domingo, 6 de março de 2011


CRÓNICA DE DOMINGO

TAMBÉM EU.

Por João Brito Sousa

Iam de mão dada à Igreja aos domingos. Ainda namoravam e no percurso que ia da casa dela até à missa, local do destino, sorriam um para o outro, confirmando que se entendiam plenamente. As pessoas que com eles se cruzavam, achavam enternecedor aquele casalinho, não diziam nada, mas dentro de si sorriam também. Às vezes algumas pessoas, desconhecidas, digamos, anónimas, quase que lhes acenavam com a mão e diziam baixinho, que sejam felizes. Era um casal conhecido antes do casamento que manteve a mesma popularidade depois. O casal carregava consigo uma boa dose de felicidade, ou, como refere dizer Saramago, uma boa dose de harmonia. A vida sorria-lhes. Terminaram os seus cursos e foram colocados no seus postos de trabalho. Adquiriram uma viatura Austin Mini e foram passear. Para a neve no Inverno e para as praias no verão. Trabalharam muito e ganharam muito dinheiro. E as pessoas de antigamente quando os viam a passear na rua diziam o mesmo de outros tempos. que lindo casal. Mas agora já não iam à missa. E continuavam a ir para a neve, mas menos vezes, porque os filhos impediam um pouco os movimentos. Às vezes ele dizia para a mulher: tenho saudades da neve. E ela dizia: ò homem deixa lá a neve.
Os filhos fizeram os seus percursos e saíram de casa. Agora mais folgados, voltaram a sair à rua com mais assiduidade. Aos domingos era sagrado, vinham de mãos dadas tomar o café na eventual hipótese de encontrar um casal amigo para dois dedos de conversa. Certa vez encontraram o Guedes que tinha sido parceiro de carteira dele.
- Estás só, ó Guedes, perguntou ele.
- É verdade, a minha mulher faleceu.
- E vives sozinho ?
- Sim. Já lá vai para três anos.
- Três ? interrogou-se ele.
- É verdade.
- Como o tempo passa, disse ele.
Ás tantas despediram-se. O Guedes ficou ainda.
- Conhecias a mulher do Guedes ? perguntou-lhe ele.
- Sim, conhecia sim, a Silvina. Era uma boa moça.
- Qualquer dia acontece-nos a um de nós, disse ele.
- É a vida, disse ela.
E as pessoas continuavam a reparar neles e a sorrir, nalguns casos ainda. Ainda passeiam pelas ruas , vão ao café de manhã, mas as pessoas que os vêm passar agora, interrogam-se e perguntam à mulher quando ela vai às compras sozinha.
- O que é que tem o seu marido?
- Foi operado à coluna e está a recuperar.
- Está tão velhinho, dizem elas.
- È a vida, dizia mulher.
- E a senhora apoia-o tanto. É tão boazinha.
- Tem de ser, diz a esposa.
Quando saem os dois, de mão dada, ás vezes cruzam-se com um autocarro que parou no semáforo. Ele olha para os passageiros, que pelo seu semblante, parecem dizer, que velhinho.
Mas ele ri-se e, com o olhar diz para a mulher.
- Já fui novo
E ela
- Também eu.

jbritosousa@sapo.pt