quarta-feira, 13 de maio de 2009

CORREIO COSTELETA


DAS CAMPINAS, JOSÉ ELIAS MORENO

Caro João:

Ontem cheguei a casa, cansado de um dia de trabalho campestre e antes do duche, dirigi-me ao meu posto de observação da Ria Formosa que é também de onde todos os dias ,mal me levanto contemplo a nossa querida Escola. Peguei numa "bucha" e num copo duma "pomada" que me receitaram para levantar o moral e sentei-me...a reflectir. A Ria estava na Baixa mar, linda desde a Armona até ao Pontal-que é o que dela me deixam ver os prédios a nascente e o mamarracho do Turismo a poente, uma suave maresia pairava sobre a Alameda e vinha insinuar-se, provocando-me outros pensamentos.

Assim estive ali até o Farol mandar a sua primeira piscadela, e passar sobre a Ria um ruidoso e trepidante avião ,a toda a pressa para os lados de Olhão ,que também se poderia dizer para as bandas de Tavira ou Vila Real, tanto faz .O que é certo é que o barulho do malvado me fez sair dos meus pensamentos, e não tive outro remédio que não fosse ir "dar banho".

Depois deste, de uma massinha de chocos de umas nêsperas e um chásinho para rebater, sentei-me em frente deste "Ditador" que mal conheço na versão Rede global, mas que sinto me vai tomar grande parte do tão precioso bem ,que não há dinheiro que pague, e nunca é demais, para a concretização dos nossos sonhos-o tempo.

Fui directo ao Blogue dos Costeletas,e passou não sobre ,mas por dentro da minha cabeça outro avião,ou turbilhão de pensamentos ao ler tudo o que escreveste sobre os nossos colegas ,no nosso Blogue que eu já me atrevo a considerar a nossa tertúlia.A tua entrevista ao Zeca Bastos fez-me -como num passe de mágica-retroceder no tempo aos primeiros dos anos sessenta do século passado, quando recentemente "imigrados" de Faro, nos encontrámos outra vez em Almada eu e o João Man.Correia Martins(primo do Zeca) a leccionar na Escola D. António da Costa do nosso director Jorge Escalço Valadas, o próprio Zeca, o João Jacinto, o Cabrita e a Antonieta, o Farinha o Clérigo do Paço,o Honorato Viegas ,(os outros que me perdoem)uns bancários outros professores e trabalhadores estudantes, de sangue na guelra e cheios de confiança e esperança num futuro onde aparentemente não pairava ainda qualquer suspeita. Aos sábados depois do almoço as esplanadas e os cafés da praça da Renovação regorgitavam de juventude.

Tomada a bica e discutidos os diversos pontos de vista sobre os assuntos do momento, com as devidas precauções, abriam-se então as pastas e dossiers passando-se a uma tarde de marranço ou revisão das matérias .Depois do jantar de sábado convergiam para a baixa de Lisboa, Costeletas das mais diversas partes da área metropolitana da capital,e o ponto de encontro ou passagem era normalmente o Café Martinho no Rossio. Ele eram os técnicos das OGMA de Alverca ,os estudantes universitários,os funcionários da APT, os bancários ,os professores, os Oficiais ,cadetes e sargentos da Armada e do Exército, técnicos e operários da CUF da Sorefame e da Lisnave,etc.,etc.Os Costeletas pontuavam na industria no comércio nos serviços e no desporto. Estas revoadas de Algarvios na baixa de Lisboa eram muito festejadas e simpáticamente aceites pelo pessoal dos locais onde se encontravam.

O ambiente caloroso do Café Acordeon de Faro e a saudade dos bailes das sociedades recreativas algarvias ao som da orquestra Night ad Day foi algumas vezes mitigada por alguns, graças à simpatia do Artur Andrade e do Idalécio Dias,que ao tempo actuavam na cave do Comodoro ali ao lado das portas escancaradas do saudoso Martinho. Já não há noites daquelas, nem Bairro Alto como naquele tempo. Mas, não vá o sapateiro
além da chinela...

