domingo, 19 de outubro de 2014

DIVAGANDO



Um “ensaio” de Rogério Coelho sobre a vida.

DUALIDADE

"Temos todos que viver uma vida que é vivida e outra vida que é pensada"

Temos de facto duas vidas, como escreve Fernando Pessoa no verso, do seu poema, em epígrafe. A nossa vida vivida é simples, é a que é. A nossa vida pensada, dá-nos a sensação de que o mundo é nosso, com um sentimento de insatisfação e muita pressa de viver. É uma vida mais delicada, com os nossos sonhos sonhados, o que somos e o que não somos, o que gostaríamos de ser com pensamentos, desejos e quereres. Ao contrário da vida vivida é um grande mundo, cheio, vivo, imbuído de esperança e de ilusões. Pensamos em coisas que não conhecemos, que não sabemos e alimenta a vida vivida. Pensamos ter certezas e sentimentos sobre coisas que não vivemos...
A vida vivida é ou pode ser um parasita que se alimenta da vida pensada. É preciso ter cuidado, não deixar que a vida pensada se sobreponha à vivida porque para todos os efeitos, a vivida é a que verdadeiramente vale e é a nossa.
Verdade absoluta essa dualidade!
Ser e/ou estar, pensar e/ou imaginar. Intensões reais ou previsões oníricas?  Na vida vivida uma pessoa insiste nessa dualidade quando diz "O amor romântico é como um traje que, como não é eterno, dura tanto quanto dura". E sob a veste do ideal que pensamos, se esfacela, surgindo o corpo real da pessoa humana, com que o vestimos. O amor romântico vivido é, portanto, um caminho da desilusão. Só o não será quando decide variar de ideal nas oficinas da alma com novos trajes.
E assim será fácil descobrir que um sonho realizado é como um saboroso doce dentro de um recipiente de vidro difícil de abrir e que, descuidadamente, escorrega e se esborracha no chão, partindo-se em partículas diferentes, deixando a ilusão de um trago amargo por não ter tempo de ser saboreado. Diga-se a bem da verdade, que é um sentimento estranho e frustrante.
De um momento para o outro encontramo-nos num deserto, perdidos em pensamentos a tentar desatar as cordas com que nos prendemos
A única atenuante é saber que acontece com qualquer um e que, aquela máxima "quem não se sente não é filho de boa gente" poderá ser mesmo verdade, e isso nos faz sentir um pouco melhor. Pelo menos somos "boa gente" e temos todos que viver uma vida que é vivida e outra que é pensada, tomando como extrato o poema de Fernando Pessoa.
Os sentimentos e os pensamentos são “bicharocos” estranhos que nos condicionam os comportamentos. Pior ainda são algumas das reações que conseguimos ter quando nos sentimos condicionados. Para cada um desses comportamentos e/ou reações há sempre explicações abraçadas a mil e uma desculpas esfarrapadas e sem nexo.
É assim que o ser humano chega a ser patético. Mas, mesmo sonhando a vida, o que é necessário real e importante é a vida vivida, o resto…

Roger

Outubro 2014