sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011


POMBAS ENAMORADAS



Alfredo Mingau

Com dedicatória para o meu amigo
João Brito de Sousa


Uma taberna no centro da cidade velha. Vila A Dentro.

Lá dentro um fumo frio rodopia nos vidros embaciados, de fora o nevoeiro, não muito cerrado dirige os olhos com cataratas para dentro. Em frente da taberna, atrás do nevoeiro, há um muro alto. Atrás do muro a igreja da Sé.

Abre-se a porta. Entra um homem magro com um movimento vivo e uma senhora completamente vestida de preto. O zumbido e o tilintar dos copos esmorecem. O parente mais próximo da morte é o silêncio.

A mulher vestida de luto chega-se ao balcão. O homem pede dois copitos de medronho, pega-lhes e dirige-se com a mulher para uma mesa. Agarra com a mão direita num dos copos e com a esquerda, e em silêncio, empurra o outro para a mulher.

Ela tem um véu de luto que chega aos joelhos. Tem também luvas pretas, chapéu preto, em cima do qual, em torno do véu, há um colar de pérolas pretas. Agora ela tira uma das luvas, com essa mão chega aos joelhos e levanta o véu. Eles entreolham-se, acenam e, sem dizer coisa alguma, emborcam silenciosamente o medronho. A mulher baixa o véu.

O silêncio quebra-se um pouco. As pessoas que estão aqui na taberna, são todas frequentadoras habituais, verificando-se alguns turistas estrangeiros. Sabem que o nevoeiro e os cadáveres são igualmente frios: e essa dupla frieza só tem um remédio, que é o medronho. A mulher de luto está no centro da simpatia.

Um minuto depois o silêncio regressa. De repente, o homem levanta-se vai ao balcão e pede mais dois copinhos de medronho. Paga e regressa à mesa. A mulher levanta o véu, acena para o homem, emborca o medronho. Depois, silenciosamente, baixa o véu. Agora todos podem observar a sua cara. A pele é branca, os traços são agradáveis aos olhos, mas a cara sujeitou-se ao luto, dissipou-se nela como se, durante uma noite, tivesse marinado em leite. Este segundo copinho de medronho amoleceu mesmo o coração dos mais apáticos bebedores de cerveja. Dois copinhos na linguagem das tabernas, significa morte súbita, um descalabro inesperado.

O homem paga novamente, o outro do balcão serve. A mulher levanta o véu. Ela emborca o medronho, mas, desta vez, não baixa o véu. Com olhos desafogados, fixa os olhos no copo, e a seguir começa a cantar, inicialmente em tom baixo e, de repente muito alto, mas com sentimentos profundos e tristeza dilacerante observando através da janela os pombos poisados na rua:

“Por que arrulham vocês, pombas enamoradas?”

Canta com uma entoação interrogativa. E, realmente, pombas enamoradas. Por que arrulham vocês?



DIFERENÇA ENTRE O REI E O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

COMO A CRISE NACIONAL ERA VISTA PELA FAMÍLIA REAL EM 1890




Enviado pelo Mauricio