segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

À CONVERSA COM BAPTISTA BASTOS


ISTO É CULTURA

A entrevista que vai a seguir, foi obtida por mim, para publicação (já foi publicada) no jornal "O OLHANENSE".

Porque consideramos BB um grande escritor aqui a deixamos para apreciação e crítica de todos so costeletas.


ARMANDO BAPTISTA BASTOS


...”Fugi de palavras antiquadas. Mas não desprezei as antigas....” em A CARA DA GENTE


Nasceu em Lisboa em 27 de Fevereiro1934. Aos dezanove anos, iniciou uma intensa e promissora carreira de jornalista, primeiro no Século e mais tarde no Diário Popular, permanecendo aí vinte e três anos. Escreveu nos mais prestigiados jornais e revistas, colaborou em inúmeros programas de rádio e na SIC conduziu o programa “Conversas Secretas”. Como jornalista, romancista e ensaísta é autor de duas dezenas de livros, cujo reconhecimento foi objecto de algumas das mais respeitadas distinções, das quais se destacam o Grande Prémio da Crítica, o Grande Prémio da Crónica da APE, o Pen Clube Prémio de Crónica João Carreira Bom. É um homem de rigor notável, de elevada craveira intelectual, defensor intransigente dos direitos humanos e um homem que sempre falou claro e directo. A sua lavoura foi sempre no campo da honra.

E foi com este alfacinha que estivemos à conversa. E deu nisto.

JORNAL O OLHANENSE (JO) – Bom dia Baptista Bastos. Essa saúde, como vai?

ARMANDO BAPTISTA BASTOS (BB) - A saúde vai bem, felizmente. A vida de um homem é feita de construções e de reconstruções. Vamos emendando aqui, corrigindo ali. É preciso resistir. É preciso dar sempre razão à esperança.

JO – Crise financeira mundial actual. Acha que a Literatura também é responsável?.

BB - O problema da crise já tinha sido prenunciado, há anos, por escritores como Richard Ford ou Philip Roth. Outros mais o adivinharam.

JO – A Literatura e o Homem caminham lado a lado? E entendem-se?

BB – A literatura é o homem ou, então, não o é. Toda a arte dá notícias do que se passa na acção e no coração do homem. A arte que as não dá reflecte um mal-entendido ou um equívoco grave.

JO – O senhor que correu o mundo inteiro, se fosse convidado a começar do zero aceitaria o desafio? Mudava o quê?

BB – Talvez. Não sei bem. Há países onde não me apetece nada regressar. A aprendizagem do mundo faz-se no contacto com o ser humano, e as diferenças da nossa condição enriquecem-na. Vi, como deve calcular, atitudes grandiosas, de coragem e dignidade. Mas também assisti ao contrário. É próprio de nós…

JO - A vida é um romance ou um romance é uma vida?

BB - A vida é um processo de combate. Mas é, também, o romance de uma demolição. Todos os homens carregam, em si, o fardo de uma dor insuportável. A sua grandeza reside na qualidade da sua dor.

JO - Concorda com os que dizem que a sua literatura é de Lisboa mas que tem passaporte para chegar a todo o lado?

BB - Quando escrevo sobre Lisboa e quem cá vive, estou a escrever sobre o mundo. O mundo mais não é do que uma série de ruas que se entrecruzam, de sonhos que se alimentam, de ideias que incitam os homens ao combate e à esperança.

JO – Escreveu no livro “Viagem de um Pai e de um Filho pelas ruas da amargura” que, “ Não havia palavras, no seu tempo. Que não havia linguagem; que teve de inventá-la”. E hoje, como é? . As coisas mudaram?

BB - As palavras pertencem a quem as ama. Essa citação que faz corresponde a uma metáfora. Queria dizer que, apesar de tudo, «não há machado que corte a raiz ao pensamento», como disse, melhor do que ninguém, o grande poeta e romancista Carlos de Oliveira.

JO - Ainda no mesmo livro escreve: “Fui envelhecendo mas escolhi o meu próprio envelhecimento”. Como assim?

BB - Queria dizer que envelhecer não significa envilecer. A velhice pode não ser uma punição se o homem que vai envelhecendo cumprir os rituais da honra, da dignidade e da ética.

JO - Escreveu no Secreto Adeus, “ Nunca haverá instantes serenos de beleza.” Porque a vida não deixa, é isso?

