quarta-feira, 5 de maio de 2021

CRÓNICA DE FARO JOÃO LEAL

 




NO CENTENÁRIO DO PROFESSOR AMÉRICO


     Ocorreu ontem, dia 4 de Maio, o centenário do nascimento do sempre saudoso mestre e amigo que foi o Professor Américo. Natural de Lisboa (4 de Maio de 1921), licenciou-se em Educação Física e exerceu a docência pedagógica nas Escolas Técnica Elementar Serpa Pinto e Escola Industrial e Comercial de Tomás Cabreira, desde o ano lectivo de 1947 / 48, quando o primeiro destes estabelecimentos começou a funcionar, até meados da década de 50 quando novas funções o chamaram à capital. 

       Américo José Nunes da Costa, de seu nome completo, foi um mestre em toda a acepção da palavra e na universalidade que a mestre comporta. A par da sua competência didáctica, aliava um profundo sentido de proximidade com os seus alunos, a quem dedicava toda uma afectuosa estima e acompanhamento para além, inclusive, da Escola.

         Havia sempre uma palavra de estímulo, de apoio e de compreensão, vivendo todas as alegrias e tristezas, problemas e factos dos «seus meninos» ao longo da vida. Era ver o sorriso aberto, franco e amigo com que nos acolhia, quando volvidos tantos anos se encontrava com os mesmos. Este seu fraterno ser pontificava nas tertúlias em que, ao fim da tarde, terminadas as aulas, vivia Faro nas tertúlias em que participava, de modo próprio, na barbearia desse grande artista teatral que foi o João Veríssimo, ali no Largo da Alagoa.

         A ele se ficou devendo, em grande parte, todo o apoio para a criação da AAAETC (Associação dos Antigos Alunos da Escola Tomás Cabreira), constituída sob a trilogia por si criada de «Vitalidade, Solidariedade, Fraternidade».

          Por via do actual estado pandémico não foi possível à prestante Direcção da AAAETC, presidida pelo dinâmico Florêncio Vargues, concretizar o idealizado programa da comemoração centenária do Professor Américo. Mas estamos em crer que tal acontecerá em breve com a abertura da sala que lhe é dedicada e onde figura o espólio pelos seus filhos doados ao organismo associativo dos «costeletas».

            Há cem anos nasceu este mestre e amigo, cuja saudade permanece viva e emotiva nos milhares de seus antigos alunos, mas a sua lembrança bem viva permanece em todos nós! 

João Leal


CRÓNICA DE FARO JOÃO LEAL


           O MEU BAIRRO «HIROXIMIZADO» E «NAGASAQUISADO»

   

             Talvez algum superlativíssimo titular, motivado pelo exacerbado (reconheço) amor a este bocado de terra farense em que nasci, cresci e vivi até ao quarto de século. É ele o «Bairro da Ribeira» (Rebêra, como se dizia), onde se ergueu fruto do trabalho insano das laboriosas e motivadas gentes piscatórias há mais de quinhentos anos a então novel freguesia de São Pedro. Traço-lhe como fronteiras, nas latitudes e longitudes que os séculos confirmaram, ao sul a Ria Formosa e daí a Moagem e o Cercado da Armação do Atum, onde hoje se ergue o Ria Mar, o Posto da PVT (Polícia de Viação e Trânsito), o Refúgio, o Largo do Carmo (onde em Julho decorria a desaparecida Feira), o Jardim de São Pedro e as Ruas do Alportel, Ferreira Neto e 1º de Maio, que já o foi A e Oliveira Salazar, mas sempre na memória do povo de «Rua do Peixe Frito».

                 Faço, quando a mobilidade e as imposições o permitem, uma visita que considero de saudosa e evocativa peregrinação ao «MEU BAIRRO». Comigo, sem nunca me deixarem, vão lembranças e memórias que povoam, em permanente mensagem, o meu imaginário. Vai também nestas jornadas de memória, aquela malta irmã que partilhou em fraterna vivência a malta da Rua da Carreira (Rua Infante D. Henrique), do Largo da Madalena e outros (o Nita, o Zé Maria, o Rui, o Rocha, o meu tio António «Papinha» e outros que sabe-se lá onde estão!) 

                 Percorro, não sem contida emoção, especialmente quando o luar é meu parceiro na noite vagabunda, aquelas artérias únicas que o são na sua configuração urbana e social, o trio sulino - Ruas da Barqueta, da Cruz e do Forno a desaguarem na Rua da Parreira (Gil Eanes) e o trio norte - Ruas da Madalena (onde imperavam os «Larguitos» e o Jorge Cachaço e o mano «caçula), da Viola e Baptista Pinto (do tio «Pázinho»), a correrem para a Teófilo Braga.

                  Fechadas, de há muito o estão, as mercearias de bairro da Sra. Ermelinda, do «Zé da Avó» (brilhante defesa dos tempos primeiros do Farense) e do «Careca», onde ia comprar os cigarros «Definitivos» e «Provisórios» para o meu saudoso Pai.

                   Há dias ou, melhor, noite, tive a estranha sensação de «O Meu Bairro» ser outra Hiroshima ou Nagasaqui vítimas da terrível bomba atómica. Casas destruídas, outras destelhadas, ausência de gente viva, dos gritos das crianças e do entrelaçar de conversas entre vizinhos. Está mal este pedaço e chão farense onde senti-me viver e querer viver. Urge que o Município pense, em termos humanos, esta política de solos e de casas ao invés da prosseguida expansão das Lejanas, Penhas e quejandos. Para que Faro exista, para que Faro seja...

João Leal