sábado, 16 de abril de 2016

ANOS 40-50 NAQUELE TEMPO



Praia dos estudantes

Ganhei o hábito, com a amiga Inês, de vasculhar a nossa cidade, à procura de vestígios do passado.Estamos conscientes, de que o tempo com os condicionalismos da vida modifica não só os humanos, como toda a natureza paisagística e urbana. Armadas de máquina fotográfica encetámos a tarefa de encontrar, a antiga Praia dos Estudantes. Foi difícil, porque está tudo tão modificado, que só com a ajuda de terceiros, conseguimos atingir o objectivo. Indicaram-nos o caminho e nada encontrámos como referência ao passado. Ao chegarmos, as diferenças eram de tal maneira abismais, quenão queríamos crer, que era ali o que procurávamos. A minha recordação era ténue, só lá tinha ido, em criança, 3 ou 4 vezes. Lembrava apenas uma nesga de areia branca, uma ponte, o moinho de maré, a água convidativa ao banho, e nada disso encontrámos no local, que nos disseram ser, a Praia dos Estudantes. Foi nesse local que aprendi a nadar, ou antes, a coordenar movimentos para não ir ao fundo, agarrada a um barco. No tempo ido, não se valorizavam os banhos de mar e a nossa bela Praia de Faro, ficava longe, sem acessos terrestres e poucos com utilização de barco.A Praia dos Estudantes foi a impulsionadora, a que levou a juventude farense, àdescoberta do prazer dos banhos...Neste dia de aventura, com a amiga Inês, ao chegar a casa desiludida, e ao falar com o Dinarte, meu companheiro de vida, fiquei a saber que ele havia morado, durante um mês de Verão, no moinho do Grelha, Tinha “escrofuloso” e a conselho do médico foi “a banhos”, como se dizia (anos 40) .Puxando pela memória explicou,minuciosamente, toda a sua vivência do passado. O moinho era pertença da D. Francisquinha, viúva do Grelha e era ela que operava os engenhos, que moíam os cereais. A casa construída perto da ria permitia quando a maré subia, a passagem da água sobre uma comporta basculante, indo armazenar-se na caldeira (um reservatório situado no lado oposto à entrada da água), até o nível de água ser igual, na ria e na caldeira. Durante a vazante, a água exercia bastante pressão sobre a comporta, devido o desnível e obrigava ao movimento das mós.
O vaivém da água, por baixo da azenha e o rodar de todo o mecanismo, era barulhento e assustador.
Perto da praia existia a horta da família Bolas, com uma eira, que na altura da preia-mar proporcionava um maravilhoso banho à criançada. Quem sabe, se também da praia dos Estudantes, surgiu a ideia das piscinas, não existentes na época…
O Local não era muito seguro para banhos, por causa das fortes correntes de água, nos canais, e das “panelas” existentes no fundo lodoso.
Havia muitas algas que eram recolhidas e transportadas em carros de bestas, que avançavam pela ria, até à barriga dos animais.
Na ponte de madeiras virados para o mar, à esquerda, ficava o moinho de maré e à direita, a praia e a eira.
- Impossível, não vi nada disso! - Esclareci.
Escolhemos para o passeio/investigação o dia 1 de Março, sábado, às 16 horas.
Fomos de carro até ao Instituto da Juventude, o resto do percurso fizemo-lo a pé, faz bem à saúde.
Atravessámos a passagem de nível, virámos à esquerda e seguimos junto às instalações do Carmo e Brrás, aproveitando a sombra e resmungando pela “ciência” de quem colocou candeeiros de iluminação, bem no meio do passeio estreito. Esse “cientista” devia ter pensado, que o trânsito ali é diminuto e a passagem criada para peões, não era necessária, o pior é quando este pensamento se estende, a locais movimentados da cidade/capital.
Ultrapassadas estas instalações seguimos por um “encantador” camínhito de pedras, lama e buracos, rodeado de canaviais, atravessámos uma estrada recentemente construída, num sítio de cruzamentos e seguimos em frente.
O sol aquecia, o caminho continuava esburacado, à esquerda o súper mercado “LidI” e depois o campo dos blocos, que serviu para a construção da barra de Santa Maria.
Neste espaço, conhecido como campo dos blocos, quando andava no Liceu, anos 50, vinha com a malta jogar futebol e depois íamos refrescar, na praia dos Estudantes (daí o nome), confidenciou o Dinarte.Chegados ao local, as decepções sucederam-se, não existia a ponte, mais casas construídas, pegando com o moinho de maré, descaracterizando-o, a caldeira e a eira assoreadas, sem vestígios da sua existência…
Descobrimos, unicamente, a parede do moinho virada para a ria, com os arcos por onde a água passava, tendo milhares de conchas de bivalves, ali concentradas.
Nada de língua de areia branca, nem de água convidativa ao banho...
Está morta, a praia que foi dos Estudantes...
Percorremos todo aquele espaço e conversámos com os irmãos Faleiro, que têm um viveiro de amêijoas, ali perto, e um deles disse:
- Lembram-se da Bicuda e da Azevia, dois barcos da marinha, fundeados nas “quatro águas”, junto à praia dos Tesos... Tiveram de aprofundar o local, que havia assoreado, dificultando a navegabilidade, e as lamas da dragagem, foram aqui despejadas.
Regressámos, consciente de que a vida não pára, que a pele se enruga, o cabelo embranquece, os dias se convertem em anos e que nada na vida deve ser temido, somente compreendido...

Pensando bem, a praia dos Estudantes, perdeu o seu encanto, quando se iniciaram as carreiras de barco para a Praia de Faro.

IN "PEDAÇOS D'ONTEM na cidade de Faro"
Autora: Lina Vedes
(Crónicas na 1ª pessoa)