domingo, 12 de outubro de 2014

DIVAGANDO



Continuação de  I – 3 COPOS
  

 II - NEO-JUVENTUDE

Autor  Rogério Coelho       

Hoje é outro dia, como tantos outros em que tenho tropeçado, que não sinto inspiração para escrever umas linhas. Sinto vontade de escrever mas a inspiração não me faculta a ideia necessária para criar uma história.
Sair para passear? Não sinto disposição.
Televisão? Para mal dos meus pecados, quem os não tem, ver televisão é um atraso de vida.
Liguei o aparelho leitor de CD, coloquei um disco com música clássica, despejei whisky num copo, coloquei uma pedra de gelo e sentei-me no maple. Fechei os olhos e dispus-me a saborear o líquido ouvindo a bela musica, em tom suave, do grande músico e compositor António Vivaldi.
E a campainha da porta veio interromper o meu belo e audível musical descanso.
Levantei-me, abri a porta e dei de caras com a minha vizinha do andar de cima, a jovem Teresa.
- O que queres Teresa, pedras de gelo?
- Não! - Respondeu.
E foi entrando sem que a convidasse. Coisas da neo-juventude, sem aquela educação dos nossos tempos.
Esparramou-se no sofá e, com o maior dos à-vontades cruzou as pernas deixando entrever por entre a mini-saia aberta umas cuecas brancas.
- Isso é maneira de uma rapariga se sentar mostrando as roupas intimas, Teresa?
- Ora, não é nada de que o senhor não tenha já visto por aí, ou mesmo na praia, bi-quí-nis, sem que fique escandalizado.
- Vens para me provocar? Perguntei.
- De maneira nenhuma, não sou tarada sexual, respondeu. - Estava sozinha em casa, aborrecida, sem companhia, saudades da família e lembrei-me de o visitar para beber um trago consigo. Sinto-me à vontade no seu apartamento como se estivesse no meu, já somos conhecidos e não aceito pensamentos esquisitos. Oferece-me um whisky com duas pedras de gelo, ou põe-me na rua como fez da primeira vez?
Olhei para ela e respondi.
- Não preferes um copo de sumo fresquinho?
- Não brinque comigo já sou crescidinha, sabe que já fiz dezassete. Traga o copo que eu não o interrompo para ouvir a sua música. Gosto de música clássica.
Fiz-lhe a vontade e sentei-me no maple para me deliciar com a bebida ouvindo a música e tentando esquecer aquela presença forçada.
Quando o CD chegou ao fim, retirei-o do aparelho, olhei para ela e, antes que lhe dirigisse a palavra, mostrou-me o copo:
- Gosto de música clássica; de vez em quando apetece-me beber mas não sou alcoólica. Serve-me mais um.
Notei que me tratava por "tu". Não estranhei, é normal nesta juventude pós 25 de Abril.
- Não achas que ainda és garota para beberes bebidas alcoólicas?
- Não há problema, já não sou garota, estou a entrar com os pés nos dezoito.
Acho que é uma perda de tempo contrariar esta juventude. Fiz-lhe a vontade. Enchi o meu e sentei-me. Bebi um trago, olhei para ela e perguntei.
- O que fazes na vida, não tens família?
- Já estava à espera dessa pergunta. Sou estudante, frequento o primeiro ano de engenharia informática na Universidade Nova. Os meus pais pagam o apartamento e depositam uma mensalidade para as minhas despesas. Não tenho namorado porque quero sossego para me dedicar aos estudos. Não recebo colegas nem amigos. Acho que és um bom vizinho e uma pessoa em quem posso confiar com amizade. Neste momento esta é a minha biografia pessoal.
Agradou-me a sinceridade da resposta.
- Gostei da tua biografia pessoal e podes contar comigo como bom vizinho, com amizade e tudo o que estiver ao meu alcance que precisares.
Coloquei outro CD. Escolhi Giuseppe Verdi. E, ouvindo a música, tornei a encher os copos, sentei-me no maple enquanto a Teresa se aconchegava e estendia no sofá.
E, em silêncio, cerrei os olhos e ouvimos as belas sinfonias de Verdi.
Quando toda a música do CD chegou ao fim, reparei que a Teresa dormia. Desliguei o aparelho fui ao quarto buscar uma manta e tapei a rapariga. Desliguei a luz e encaminhei-me para o quarto com o pensamento nas partidas que a vida nos prega. Da primeira vez mandei-a embora; agora agasalho-a sem qualquer pensamento obscuro. Volto-me, olho pra o sofá e abro um sorriso paternal; a amizade sincera recíproca é um encanto da vida.

nota – (Uma história de ficção. Factos e pessoas de imaginação)