeleta».

                    O Professor António da Cruz Bica, o outro deste excelso par de acordeonistas e primos estoienses, comigo trabalhou como Mestre Escola em Faro (Escola de São Luís) e encontra-se aposentado do mister pedagógico, vivendo em Lagoa, cujo Município há anos o distinguiu com a «Medalha de Mérito Cultural», pelo notável trabalho realizado, como foi o caso do Orfeão. Viveu em Moçambique alguns anos antes da descolonização. Tem um irmão, também antigo aluno da Tomás Cabreira, o Orlando João, aposentado da Câmara Municipal de Faro, autor de vários livros sobre técnicas e tácticas do futebol.

                       Dois farenses, de invulgar estatura cívica e musical, que aqui nos apraz, com toda a justiça, recordar! 

João Leal


CRÓNICA DE FARO - JOÃO LEAL

      ASSIS ESPERANÇA, O REENCONTRO

Este tempo de pandemia levou-me com uma maior assiduidade ás estantes domésticas, procurando preencher os tempos impostos pelo confinamento. Delas nos saltaram o livro de novelas «Funambulos» (1ª edição, 1925, Livrarias Aillaud & Bertrand, Paris - Lisboa) da autoria de Assis Esperança, talvez o maior escritor farense contemporâneo. Dedicado a Ferreira de Castro, a quem chama de «o grande amigo», trata-se de uma obra de profundo realismo deste algarvio, que tanto amou a Terra Mãe e que igualmente escreveu: «A vertigem», «Viver», «Noite de Natal» (teatro), «Ressurgir», «O monturo», «O dilúvio» (Prémio da Associação dos Profissionais de Imprensa, 1938), «Gente de Bem», «Servidão», «Trinta dinheiros», «Pão Incerto» e «Fronteiras» (1972). Galardoado com o «Prémio Ricardo Malheiros», em 1946, foi jornalista de «Seara Nova», «O Diabo», «Vértice», «Renovação», «A Crítica (teatro) e profundo interventor na vida política e social, sendo membro do Pen Club e fundador da Sociedade Contemporânea de Autores e da Sociedade Portuguesa de Autores, ambas encerradas pelo Governo da Ditadura. 

  António Assis Esperança nasceu em Faro, ali no Jardim de São Pedro, onde se encontra o monumento em sua memória excelente, obra do escultor João Fragoso e tem o seu nome na toponímia da sua Terra Mãe e de Loulé, Aljezur, Moita e Matosinhos.

Tivemos o grato ensejo de conhecer pessoalmente este farense, mais do que a todos os títulos honra e orgulho de Faro e do Algarve, no café «A Brasileira do Chiado», ao meio de uma tarde de Abril ou Maio, no final dos anos sessenta. Impressionou-nos a sua figura, em simultâneo austera e afectiva, com uma lhaneza de tracto e de solidária fraternidade, que nos emocionou. Fomos apresentados por esse saudoso e grande amigo, dos maiores que na vida houvemos, o jornalista vila-realense José Barão, no compasso em que tomava o café antes do exercício profissional no extinto diário «O Século». Falámos de Faro e do Algarve, dos seus problemas e anseios, da vida dos seus conterrâneos, que era uma das suas grandes preocupações. 

Um encontro assinalado que re-acontece quando passo pelo largo onde nasceu Assis Esperança e que ora se houve nesta releitura de «Funâmbulos», de onde transcrevo:

«Na taberna vai um silêncio agoirento, pesado de ameaças, como em covil de bandoleiros. Aninhados à mesa, seis homens jogam em vigilância de malfeitores para divisão de pilhagens, a jurarem pela atenção, desforço imediato para qualquer insignificante artimanha: dobrados sobre si mesmos, mãos de dedos impacientes, torpor espicaçado por arquejos, inércia de olhos sanguinários a rebrilharem...»

João Leal


CRÓNICA DE FARO - JOÃO LEAL

 

A «RUA DAS FARMÁCIAS»

 

              A Rua Conselheiro Bivar, nos tempos idos conhecida por todos na capital sulina, como «Rua Direita», era-o também por «Rua das Farmácias» , em função do elevado número destes estabelecimentos que ali se encontravam sediados. Eram-no três (Almeida, Eusébio e Paula) e só tinha concorrência, em expressão numérica, com a junção, pela sua contiguidade das Ruas D. Francisco Gomes e de Santo António (Graça Mira, hoje um estabelecimento de material de escritório e análogos; Baptista, (onde está instalado o «Baixa Café), Montepio e Pereira Gago. Era uma curiosa artéria, hoje conhecida mais pela sua diversão nocturna, que deve o seu nome ao ilustre farense Luís Garcia de Bivar (Conselheiro de Estado e Presidente da Câmara dos Pares). O Palácio, ainda ali existente e que se estende por três ruas - Conselheiro Bivar e 1º de Maio (a «Rua do Peixe Frito») e Travessa dos Arcos (reproduzida na Exposição do Mundo Português, 1940), construído no século XVIII, é considerado «o melhor exemplar de arquitectura civil neoclássico do Algarve».

                  Mas voltando às boticas, que apresentavam as clássicas e identificativas decorações (móveis, balcões, estantes, potes e potinhos), ali situadas na Rua Conselheiro Bivar ou Rua Direita) atraiam numerosa clientela, de modo próprio, à noite ou nas «horas de serviço». A Farmácia Almeida, na confluência com a Rua de São Pedro, era propriedade, tal como as outras, do seu Director, o sr. Almeida, que sempre o conhecemos a residir na vizinha Rua Teófilo Braga. Mais tarde foi adquirida pelo sr. Bernardo de Passos, sobrinho do seu homónimo poeta sambrazense. A Farmácia Eusébio tinha como figura de referência o franciscano secular sr. Silva. Já a Farmácia Paula era do reverenciado sr. Paula, que era natural de Olhão e foi influente membro da Maçonaria e vereador da Câmara Municipal de Faro, enquanto um outro «Sr. Silva» a dirigiu antes de encerrar.

             Nesta Rua Conselheiro Bivar, da Carreira ou das Farmácias, existe para além do citado Palácio Bivar, outro imóvel de assinalada valia; o Palacete mandado construir no século XIX pelo Tenente João de Carvalho e onde esteve instalado, após o histórico desembarque em Cacela o Governo Liberal liderado pelo Duque da Terceira. 

                                 João Leal