quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A LITERATURA E OS COSTELETAS


MORREU DINIS MACHADO

"O escritor e jornalista português Dinis Machado, autor entre outras obras de "O Que Diz Molero", morreu em Lisboa, aos 78 anos de idade.Segundo a editora Assírio & Alvim, o corpo do escritor ficará ainda hoje em câmara ardente na Igreja da Encarnação ao Chiado, em Lisboa.

Nascido a 21 de Março de 1930, em Lisboa, Dinis Machado foi jornalista desportivo, crítico de cinema e editor da revista de banda desenhada Tintin.O seu maior êxito como escritor foi o livro "O Que Diz Molero", reeditado em 2007, três décadas depois depois da sua edição original, por ocasião do 77º aniversário do escritor. A sua adaptação ao teatro, pela mão de José Pedro Gomes e António Feio, foi igualmente um sucesso.

CRÍTICA LITERÁRIA DE LUIS PACHECO
(trabalho retirado do blogue de A. BORONHA)

Um livro-bomba. Uma obra referenciada para gente nova. Contém cenas eventualmente chocantes aos literatos da nossa praça e já está. Não recomendável a ceguetas, que cinema («o cinema é um álbum, o mais fabuloso e embriagador dos álbuns imaginários», afirma o guarda da última fronteira) e banda desenhada (álbum ou folhetim semanal também fabuloso e embriagador, afirmo agora eu) passeiam-se muito pelas suas páginas. O Gaspar Simões não vai gostar (excelente coisa!).

A malta vai (excelentíssima coisa!).Podiam ser frases publicitárias. Quem ler «O QUE DIZ MOLERO», de Dinis Machado (Bertrand), por ruas e montras e olhos ávidos de maravilhados ou espavoridos leitores nos próximos dias, confirmará que não: é que é mesmo assim, como eu digo.Fiquei banzado. Para já, para já, não julgava poder haver disto em português tão cedo. A livralhada de minha lavra envelheceu vinte anos a partir de hoje. Não faz mal. Faço 52 no sábado, se lá chegar, é tempo de reforma.

Vou-me dedicar à pesca (de dólares, de marcos, como o nosso Primeiro), vou deixar a Associação Portuguesa de Escritores (é o deixas!, eu cá sei as linhas com que me coso) e ingressar no Mercado Comum dos Cravas. Felizmente não sou invejoso, cada um, cada geração cumpre a sua rábula e passa o facho. É a Lei.Trouxe da minha experiência de editor o arrepio que é deparar-se-nos, de um autor desconhecido, de quem nada sabíamos ou lêramos, obra original, íssima, íssima, e autêntica (que agora aqui invejo é a Bertrand).

Isto me dá, como leitor ou crítico (e o crítico que será senão um leitor especial, obrigado a botar sua opinião em público?) ou, até, escriba, uma real disponibilidade de captação de entusiasmo sincero e barulhento (começo a ferver, a explodir alegria) perante o novo (cf. o frisson nouveau causado pelo Baudelaire). Meus colegas de escrita, muitos e entre eles os mais celebrados da Hora, os vejo, os percebo, mordendo-se pelas costas, disputando-se editores e clientela, numa ciumeira pegada. Nunca me deu prá-i.

Quando embirro com um escritor é porque ele escreve mal e me fez perder tempo, e havia tanta obra-prima que não li e já não vou ler. Chatos duma figa!«O QUE DIZ MOLERO»: à abertura, comecei a ficar muito arreliado. «Mas que raio é isto?! Uma conversa entre um tal Austin e um Mister DeLuxe e logo a seguir uns burriés colados à parede para secar… mau, mau. Temos estopada.» Mas segui viagem, página a página. E comecei a ficar contagiado, envolvido. Daí em diante, uma cavalgada furiosa de episódios, uma feira, um tropel de gente, uma festa popular de malucos e malucas, tudo chalado, uma alegria enorme quase insensata o sintimento nos momentos doloridos (ex.: a morte e o funeral de César), mas tudo tão perto de nós e tão naturalmente reproduzido na escrita.

Não tenho a mínima pretensão de sequer revelar, no pouco espaço que me é concedido, uma breve ideia do que seja «O QUE DIZ MOLERO». É este excessivo para se reduzir. Deturpava, por certo. Assim, e muito esquematicamente, irei limitar-me ao que me parece ali mais relevante.A cena de pancadaria entre o Ângelo, «danado para a porrada», e os camones (e já antes com os ciganos) que provocavam girls naquele bairro pobre e a ressaca do festival de mocada que o Ângelo lhes proporcionou é, pelo movimento, pelo achado dos detalhes, pela embalagem descabelada mas a rigor, um morceau de bravoure, que ficará (para mim não restam dúvidas) como das coisas mais bem conseguidas da nossa literatura. É humor, é violência álacre, é cinema escrito, recorda-me, superando-o, uma cena de um romance de Beckett («Murphy»? «Molloy»?

