sábado, 27 de junho de 2020

AS CINZAS DOS DEFUNTOS




 Tendo desempenhado um lugar na Câmara Municipal de Faro, como responsável pelos Cemitérios da sua responsabilidade e, travado laços de amizade e cooperando com a maioria das Agências Funerárias do Algarve, assim como de Norte a Sul do País, ao ler este artigo do meu Amigo com o qual partilhei momentos de tristeza, e, considerando a sua publicação com algum interesse, resolvi partilhar a mesma nesta página, para que os meus amigos, e colegas Costeletas para tirarem as vossas ilações.

          Florêncio Vargues 


ONDE GUARDAR AS CINZAS DOS DEFUNTOS?

   Uma pessoa tem as cinzas dos seus pais em casa. A última a falecer foi a mãe, há uma semana. Começou a ter dúvidas se estava a fazer bem ou mal. Por isso, pediu conselho. Realmente, onde conservar as cinzas dos entes queridos, para garantir a memória, respeito e devoção que eles nos merecem?
   Tanto na vida como na morte, a fé cristã reconhece “a grande dignidade do corpo humano como parte integrante da pessoa da qual o corpo partilha a história”. O mesmo respeito é devido às cinzas, que são “os restos mortais” daquela pessoa concreta, que vive espiritualmente “na esperança de que ressuscitará para a glória” eterna. De facto, a fé cristã afirma que a morte não é o fim de tudo, mas sim a transformação da pessoa e da sua vida. Na ressurreição, pelo seu poder omnipotente, Deus dá nova vida ao nosso ser: “o espírito separa-se do corpo, mas na ressurreição Deus torna a dar vida incorruptível ao nosso corpo transformado, reunindo-o, de novo, ao nosso espírito”.
   A conservação das cinzas em casa pode tornar mais difícil o luto, pois a pessoa está sempre a “tropeçar” nos restos mortais dos entes queridos. Não consegue assim separar-se deles e da memoria dolorosa da sua perda. Ora, nós sabemos que o crescimento e amadurecimento da pessoa, desde o nascimento, faz-se pela separação física dos pais, pela autonomia e independência, para que tenha a sua própria vida e uma rede de relações e convivência diversificadas. A proximidade das cinzas pode enredar a pessoa nessa memória dolorosa, ficando aprisionada nela, sem conseguir viver livre e feliz. Ora, continuar a viver com satisfação e memória grata dos antepassados, honra os defuntos, que continuam a querer o melhor para os seus familiares e não lhes agrada ser para eles um entrave nesse sentido.
   A conservação das cinzas em lugar adequado é memória importante para a relação e comunhão com os defuntos. De preferência, seja um lugar não privado mas da comunidade, onde melhor se pode sentir a dor partilhada por outros e a solidariedade. Mais do que nas cinzas, é em Deus e na comunidade cristã que encontramos espiritualmente vivos os nossos defuntos. Por isso, relação com eles pode ser comunhão positiva, na diferente condição em que se encontram relativamente a nós. A fé cristã considera que a relação com os mortos se faz espiritualmente através da comunhão dos santos: pela memória, a oração, especialmente na missa, e a visita ao lugar da sua sepultura ou da conservação dos seus restos mortais. E isso é vivido na comunidade e não simplesmente de modo privado. A memória e comunhão com os defuntos ajuda a suportar e superar o luto, para transformar a perda em dom, em entrega confiante, à semelhança do que fez Jesus na sua morte: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. 
   Por todas estas razões, a Igreja católica considera que “as cinzas do defunto devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério”, não consentindo a sua conservação “em casa”, nem que sejam “divididas entre os vários núcleos familiares” ou dispersas “no ar, na terra ou na água, ou, ainda em qualquer outro lugar”. Antes, “deve ser sempre assegurado o respeito e as adequadas condições de conservação das mesmas”.
   As citações são da instrução “Sobre a ressurreição com Cristo”, da Congregação para a Doutrina da Fé “a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das cinzas da cremação” (15/8/2016).

   Luís Camilo