Continuação de I – 3 COPOS
II - NEO-JUVENTUDE
Autor Rogério Coelho
Hoje é outro dia, como tantos outros em que tenho tropeçado,
que não sinto inspiração para escrever umas linhas. Sinto vontade de escrever
mas a inspiração não me faculta a ideia necessária para criar uma história.
Sair para passear? Não sinto
disposição.
Televisão? Para mal dos meus
pecados, quem os não tem, ver televisão é um atraso de vida.
Liguei o aparelho leitor de
CD, coloquei um disco com música clássica, despejei whisky num copo, coloquei
uma pedra de gelo e sentei-me no maple. Fechei os olhos e dispus-me a saborear o
líquido ouvindo a bela musica, em tom suave, do grande músico e compositor António
Vivaldi.
E a campainha da porta veio
interromper o meu belo e audível musical descanso.
Levantei-me, abri a porta e
dei de caras com a minha vizinha do andar de cima, a jovem Teresa.
- O que queres Teresa,
pedras de gelo?
- Não! - Respondeu.
E foi entrando sem que a
convidasse. Coisas da neo-juventude, sem aquela educação dos nossos tempos.
Esparramou-se no sofá e, com
o maior dos à-vontades cruzou as pernas deixando entrever por entre a mini-saia
aberta umas cuecas brancas.
- Isso é maneira de uma
rapariga se sentar mostrando as roupas intimas, Teresa?
- Ora, não é nada de que o
senhor não tenha já visto por aí, ou mesmo na praia, bi-quí-nis, sem que fique
escandalizado.
- Vens para me provocar?
Perguntei.
- De maneira nenhuma, não
sou tarada sexual, respondeu. - Estava sozinha em casa, aborrecida, sem
companhia, saudades da família e lembrei-me de o visitar para beber um trago
consigo. Sinto-me à vontade no seu apartamento como se estivesse no meu, já
somos conhecidos e não aceito pensamentos esquisitos. Oferece-me um whisky com
duas pedras de gelo, ou põe-me na rua como fez da primeira vez?
Olhei para ela e respondi.
- Não preferes um copo de
sumo fresquinho?
- Não brinque comigo já sou
crescidinha, sabe que já fiz dezassete. Traga o copo que eu não o interrompo
para ouvir a sua música. Gosto de música clássica.
Fiz-lhe a vontade e
sentei-me no maple para me deliciar com a bebida ouvindo a música e tentando
esquecer aquela presença forçada.
Quando o CD chegou ao fim,
retirei-o do aparelho, olhei para ela e, antes que lhe dirigisse a palavra,
mostrou-me o copo:
- Gosto de música clássica; de
vez em quando apetece-me beber mas não sou alcoólica. Serve-me mais um.
Notei que me tratava por
"tu". Não estranhei, é normal nesta juventude pós 25 de Abril.
- Não achas que ainda és
garota para beberes bebidas alcoólicas?
- Não há problema, já não
sou garota, estou a entrar com os pés nos dezoito.
Acho que é uma perda de
tempo contrariar esta juventude. Fiz-lhe a vontade. Enchi o meu e sentei-me.
Bebi um trago, olhei para ela e perguntei.
- O que fazes na vida, não
tens família?
- Já estava à espera dessa
pergunta. Sou estudante, frequento o primeiro ano de engenharia informática na
Universidade Nova. Os meus pais pagam o apartamento e depositam uma mensalidade
para as minhas despesas. Não tenho namorado porque quero sossego para me
dedicar aos estudos. Não recebo colegas nem amigos. Acho que és um bom vizinho
e uma pessoa em quem posso confiar com amizade. Neste momento esta é a minha
biografia pessoal.
Agradou-me a sinceridade da
resposta.
- Gostei da tua biografia
pessoal e podes contar comigo como bom vizinho, com amizade e tudo o que
estiver ao meu alcance que precisares.
Coloquei outro CD. Escolhi
Giuseppe Verdi. E, ouvindo a música, tornei a encher os copos, sentei-me no
maple enquanto a Teresa se aconchegava e estendia no sofá.
E, em silêncio, cerrei os
olhos e ouvimos as belas sinfonias de Verdi.
Quando toda a música do CD chegou
ao fim, reparei que a Teresa dormia. Desliguei o aparelho fui ao quarto buscar
uma manta e tapei a rapariga. Desliguei a luz e encaminhei-me para o quarto com
o pensamento nas partidas que a vida nos prega. Da primeira vez mandei-a
embora; agora agasalho-a sem qualquer pensamento obscuro. Volto-me, olho pra o
sofá e abro um sorriso paternal; a amizade sincera recíproca é um encanto da
vida.
nota – (Uma
história de ficção. Factos e pessoas de imaginação)