Meu caro João: as conversas são como as cerejas e agora que elas estão aí-as cerejas-também não fica fora de propósito já que vendo bem, o propósito foi tu teres falado com o Zeca Bastos, eu dizer mais qualquer coisinha sobre esse querido amigo. Antes que me esqueça, ou que me não lembre mais, há que estabelecer ,urgentemente ,contacto com o Zé (Jacinto)Pinto, e provocar, agendar ou marcar um encontro entre os dois: Zeca Bastos v Zé Pinto. Sei que tens os teus esquemas, pois procura-o aí entre as Lejanas e a Sª da Saúde , ou entre esta e as Pontes de Marchil. Depois pede-lhes que te falem do seu tempo de tropa, adianto-te que a versão do ZB é deliciosa, contada no seu estilo e sotaque tipicamente farense anos sessenta. Como deves calcular, pela minha alcunha, a minha massa muscular na altura não era muito apropriada para a prática do futebol, nem para outra qualquer actividade desportiva, por isso nunca joguei futebol ,integrado nas equipas dos craques como o Zeca Bastos o Nuno o Parra ou o Poeira- Deus me livre.

Mas nem por isso deixei de conviver ao longo destes anos com ele na Costa da Caparica , onde ambos vivemos ,na praia ou nos bailaricos do calçadão frente ao Cuíca, nos jantares da Casa do Algarve, ou no Restaurante Arte da Comida, do Alfredo Teixeira, onde um grupo de Costeletas se junta em amena e salutar cavaqueira degustativa. O Zeca foi, é, e sempre será um fora de série .O seu estilo desportivo e elegante e o seu porte a sua educação e afabilidade no trato com toda a gente ,são marcantes. Como amigo e como ser humano: um puro. Mas se me permites, e ainda a propósito, deixa-me contar-te só mais esta. Uma noite no Arte da Comida ali na Rua dos Correeiros juntámo-nos dez ou doze, deixa ver: era eu, o Sebastiana,o Zé Paixão, o Custódio Barras, o Zeca Bastos, o Teófilo, o Júlio Piloto, o Zé Félix, o Prof. Américo, o Manuel Vargas, o Alfredo Pedro, o Alfredo Teixeira, o Victor Caronho, e dois Costeletas adoptivos(sabias que também os há?)estes eram os Bifes: Varela e o Apolónia. Olha! enganei-me

Afinal eram mais. Bom; estávamos quase a entrar nos figos torrados nas amêndoas e nos digestivos-quando o Apolónia se sai com esta: Éh pá!... no fim de semana passado em Vilamoura peguei no barco, fui à pesca e apanhei duas lulas deste tamanho; e abriu os braços à largura dos ombros ,para exemplificar o tamanho dos bichos, quase atingindo com um chapadão cada um dos comensais situados respectivamente á sua esquerda e à direita. Nem tinha ainda pousado os braços, e já o Júlio tinha ditado o triste fim das "lulonas" ,e no jeito que se lhe conhece, pergunta: É pá e onde é que estão as lulas? Também não demorou muito a inesperada resposta do feliz pescador: Trouxe-as para cima e estão no frigorífico. Gera-se então uma animada algaraviada, na procura de uma consensual ocasião e local apropriado para o repasto.

Contam-se as cabeças dos presentes ,fazem-se prognósticos para outras possíveis adesões, o Júlio mais uma vez protagonisa a escolha do menú: lulas de caldeirada com feijocas, e o Alfredo Teixeira, o eterno anfitrião decide o local e a data do evento: Na minha quinta em Sesimbra, de quarta a oito dias, que é o dia da semana que eu e o meu assistente técnico agrário, dedicamos à agricultura. Aprovado por unanimidade. E no dia e local combinado, compareci meia hora antes do "timing" pré estabelecido, munido de um bolo de amêndoa caseiro, não fosse necessário dar uma pequena ajuda em qualquer preparativo. Entrámos os três, o carro eu e o bolo ,pelo portão escancarado da quinta, e imediata e gentilmente saudados e convidados a estacionar em local apropriado, pelo Zeca Bastos, em representação do anfitrião, momentaneamente ausente, para resolver um pequeno problema de economato, a pedido da Chef.