BB – 9 - A vida está cheia de armadilhas que os homens colocam no caminho uns dos outros. A beleza da vida procura-se, não se encontra.

JO – A literatura portuguesa em geral, como vai? Os novos autores, que tal? Acha que Torga merecia o Prémio NOBEL?

BB - Tenho uma péssima impressão do que por aí se publica. O Torga merecia o Nobel, claro!, mas também a Sophia, a Agustina, o imenso Aquilino. São escritores de génio. Irrepetíveis. Em comparação com a miséria que por aí se edita são grandes orquestras sinfónicas junto de tocadores de pífaro.

JO – Concorda com Torga quando ele diz: “É preciso fazer um esforço contínuo para amar o presente”. Será uma frase actual?

BB - O Torga é uma leitura que devia ser quase constante. Ele ergueu um impressionante panorama de Portugal. Os seus detractores não lhe chegam aos calcanhares. É outro mestre do idioma.

JO – O senhor disse no “Cavalo a Tinta da China” que “ser português não é uma nacionalidade; é um calvário”. Quererá dizer a mesma coisa que Torga?

BB - Não sei. Sei que é muito difícil. O João de Barros, o das «Décadas», escreveu: «Pátria madrasta, país padrasto.»

JO – Na mesma obra o senhor escreve ainda que, “As mulheres desprezam homens fracos e amam homens frágeis”. Como é isso? E já agora, o senhor ama?

BB - Os homens procuram nas mulheres o indecifrável segredo do sexo. A fragilidade do homem advém do facto de ter receio das mulheres e do poder persuasivo de que elas dispõem. Claro que amo! Sou um fanático pelas mulheres. Elas têm-me ensinado, com discrição, modéstia, mas veemência, a ser corajoso e audaz, quando a coragem e a audácia me escasseiam.

JO – O que é que falta ao nosso País? Amigos e inimigos, tem?

BB - Falta ao nosso país o rigor moral. E cada vez a tendência para a irresponsabilidade se acentua. Veja a actividades destes políticos, cada vez mais medíocres. Passe os olhos pela Imprensa, pelas rádios e pelas televisões e repare como a informação é pobre, manipulada e dissimulada. Quanto a mim: tenho os inimigos de sempre. Mas os meus amigos têm-se multiplicado, e provêm dos mais díspares lugares estéticos, ideológicos, partidários e políticos. Sou um homem de honra e impoluto. Isso é geralmente reconhecido, até pelos meus mais acérrimos detractores. Mas um homem sem inimigos é um campeão da convivência sorridente. Não é o meu caso. Escolho os meus inimigos e não o largo. Os amigos não se escolhem: acontecem. E um amigo nunca trai um amigo.

JO – Acha que é motivo de felicidade para um País ter intelectuais, nossos contemporâneos, como os pensadores AGOSTINHO DA SILVA e EDUARDO LOURENÇO. Considera-os grandes pensadores.?

BB - Não só esses, embora esses sejam admiráveis e foram ou são, caso do Lourenço, meus amigos muito queridos. Lembro o Eduardo Prado Coelho, um homem notável, que começa, já, a ser lamentavelmente esquecido.

JO – A obra de Dinis Machado, “O QUE DIZ MOLERO?” pode ser considerada, em sua opinião, uma obra de referência? Pelo estilo, conteúdo, mensagem... outro?...

BB - «O que diz Molero» é um livro imparável e incomparável. E o Diniz fou um velho camarada de sonhos e de copos.

JO – Imprensa regional, conhece? O que é que acha?

BB - A Imprensa regional pode ser a tábua de salvação da pluralidade. Basta nomear o «Jornal do Fundão», honra e glória da profissão.

JO – Portugal ainda é só Lisboa e o resto é paisagem?

BB - Não. Portugal é um todo linguístico, uma realidade política e administrativa, que todos devemos defender e preservar, com unhas e dentes acaso seja isso necessário.

JO - Tem saudades dos tempos do Século e do Diário Popular? O Rocha Martins é do seu tempo? E foi grande na profissão?.

BB - Como disse, melhor do que todos nós, o grande Teixeira de Pascoaes: «Tenho saudades do futuro.»

JO – O que é que gostaria de dizer que não foi perguntado?

BB - As perguntas foram inteligentes. Quisera eu saber corresponder ao que elas me propuseram. Obrigado!

João Brito Sousa (texto)