sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

TEMA: - conto

Elas sabem o que querem?

A garrafa de coca-cola na mesa do bar, o copo meio cheio, ao lado, um livro aberto na página 37, um pratinho de amendoim torrado e uma cadeira vazia a espera de alguém.
Sandra demonstra certa ansiedade, o relógio de pulso parece esquivar-se do seu olhar pois de minuto em minuto ela o consultava. Os versos de Julio já não surtiam o mesmo efeito e o livro é cerrado com o marcador de páginas fazendo o seu trabalho.
A coca-cola acaba e Sandra ainda belisca o amendoim.
Passa um garçon e ela pede dois martinis, olha em direção a porta, reconhece Sofia em meio as tantas pessoas que circulam no hal de entrada. Sofia dirige-se à mesa. O ar solitário, tenso e preocupado dá lugar a um largo sorriso que é correspondido. Sofia beija-lhe o rosto, senta na cadeira vazia que a esperava, observa o livro fechado, toma o drink e o diálogo entre elas estende-se por horas. E os martinis também.
Sofia paga a conta com o cartão e as duas vão até seus automóveis. Sandra desliga o alarme, abre o carro e coloca o livro no banco do "pendura", põe a chave na ignição, dá a partida e só então Sofia senta-se no seu carro, põe a mão no bolso do blaser em busca da chave e um guardanapo, colocado pela Sandra, dizendo ” Só as mulheres sabem o que as mulheres querem” vem junto com ela.
Sofia dá uma gargalhada e se diverte com a situação até que entra na garagem do edifício e por celular envia uma mensagem:
“Tu tens razão, nós sabemos o que queremos”…

Um arranjo de Montinho


TEMA: - CONTO

Vicios e Medronhos…


Sempre que o autocarro passava, em torno das 10:30h da manhã, a bebida estava liberada.
Não sei bem porquê!
Todos os dias, segunda, terça… sexta, sábado (menos no domingo) o autocarro estacionava em frente ao prédio do armazém de “Vicios & Medronhos, lda.”, desciam alguns passageiros, subiam outros, a motorista (sim, era uma mulher que dirigia o autocarro) engatava a marcha, seguia seu destino pelas estradas esburacadas do interior do Algarve, e a bebida estava liberada.
Claro que aquele ritual me deixava confuso. Em 1970, tinha lá eu pouca idade e algumas coisas ainda fugiam à minha compreensão.
O autocarro passava e o armazém citado, a taberna do Silva, a Casa do Povo, estavam liberados a vender o medronho, principal líquido ingerido pelos homens da vila. E os homens consumiam, muitos bebiam à exaustão e nem conseguiam chegar em casa para o almoço, outros chegavam mas atropelavam tudo o que vinha pela frente e tinha os que nem iam para casa, ficavam ali, em uma ou outra taberna ou café, bebendo e jogando conversa fora, picando um fumo para o palheiro e às vezes até comendo um pão com linguiça preparado pelo senhor Silva e bebendo.
E tudo, tudo, acontecia somente depois das 10:30h, depois que o autocarro passava. E no outro dia e no outro e no outro.
O vilarejo era pequeno, uma estrada principal e ao redor dela acotovelava-se o comércio.
Passei belos momentos de minha infância ali, na casa dos meus avós, com suas plantações de milho, pastagens para o gado que, inclusive, ajudava a ordenhar e às vezes a conduzir pela estrada de terra batida até ao monte de um amigo do meu avô onde o gado pastava.
E o vilarejo não prosperava.
Mas eu falava da bebida e ela enriquecia os comerciantes e destruia os lares e as economias da população.
O vício enraizado nos homens deixava sua mulheres escravas do trabalho, da educação dos filhos, da incompreensão coletiva, dos tombos de seus maridos, das idas ao centro da vila em busca deles jogados nos passeios.
A lei das 10:30h foi imposta pela população feminina e surgiu para amenizar problemas.
Saudades dos tempos em que o almoço era servido pela avó e nós na nossa inocência nada percebíamos. Saudades da vila que apesar de tudo cresceu e destas pequenas histórias que se perderam no tempo.
Hoje, brincamos com os factos ocorridos e muitas vezes usamos a mesma história para saber o horário certo do primeiro gole, aliás, Maria, que horas são mesmo? Ah, então tá, já podemos engolir o primeiro copo de medronho…

Um arranjo de Montinho