Soube depois por portas e travessas, que esta ausência estaria relacionada com o tamanho das lulas, porque a quantidade de feijoca aprovisionada tinha sido bastante generosa.

Dirigimo-nos então para o local do evento, na zona do jardim, contíguo ao campo de futebol particular. Sob duas enormes pinheiras mansas atapetadas por verdejante relvado estava montada uma mesa em ferradura, cujas extremidades convergiam no sentido dos troncos ,num dos quais estava pendurado uma fotografia de grupo emoldurada num quadro A4,a que ,na natural azáfama de cumprimentar os outros convidados, não liguei muita importância, reservando para depois a satisfação da curiosidade. Entretanto chega o verdadeiro anfitrião com um cabaz ,prontamente conduzido à cozinha, após o que me convida a, na companhia do seu assistente técnico agrário, fazer uma pequena visita à horta e ao pomar, para que eu, na qualidade de agricultor de fim de semana pudesse opinar sobre as causas do aparecimento da fumagina nas laranjeiras ,e da prisão de ventre na ovelha.

E voltando-se para o Zeca Bastos (que acompanhava os circunstantes numas fatias de genuino Pata Negra acolitado por excelente queijo de Azeitão e um tinto de soberba catadura),pede-lhe que me acompanhe agora, a mim, na citada visita, enquanto a feijoada não apura. E foi assim que fiquei a saber da forma tão salutar como o Zeca passa as quartas-feiras da sua reforma. Instruído o caseiro sobre o tipo de fumigação a aplicar nas laranjeiras, da necessida urgente em parar com a ração de bolacha Short cake à ovelha, e de visitado o soberbo faval ,tomámos assento na mesa onde agora mais de vinte Costeletas confraternizavam numa amizade franca e jovial. Coube-nos a nós ligeiramente retardatários, ladear na cabeça da mesa o Manuel das Dores Brito Vargas e o anfitrião. Chegam dois monumentais tachos colocados estrategicamente sobre a mesa, pelo pessoal da cozinha e várias garrafas de branco, outras tantas ou
mais de tinto,sumos e águas.

Levantam-se simultâneamente as duas tampas, fecham-se todas as bocas, semicerram-se as palpebras e numa colectiva aspiração nasal dos odores exalados ,está feita a primeira aprovação .Excelente, por unanimidade. A prova gustativa é menos cerimoniosa, sempre acompanhada por parabéns à Chef, muito bom...muito bom, o melhor é a feijoca, passa aí o tinto, o molho está um espanto, etc...etc. Não faltam as piadas sobre os pescadores de lulas .os caçadores e outros mentirosos, nem a evocação dos tempos de Escola ,a camaradagem, os professores a amizade desinteressada e pura. Antes da chegada do pudim Abade de Priscos, do bolo de amêndoa e dos morangos, levanta-se o Manuel Vargas, olha para o quadro pendurado no tronco da pinheira, de copo na mão todos se levantam e olham para o quadro. E o Manel diz: Malta!

Vamos fazer um Brinde ao Matinhos. Todos erguem o seu copo: MATINHOS, TUDO Á FARTA PÁ, que era a saudação que ele tantas vezes repetiu ao longo da vida. O Francisco Matos estava naquela fotografia pendurada , tirada no mesmo lugar com os mesmos colegas, mas já nâo pertencia ao número dos vivos. Uma ligeira onda de emoção foi imediatamente afastada por uma prolongada salva de palmas. Se a vida é efémera ,porque há-de a tristeza ser duradoura?! Não sei responder a tão misterioso desígnio, mas tenho saudades de vós: Matinhos, Manuel Vargas e de todos os amigos que perdi.

Caro JBS: Só te queria dar este testemunho, e mandar-te uma palete de abraços para distribuires equitativa e fraternalmente entre todos os costeletas solidários e amigos.

JEM

recolha de JBS