sexta-feira, 3 de julho de 2020



3ª de uma série de boas leituras
de Autores Nacionais. 

IN IRENE LISBOA
A GRAVURA

E o sonho com uma gravura que havia, muito do meu gosto?
Sonhei que aquilo tudo era real: vi-a animar-se, mexerem-se as figuras...
Nisto abria-se o portão. Por uma *alameda abaixo vinham dois cavaleiros e uma amazona. Ela falava e ria-se e até voltava a cara para trás. Procurava com os olhos um belo cavaleiro, *desirmanado do grupo, que montava um cavalo bravio. Também havia mais cavaleiros e amazonas, que se não distinguiam lá muito bem.
Mas tudo aquilo era bonito, era elegante.
Saíram todos do portão, finalmente, e até uma das damas, com a ideia que teve de arrancar um *tronquinho de hera, ia caindo do cavalo abaixo.
Deixei de ouvir o *trupe dos cavalos e as vozes e vi-me sozinha.
 Só, só de todo! No meio do campo. Fazia um luar divino. E todo o meu desgosto era de não ser fidalga, de não pertencer também à cavalgada.
Pus-me a andar de um lado para o outro e a falar só. Porque não tinha eu ido com eles? Com eles é que eu devia ter ido! À noite vestiria um fato de baile...
Olhei para o chão, que me pareceu todo *malhado. Eu não devia pisar nenhuma daquelas malhas. Eram de luar líquido. Devia saltar por cima delas, e era o que fazia. Dava cada salto! Cheguei a saltar de árvore para árvore. De cima de uma delas até descobri um salão onde as fidalgas andavam a dançar.

Lá lá lá... lá lá lá... lá lá lá... Que valsa tão doce e tão agradável! Conhecia-a tão bem!
Eles, de calção de seda e de meia alta, elas, de cauda...
Deixem-me dançar também, dizia eu, sem que ninguém me pudesse ouvir. Por fim agarrei-me a uma árvore e pus-me a andar à roda.
Mas que vergonha, que vergonha! Descobriram-me!
Nisto acordei. 

Um arranjo e digitalização de Roger. Espero que gostem.

CRÓNICA DE FARO - JOÃO LEAL





               O «FAÍSCA ALFAIATE...»

              De tipo pouco corpóreo, mesmo algo franzino, duas companheiras que o eram de todo e qualquer instante, a fita métrica para as mediações do humano freguês a quem se destinava a fatiota nova e o cigarro ou, melhor, a sua reduzida ponta, ao canto da boca. Enquadrava-se numa clássica janela, tipo guilhotina, num rés-do-chão da aristocrática Rua de Santo António, «gran via» ou «calle mayor», capital que o era e é da cidade maior do Garbe. Por ali o velho e clássico ferro de engomar a carvão, que os eléctricos ou a vapor ainda estavam por chegar...
             Era o sr. Faísca, alfaiate, conhecido «mestre tesoura e agulha», filósofo e conversador, que dava trocos e voltas à malta estudante da década de cinquenta da centúria ida. Fazia parte de uma classe que, em Faro, teve muitas e reverentes excelências, alguns com fama por esse Algarve ou, mesmo, Portugal em fora. Ainda não se adivinhava a invasão do «pronto a vestir» que veio alterar como um tsunami toda a geologia costeira e o cidadão, com mais ou menos posses, pagando a pronto («obra pronta, dinheiro na mão») ou a soluços, lá tinha que encomendar o fato novo ou o fato voltado. O sr. Faísca era um desses artífices, cotado artista, junto «museológicas» às «manas da Casa Paris» e do «Júlio da Varina», na banda por onde o meu amigo António Manuel hoje expande parte da sua metrópole. De quando em quando, no que era pródigo e fiel cumpridor, lá ia até à famosa Cervejaria Baía, onde hoje é a «Porta de São Pedro», no Largo que o foi do Bouzela e agora tem o nome do benemérito democrata Dr. João da Silva Nobre. Nestas idas e vindas do sr. Faísca, que até às tantas da noite, por entre o chupar da beata e o activar do ferro a carvão, dava sempre tagarela à malta estudante, haviam uns «amigos malandrotes» que lhe iam colocar, à porta da alfaiataria, um bocado de papelão com os dizeres; «O Faísca não está...foi ca.ar».  Tropelias de tempos idos...
                Mas queremos aproveitar esta memória para evocar a lembrança de muitos, honrados e também afamados artistas alfaiates, de que nos lembramos em Faro. Pelos lapsos cometidos e involuntários as nossas desculpas. Lembramo-nos de: Florival (irmão do João Silva, na Rua Pinheiro Chagas); Roque (no Terreiro do Bispo, onde esteve a Nortenha, que era mudo e irmão do médico pediatra Dr. Guerra Roque); Madeira (pai de um moço do nosso tempo, o Madeira, que era um grande pingueponguista); Pintassilgo (com ateliers em Faro - Rua Ferreira Neto e Loulé); Castro  (o José João, também de Loulé e um interventor comunitário); o Valentim (na Rua José Estevão, «Rua dos Ferreiros», que era das Pontes de Marchil e foi dirigente do Sporting Farense); o «Cádinho» e o pai, na Rua do Compromisso; o «Máximo de Sousa» (conhecido cantor farense) e os Carvalhos (um na Rua Infante D. Henrique, a cuja lápide em mármore com o nome Carvalho, nós os moços da «Rua da carreira» tapávamos o «v»...
           Já na transição para o «pronto a vestir» surgiram alfaiates em conhecidas casas de moda masculina, como aconteceu, entre outros, nos estabelecimentos dos conhecidos comerciantes srs. Rodrigues, Robués (Tabú), Lopes e Bernardino Pereira (Pigalle).

