sexta-feira, 24 de novembro de 2017

CRÓNICA DE JORGE TAVARES



 A Minha Paixão – Sabino, o desconhecido
 
Numa reorganização dos livros existentes em casa, retirei o livro que servirá de tema à crónica do hoje.
“ A minha Paixão “ livro de poemas escrito por  Sabino o desconhecido.
Manuel José ( Sabino ) ofereceu-me este seu livro em 17 de Dezembro de 1980 com a seguinte dedicatória:
 
“Sendo eu já velhinho
O meu livro nasceu agora
Fica órfão o pobrezinho
Quando eu me for embora”
 
O Sabino, como era conhecido, terminou os seus dias como jardineiro responsável pela Alameda João de Deus em Faro. Durante décadas exerceu a profissão de jardineiro e bombeiro municipal, ficando responsável pela Alameda João de Deus, quando do falecimento do seu antecessor.
A assunção desta responsabilidade, conferiu-lhe o direito de residir na casa que ainda existe naquele jardim Municipal, e que tem como particularidade a  arquitectura neo-arabe.
A sua arte e sensibilidade, conhecida de todos os farenses, distinguia-se especialmente quando os andores das principais procissões do concelho,  saiam à rua em época própria, e a sua decoração com flores tinha a “mão” do Manuel José ( Sabino ).
Tratava e “acariciava “ as plantas e flores, como se fossem seres vivos. A “sua”  alameda era um prazer desfrutar, e ela serviu de milhares de encontro de jovens estudantes, que ali iniciaram o primeiro namoro, sempre com o rigor de boas maneiras, impostas pelo chefe Sabino.
O Sabino teve três filhos, dois rapazes e uma rapariga.
O filho mais velho – Victor M. Sabino Ramos – foi meu colega na Escola Tomás Cabreira e um dos meus grandes amigos. O mais novo – António Manuel José – foi meu colega enquanto trabalhou numa empresa privada. Ambos ingressaram na banca, profissão que mantiveram, até falecerem precocemente.
Desta ligação de amizade ao Victor Sabino, resultou ser recebido no seio desta família, sempre acarinhado como se fosse um membro da mesma.
Durante os muitos anos que privei com o Sabino, nunca me apercebi desta sua enorme vocação poética. Segundo ele descreve no prefácio do livro, certo dia em que decorava o andar do Senhor dos Passos na igreja de Estoi, desequilibrou, caiu e fez um ferimento na região occipital. Dias depois deu consigo a fazer versos. Não encontrou explicação para este fenómeno.
Esta crónica ficaria incompleta e pobre, se não a completasse com algumas poesias retiradas do seu livro.
O critério de escolha pretende testemunhar a minha caracterização do Manuel José ( Sabino ), especialmente o seu amor às flores e à vida.
 
“Quando eu morrer”
 
As flores hão-de murchar
Um dia quando eu morrer
Algumas devem secar
De saudade, podem crer
 
Minha vida já pertence
Às minhas belas flores
E já me disse a Hortense
As flores são teus amores
 
Eu costumo pela manhã
Ir dar-lhes os meus bons dias
Da mais alta à mais anã
P’ra elas são alegrias
 
São todas minhas amigas
E eu gosto de as tratar
Tratando-as canto cantigas
Que ela vêm perfumar
 
Destas flores que eu levar
Um dia no meu caixão
Lá dentro vão rebentar
Lindas rosas de paixão
 
“Sou um Pobre jardineiro”
 
Sou um pobre jardineiro
Só cultivo uma courela
Quem cultiva o mundo inteiro
Tem uma missão mais bela
 
Eu cultivo mal as plantas
Do meu pequeno jardim
Ele cultiva tantas,tantas,
Do universo sem fim!
 
Minhas plantas raquíticas
Estão sempre enfezadas
As d’Ele sempre bonitas
Por serem mais bem tratadas
 
O grande cultivador
Ao cultivo dá bondade
Também dá o seu amor
Juntando-lhe a caridade
 
Um dia sem lhe pedir
Suas flores vou visitar
Pequeno me vou sentir
Mas vou-me maravilhar
 
Versos retirados aleatoriamente de poesias do livro.
 
O meu livro é um tesouro
da minha pobre velhice
há nele paz e amor
amor feito de meiguice
 
Ser pobre não é defeito
Há quem seja até feliz
Defeito é não ser perfeito
Nas acções e no que diz
 
Considero uma honra, ter partilhado alguns anos da minha vida com todo o agregado familiar de Manuel José ( Sabino )  e a imensa satisfação em escrever estas linhas homenageando este poeta popular .
 
Jorge Tavares
costeleta 1950/56