CAFÉ E JORNAL
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a minha rua não há café da
esquina mas, na rua de baixo paralela à minha, existe um pequeno
café/pastelaria, que nunca frequentei.
Resolvi seguir
o exemplo do meu amigo Mauricio, que não me leve a mal…, que frequenta o café da
sua rua e aproveita para ler o jornal da casa.
Acompanhado de
minha mulher, que gosta de tomar a “bica” todos os dias de manhã,
entrámos e sentámo-nos.
- Um café, se
faz favor – disse a minha mulher.
- E para o
senhor? Perguntou-me a empregada.
- Deixe-me ver
– respondi olhando para a empregada, que sorriu docemente, de um modo quase
infantil, “Não se importa que eu peça uma coisa diferente?”
- Claro que
não, diga à vontade.
- Não estou a
pensar em nenhuma iguaria especial.
- Ouve cá –
disse a minha mulher, em voz baixa, inclinando-se para mim. “Se não te
consegues comportar vou-me embora”.
- Olha
querida, respondi no mesmo tom, “pediste um café. Deixa que eu também mande vir
o que me apetece”. E para a empregada:
- Queria, para
já, o jornal da casa.
- Não temos,
não costumamos comprar.
- Bem, então o
meu problema é que não me lembro, de repente, do nome daquilo que queria pedir.
É assim um líquido escuro…
- É uma bebida
alcoólica?
- Não! Não. Se
bem me lembro trouxeram-me numa chávena de vidro. E também me lembro que estava
bastante quente.
- Receio que
não tenhamos.
- Nem posso
acreditar, respondi. “Não será possível perguntar aquela sua camarada que está
no balcão?”
- Sim, com
certeza, disse a menina, e foi ao balcão à pressa.
- Estou a ficar
farta do teu comportamento, disse a minha mulher irritada, ela não gosta de dar
nas vistas. “Se não acabas com isso vou para casa”.
A empregada
aproximou-se sorrindo:
- A dona do
café pergunta se a bebida era castanho-clara?
- Não, menina.
Era quase preta.
- E onde
costuma tomar essa bebida?
- Em qualquer
café, na baixa da cidade.
- Já receava –
riu-se – São cafés de luxo e nós somos um café de segunda classe.
- Espere aí!, disse
eu. “Agora me lembro que com a chávena vinha uma colher pequena. E mais uma
coisa. No pires, uns pequenos cubos brancos”.
- Cubos? Olhou
a empregada para mim, e desatou a rir. “Há cinco anos que estou cá, nunca houve
um pedido assim, cubos! Riu-se novamente.
- Não podia
perguntar à dona do café?, perguntei.
A empregada
foi, mas à entrada do balcão olhou para trás, pôs a mão na boca e sorriu.
- Só ficas
contente quando as pessoas se ocupam de ti?, perguntou-me a minha mulher
furiosa.
- Nem pensar,
querida. Nem assim fico contente.
- Era melhor
dares conta do que estás a fazer, retorquiu.
A empregada
voltou com a “bica” para a minha mulher. Atrás dela vinha a dona do café.
Caveirosa, de óculos, com um livro de um autor desconhecido na mão. Não
consegui ver o título.
- Estou a ver
o problema. Disse ela com delicadeza.
- Mas, por
favor, não faça caso do assunto respondi.
- Nós gostamos
de satisfazer os nossos clientes. De que tipo eram os cubos?
- Se bem me
lembro, eram brancos e de tamanho pequeno, respondi.
As duas
entreolharam-se. A jovem empregada, que agora não se atreveu a rir, só
casquinou baixinho. A dona do café, por seu lado, continuava séria. E respondeu
- É muito
aborrecido, mas o que posso fazer? – Não temos cubos de nenhum tipo.
- Não é assim
tão importante, respondi.
- E também não
conheço o líquido de que fala, acrescentou a dona do café.
- Deixe lá. E
fiz um gesto de desistir com a mão. E acrescentei:
- E traga-me
também um café em chávena de vidro.
E foi assim a
primeira vez que entrei, para tomar a bica e ler o jornal à borla, no café da rua de baixo, sem jornal. E sai, para comprar o jornal na tabacaria da esquina.
Tenho que ir
morar para o Estoril para frequentar o Café/Pastelaria do Mauricio…
Rogério
Uma história de ficção. Qualquer semelhança com locais
e pessoas é mera coincidência