segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

REVIVENDO!...


Fui criado com princípios morais comuns.
Quando eu era “moce-pequeno”, mães, pais, professores, avós, tios, vizinhos eram autoridades dignas de respeito e consideração.
Quanto mais de perto ou com mais idade, mais afecto.
Inimaginável responder de forma mal-educada aos mais velhos, professores ou autoridades...
Confiávamos nos adultos, porque todos eram pais, mães ou familiares e vizinhos da nossa rua, do bairro ou da cidade.
Tínhamos medo apenas do escuro, dos sapos, dos filmes de terror...
Hoje sinto uma tristeza infinita por tudo aquilo que perdemos.
Tudo que os meus/vossos netos, um dia enfrentarão.
Pelo medo no olhar das crianças, dos velhos, dos jovens e dos adultos.
Direitos humanos para os criminosos, deveres ilimitados para os cidadãos honestos.
Não levar vantagem em tudo significa ser idiota. Aquilo que sou…Trabalhador digno e cumpridor dos deveres virou otário.
Pagar dívidas em dia é ser tonto - amnistia para corruptos e sonegadores.
O que aconteceu connosco? Com este povo?
Professores maltratados nas salas de aula; comerciantes ameaçados por traficantes; grades em nossas janelas e portas.
Que valores são esses?
Automóveis que valem mais que abraços. Filhas querendo uma cirurgia como presente por passarem de ano.
Filhos esquecendo o respeito no trato com pais e avós.
No lugar de senhor, senhora, ficou “oi cara”, ou “como estás, meu”?
Celulares nas mochilas de crianças.
“O que vais querer em troca de um abraço?” – “A diversão vale mais que um diploma.” – “Uma tela gigante vale mais que uma boa conversa.” – “Mais vale uma maquilhagem do que um sorvete.” - “Aparecer do que ser.”
Quando foi que tudo desapareceu ou se tornou ridículo?
Quero arrancar as grades da minha janela para poder tocar nas flores…
Quero me sentar na varanda e dormir com a porta aberta nas noites de verão.
Quero a honestidade como motivo de orgulho.
Quero a rectidão de carácter, a cara limpa e o olhar “olho no olho”.
Quero sair de casa sabendo a hora em que estarei de volta, sem medo de assaltos ou balas perdidas.
Quero a vergonha na cara e a solidariedade.
Onde a palavra valia mais que um documento assinado.
Quero a esperança, a alegria, a confiança de volta.
Quero calar a boca de quem diz: “temos que estar ao nível de” ao falar de uma pessoa.
E viva o retorno da verdadeira vida, simples como a chuva, limpa como o céu de primavera, leve como a brisa da manhã. E definitivamente bela como cada amanhecer.
Quero ter de volta o meu mundo simples e comum, onde existam o amor, a igualdade, a solidariedade e a fraternidade como bases.
Quero que voltemos a ser gente. A ter indignação diante da falta de ética, de moral, de respeito. Construir um mundo melhor, mais justo e mais humano, onde as pessoas respeitem as pessoas.
Utopia?
Quem sabe.
Precisamos tentar.
Nossos/vossos filhos merecem e nossos/vossos netos certamente nos agradecerão.
Quem sabe começando a caminhar ou ajudando a transmitir esta mensagem teremos de volta nossa dignidade, nosso respeito, nossos direitos, nossas vidas.
Pense, decida.
Só depende de você. E de todos os idiotas como eu!


Um arranjo do “idiota” Montinho
“Com um abraço de despedida”
UMA ESCOLHA DIFÍCIL!...

O dono do pequeno restaurante é amável, sem derrame, e a fregueses mais antigos costuma oferecer, antes do menu, o jornal do dia "facilitado", isto é, com traços vermelhos cercando as notícias importantes.
Vez por outra, indaga se a comida está boa, oferece cigarrinho, queixa-se do resfriado crônico e pergunta pelo nosso, se o temos; se não temos, por aquele regime começado em que Janeiro?, e de que desistimos. Também pelos filmes de espionagem, que mexem com ele na alma.
Espetar a despesa não tem problema, em dia de barra pesada. Chega a descontar o cheque a ser recebido no mês que vem ("Falta só uma semana, Seu Apolinário").
Além dessas delícias raras, Seu Apolinário faculta ao cliente dar palpites ao cozinheiro e beneficiar-se com o filé mais fresquinho, as lulinhas fritas, o robalo de primeira, a batata doce frita feita na hora, especialmente para os eleitos. Enfim, autêntico papo-gostoso.
Uma noite dessas, o movimento era pequeno. Seu Apolinário veio sentar-se ao lado da antiga freguesa. Era hora do jantar dele, também.
O garçom estendeu-lhe o menu e esperou. Seu Apolinário, calado, olhava para a lista inexpressiva dos pratos do dia. A inspiração não vinha. O garçom já tinha ido e voltado duas vezes, e nada. A freguesa resolveu colaborar:
- Que tal um fígado acebolado?
- Acabou, madame - atalhou o garçom
.- Deixe ver... Bife de atum de cebolada, está bem?
- Não, não tenho vontade disso - e Seu Apolinário sacudiu a cabeça.
- Bem, estou vendo aqui uns choquinhos com tinta, com arroz de coentro...
- Não é mau, mas acontece que ainda ontem comi umas papas de milho (xarém) com conquilhas, uma delícia e há dois dias que me servem feijão ao almoço - ponderou.
A freguesa de boa vontade virou-se para o garçom:
- Aqui no menu não tem, mas quem sabe se há. Um bacalhau à qualquer coisa? Pois Seu Apolinário (refletiu ela) como bom português, e como todo lusíada que se preza, há de achar que todo o bacalhau é bom prato.
Da cozinha veio a informação:
- Tem bacalhau à Gomes de Sá. Quer?
- É, pode ser isso - concordou Seu Apolinário, sem entusiasmo.
Ao cabo de dez minutos, veio o garçom brandindo a Gomes de Sá. A freguesa olhou o prato invejando-o, e, para estimular o apetite de Seu Apolinário:
- Está uma beleza!
- Não acho muito não - retorquiu, inapetente.
O prato foi servido, o azeite adicionado, e Seu Apolinário “garfou” o bacalhau, depois de lhe ser desejado bom apetite. Em silêncio.
Vendo que ele não se manifestava, sua leal conviva interpelou-o:
- Como é, está bom?
Com um risinho meio de banda, fez a crítica:
- Bom nada, madame. Isso não é bacalhau à Gomes de Sá nem aqui nem em Macau. É bacalhau com batatas. E vou lhe dizer:
- Está mais para sem gosto do que com ele. A batata me sabe a insossa, e o bacalhau salgado em demasia, ai!
A cliente se lembrou, com saudade, daquele maravilhoso Gomes de Sá que se come no Retiro dos Amigos no Rio Sêco. E foi detalhando:- Lá é que se prepara um apetitoso, sabe? Muito tomate, pimentão, azeite de verdade, para fazer um molho pra lá de bom, e ainda acrescentam um ovo...
Seu Apolinário emergiu da apatia, comoveu-se, os olhos brilhando desta vez em sorriso aberto:
- Isso mesmo! Ovo cozido e ralado, azeitonas britadas, daquelas... Um santo, santíssimo prato! Mas, encarando o concreto:
- Essa gente aqui não tem a ciência, não tem a ciência!
- Espera aí, Seu Apolinário, vamos ver no jornal se tem um bom filme de espionagem para o senhor se consolar. Não tinha, infelizmente.

Um arranjo do “idiota” do Montinho