                                              JOÃO LEAL

INFORMANDO



IMORTAL, CEM ANOS DE HISTÓRIA

   Foi no passado dia 20 de Junho que, no significativo dia do Solstício de Verão, comemorou o centenário da sua fundação o Imortal Desportivo Clube, a mais antiga das agremiações desportivas albufeirenses. Duas referências, para além de outras, nos ocorrem: o dia da fundação, como numa antevisão do que seria o clube recém - nascido no ano de 1920 em consonância com a astrologia solar e a plantação da «árvore do centenário», uma «ginkgo biloba» (símbolo de longevidade e de paz, que sobreviveu aos ataques atómicos no Japão, a quando da II Guerra Mundial - 1945). Esta foi semeada por iniciativa da claque albufeirense «Raça Vermelha», junto ao Estádio Municipal, em acto que contou com a presença do conhecido dirigente desportivo e dedicado autarca Dr. José Carlos Rolo, na sua dupla função de Presidente do Município e do Imortal.
        O agora centenário clube, que se junta a vários outros que, nos séculos XIX e XX se constituíram e construíram brilhantes historiais, casos do Ginásio Olhanense, Sporting Farense, Sporting Olhanense, Portimonense, Silves, Lusitano, etc. foi fundado por um jovem albufeirense, de seu nome Vasco Mateus, então com apenas 15 anos de idade.
         As comemorações vão prolongar-se até meados de 2021, por via do actual surto de covid 19.  Recordamos que, em 2006, no «Dia do Município» a Autarquia deliberou incluir na toponímia da «Cidade Branca em Mar Azul» o nome do Imortal D. C., fazendo-o numa praça localizada na Corredoura.
        Três modalidades em especial têm esmaltado a vida deste clube - o futebol (havendo disputado a III Divisão Nacional - Série F, na época de 2007/08),  o basquetebol (com três títulos nacionais - I, II e III Divisões e sendo a única equipa, juntamente com o Sporting e o Queluz a conquistar em todas as divisões), o atletismo e o hóquei em patins.
        Na pessoa do sócio nº 1 do Imortal D. C., João Rodrigues Cruz, que pertence aos quadros associativos desde 1944, saudamos este novel centenário algarvio.  Um clube histórico algarvio a cuja história se encontram ligados várias costeletas naturais de Albufeira, entre os quais recordamos José Manuel Serôdio Bernardo e Romeu Santa Clara de Brito.

                                                JOÃO LEAL