AS FRIAS MADRUGADAS
O título é do Fernando Namora, o escritor médico já falecido. Estive a ler alguns poemas seus, com aquela dose de pessimismo q.b. e, entretanto, lembrei-me do meu aluno da primária, o Luís Matos, que era um craque na aritmética e tinha um raciocínio apurado, lógico e seguro. Nas outras disciplinas também era bom, mas na aritmética, upa…upa.
Mas o Luís, possuía uma particularidade interessante, ou talvez não: - não jogava à bola com os outros colegas. Nem lá aparecia por perto. E aquilo dava-me que pensar, porque razão o Luís não gostava de jogar à bola se a miudagem toda gostava!
A lógica da vida não será tão linear assim. Às vezes, as situações não encaixam na nossa maneira de ver as coisas. Cada um de nós tem o seu destino. Ou o seu fado, como quiserem. E além disso, há a esperança, que se traduz num pedido de empréstimo de qualquer coisa à felicidade.
A felicidade, esse estádio que está difícil de atingir, porque a humanidade está de costas voltadas para ela. A vida de hoje é briga.
Briga-se por uma oportunidade de emprego que nos surge, briga-se por um lugar na fila, briga-se na estrada e por aí fora. E não vejo hipótese de as coisas mudarem. Os exemplos que vêm de cima são péssimos. E, estou convencido que são para continuar.
A imprensa tem falado em desvios de fundos, por pessoas que até tinhamconseguido algum prestígio, que se veio saber agora, foi conseguido à custa de atitudes menos próprias, que violam princípios, que não respeitam as normas estatuídas.
Encontrei o Pai do Luís por estes dias e fiquei a saber que uma dose forte o tinha levado. Pensei: o Luís tinha qualquer coisa, tinha esse pressentimento. Um rapaz com um raciocínio tão certinho e colocou-o ao serviço da causa errada. Os fraudulentos que a Imprensa fala hoje, são possuidores de bons indicadores intelectuais e não atinaram com o caminho certo; só burrada.
São as frias madrugadas da vida.
Mas a sociedade terá de mudar, com o esforço de cada um dos seus elementos, tentando perceber o que está errado e o que está certo. E aí entram os escritores, os professores e todos aqueles que deram provas de querer participar. E estão disponíveis para contribuir para um mundo melhor. Mas devemos ser humildes, uns e outros. A vida de hoje deixa-se ir na onda da arrogância e da maledicência. Erasmo de Roterdão já alertou para isso há quinhentos anos e entre nós, Almeida Garrett fez esta pergunta: quantos pobres é preciso sacrificar para se obter um rico.?
Esta resposta tem de ser dada.
A vida continua, sim, mas com a cara meio embaciada e de cabeça curvada. Mas que diabo, será difícil ver onde está esse lado negro que nos faz sofrer e envergonhar? Sim, porque a humanidade sofre, pelo que faz e pelo que os outros fazem E tem de saber as causa. Mas, enquanto aquela história, contada por Agostinho da Silva se mantiver viva, do puto que chega da escola e diz à mãe, raios, a escola nunca mais arde, a caminhada será difícil e complicada. Qualquer romance, poema, artigo para jornais que eu escreva, terá de vir parar aqui, à zona onde o homem se encontra. Normalmente a fazer asneiras.
Mas tem de arrepiar caminho.
Acho eu.
João Brito Sousa