terça-feira, 12 de outubro de 2021

POEMA DE MANUEL INOCENCIO

 

              NOVE ANIMAIS FALAM

 

Há muito juntaram-se à beira dum rio,

Numa floresta intensa, em noite de luar,

De um inverno tempestuoso e muito frio,

Nove magníficos animais para falar.

Acampados debaixo de árvores milenárias,

Algumas com mais de duzentos metros de altura.

Animais da mais diversa cultura.

Lá estava a abelha como a primeira,

O leão – rei corajoso e valente,

O burro, também célebre à sua maneira,

Rente ao chão a traiçoeira serpente.

 

O mocho num grande arbusto empoleirado.

Olhar arguto e penetrante, bicho inteligente,

Num ramo baixo o rouxinol com o seu trinado,

No chão uma lebre, que parecia estar doente,

Aos pulos o pisco-de peito-ruivo cantava,

Ele era o grande tenor da companhia,

Com grande reportório encantava.

Toda a assembleia, que deleitava o ouvia?

 

De cor castanha. Mais clara ou mais escura,

Lá estava também o nono animal,

Com mais de dois metros de envergadura,

De todos bem conhecido – era a águia real.

Já então todos apresentados estando,

Disse o mocho tomando a palavra:

Amigos é hora de irmos começando,

A falar do que combinado estava.

Eu, com isenção, o debate moderarei,

A abelha, poderá como primeira começar,

Também tirar a palavra a qualquer poderei,

Se ultrapassar as normas ao contestar.

 

Com voz doce e suava a abelha falou:

O homem é o mais célebre animal da criação,

Assim foi sempre desde que o mundo começou,

Inteligente, corajoso, forte como um leão.

Ouvindo isto, logo a lebre retorquiu;

Sim, o homem tem muita qualidade,

Todos o afirmam – e ninguém mentiu,

Sejamos justos – essa  a grande verdade!

É também um ser de muita liberdade,

E sobretudo, sabe muito bem falar.

 

É abnegado, corajoso, uso da caridade,

Para os mais sofredores ajudar.

Peço a palavra, disse o leão;

O homem também tem grandes defeitos;

Muitos são cobardes e usam de traição,

Tudo para atingir os seus efeitos,

Muitos são demagogos – enganam,

Com mentiras os seus semelhantes,

E, no final, disso mesmo se ufanam,

Negando agora o que afirmaram antes.

 

Alto aí diz agitando a cauda a serpente,

Há alguém que se considere perfeito?

Também eu agarro e até cravo o dente,

Nalgum desgraçado, que apanho a geito.

A isso chama-se há muito saber viver!

Pois os incautos têm fraca mente,

Que é que se lhes há-de fazer?

Enganá-los é o nosso grande dever!

 

Concordo com essa tese disse a águia-real,

Homens violentos, odiosos, guerreiros,

Eles não se importam de fazer o mal,

Têm valia – querem ser sempre os primeiros!

 

Então pisco disse a cantar,

Numa toada elevada, que convencia:

Do que oiço não estou nada a gostar,

Tudo muda, tudo é transitório, hoje em dia.

O homem é um artista, ele faz a lei,

Que governa os povos, para o bem,

Ele combate a doença, em defesa da grei,

A lei fica, um homem vai e outro vem,

Ele corre, ele viaja, ele pratica o sexo,

Ao fim e ao cabo, é como nós,

Também às vezes faz coisas sem nexo,

Tal como nós, tal como os nossos avós.

 

Ouvindo o seu camarada a trinar,

O rouxinol encheu-se brios e disse:

O homem é um bicho de recear,

Essa é uma verdade “à La Palisse”,

Ele investiga a galazia, o trovão,

Estuda a molécula, o ADN e o “quasar”,

Tudo isto é uma grande paixão,

Ele esfalfa-se a fazer isso sem parar.

 

O rouxinol tremeu e parou de falar,

Ao ouvir um potente e formidável zurro,

E tremendo ainda se atreveu a olhar,

A tempo de ver avançar o burro,

Que com voz grossa assim perorou:

O homem de que falamos é um enigma,

Ele tanto a guerra faz, como a paz assinou,

Tanto é caridade como um estigma,

Tentemos compreende-lo na sua diversidade,

Nunca conseguiremos entende-lo bem,

Seja em criança, seja com mais idade.

 

Paremos, disse o mocho, vou a sessão encerra,

São horas de irmos todos descansar,

Muito, muito mais haveria a falar,

Prometo - noutro dia iremos continuar!

 

                               Autor: Manuel Inocêncio da Costa