Tive os livros, tive de os vender (comer), não consigo localizar a cena. É uma zaragata entre bêbados, jogando a pontapés um saco de cinzas de um amigo morto. O leitor que ajude. Diga para cá onde é) – não estou a exagerar.Também na parte imaginária do livro há umas páginas (162-166) um pouco forçadas ou esforçadas no tom (mas não será propositado?), pois já li daquilo não sei onde (ou saberei?), o texto que o rapaz entrega, no Tibete, ao dono da loja de ferragens, por sinal dono do único cão azul conhecido na região, é agora em lírico, dos mais belos do volume. Não esqueço, claro, os poemas que nele se entroncam e o trecho (págs. 65-66) aliciante de imagens e de contenção comovente, outro ponto alto do relatório de Molero.

Uma teoria que me ocorreu, e não posso aqui desenvolver, é se Dinis Machado não usou, entre outras, uma finta: dos quatro protagonistas, o rapaz que apenas conhecemos pelo que diz Molero, e já interpretado por este nas suas divagações e comentários; o rapaz, de que nem o nome ficamos a saber e se some, desaparece no ar como o Mandrake, voilá Molero, que é por sua vez explicado, traduzido, por Austin que transmite a Mister DeLuxe, o qual, hierarquicamente superior e filosofante, extrai sempre uma conclusão teórica, uma síntese ideológica, desse contraponto surgiu-me a suspeita de que a osmose dos quatro era mais perfeita daquilo que se nos apresenta.

Que eram um em quatro, e os quatro quase heterónimos do Autor, cúpula mal escondida nos bastidores da intriga («tudo o que criamos é apenas o que somos», está lá escarrapachado).Um breve senão: a meu entender, o A. Fornece em demasia pistas escusadas. As referências a Pessoa, Pessanha, Breton, Beckett, etc., se podem ser muito do agrado de literatos enfadam o leitor medianamente informado. Eu já tinha detectado aquele quarteto, e mais: um que Dinis Machado não cita, parece-me, e muito injustamente: o Almada do «Nome de Guerra» e ainda mais o Almada da «Engomadeira», que – baba-te, Dinis Machado! – é texto que «O QUE DIZ MOLERO» por assim dizer continua, saltando por cima de meio século de literatura parva, imitada, gaga prosa que se retrogradou ao Júlio Diniz e parece filha de «O Feliz Independente»… Também o Cesariny de «Corpo Visível» ou do «Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos» por ali corre.

Outro: as mui discretas, quase sumidas no contexto, alusões à situação política nacional, num momento particularmente crítico (a acção decorre durante a Segunda Guerra Mundial e seu termo). O herói positivo seria apenas o Bigodes Piaçaba, «que era contra o Governo». Tão-pouco se acredite, apesar da discrição, na indiferença ou inocência da obra; pois num comentário de Mister DeLuxe se pode ler esta carapuça, a enfiar sem disfarces nos nossos políticos pluralistas (e outros, mais à direita): «é óbvio que a autoridade dos líderes assenta quase sempre sobre autênticas puerilidades.» Valeu!Repito e finalizo: um livro-bomba, uma obra d’arromba."

publicação de
JBS

CORREIO COSTELETA


RECEBIDO DA IVETE CAMPINA

O POLIGROTA
(a propósito do acordo ortográfico)


É verdade matemática que ninguém pódi negá,
que essa história de gramática só serve pra atrapaiá.
Inda vem língua estrangêra ajudá a compricá.
Meió nóis cabá cum isso pra todos podê falá.

Na Ingraterra ouví dizê que um pé de sapato é xu.
Desde logo já se vê, dois pé deve sê xuxu.
Xuxu pra nóis é um legume que cresce sorto no mato.
Os ingrêis lá que se arrume, mas nóis num come sapato.

Na Itália dizem até, eu não sei por que razão,
que como mantêga é burro, se passa burro no pão.
Desse jeito pra mim chega, sarve a vida no sertão,
onde mantêga é mantêga, burro é burro e pão é pão.

Na Argentina, veja ocêis, um saco é um paletó.
Se o gringo toma chuva tem que pô o saco no sór.
E se acaso o dito encóie, a muié diz o pió:
''Teu saco ficô piqueno, vê se arranja ôtro maió'...

Na América corpo é bódi. Veja que bódi vai dá.
Conheci uma americana doida pro bódi emprestá.
Fiquei meio atrapaiado e disse pra me escapá:
Ói, moça, eu não sou cabra, chega seu bódi pra lá!

Na Alemanha tudo é bundes. Bundesliga, bundesbão.
Muita bundes só confunde, disnorteia o coração.
Alemão qué inventá o que Deus criou primêro.
É pecado espaiá o que tem lugar certêro.

No Chile cueca é dança de balançá e rodá.
Lá se dança e baila cueca inté a noite acabá.
Mas se um dia um chileno vié pro Brasir dançá,
que tente mostrá a cueca pra vê onde vai pará.

Pblicação de
JBS