domingo, 1 de maio de 2011

LER O JORNAL Á BORLA

Por João Brito Sousa

Em especial, para o ALFREDO MINGAU.

Tenho muita pena de não conhecer o Alfredo. Por muitas razões. Por um lado, porque gosto de conhecer pessoas e por outro, porque achei piada áquela comparação, digamos, entre o ler o jornal á borla e tomar notas no bloco, para depois escrever os textos para o espaço costeleta, entre outras.

A mim, particularmente, interessa-me e agrada-me vir aqui escrever umas coisas, como o estou a fazer agora, porque entendo que fazendo-o, aprendo a ser melhor pessoa, ou seja, estando os meus textos sujeitos a muitos olhares, penso eu, quando houver razão vem crítica e eu tenho continuadamente que aprender a lidar com essas situações. Quero dizer, o estar aqui, educa-me e aqui tenho aprendido a ser humilde.

Dentro deste aspecto, da humildade, tenho a suficiente para reconhecer a subida de popularidade do Alfredo Mingau, com quem estive e continuo a estar contra, quanto à utilizção do pseudónimo. Mas essa “guerra” foi ganha pelo Alfredo e pelo mano Roger. Resta-me a consolação de ter pdido dizer não.

Os meus textos são dos menos comentados no blogue e isso faz com que tenha um certo cuidado na elaboração dos mesmos. Mas não entrei bem aqui, penso eu. Nos jornais para onde escrevo, bato-me com os outros de igual para igual e têm-me chegado alguns comentários favoráveis. Um deles foi do Viegas Palmeiro sobre um texto que escrevi para o “Avezinha”. Que disse que o texto estava bem escrito. Fica aqui o meu agradecimento, se ele o aceitar.

Há um princípio básico que deve ser seguido por quem gosta de falar, como eu, que gosto: é dizer o que pensa. E é isso que eu faço. De cabeça erguida sempre mas sem sobrancerias. Reconhecendo aos outros o direito de discordar.

Todas as manhãs vou ao café, um velho hábito, peço a habitual “bica” e lanço uma olhada pelo local onde costuma estar o jornal. Se ele está lá… eu vou lá e trago-o Às vezes é a senhora que o traz. Portanto, há sintonia nos interesses em cada um de nós; à patroa interessa-lhe que eu continue como cliente permitindo-me a leitura á borla do periódico e eu vou lá, porque posso ler o jarnal… de borla.

Uma coisa que toda ou quase toda a gente faz. O que nem todos fazem é escrever no bloco de notas, como faz o Alfredo.

Que, repito, tenho pena de não o conhecer. Ou se calhar conheço. O mundo é tão pequeno.

Deixo-lhe um abraço.

E aos outros costeletas, outro.

Alabi, alabá, bum, bá, escola, escola, escola.
FÉRIAS EM VILA DE FRADES

de  Lina Vedes

Estamos em Julho de 2007.
Como é possível ter conseguido reter na memória umas férias passadas no Alentejo em 1946/47?
Claro, desse passeio a Vila de Frades, Cuba, existem lacunas, pontos completamente apagados. No entanto, há episódios que permanecem, tão nítidos, que me dão a sensação de terem acontecido ontem. Sei que o passeio foi em tempo de Verão e que na casa para onde fui circulavam pessoas, todas mais velhas do que eu. Não sei porquê e como fui para lá, quanto tempo lá estive, o nome e a cara das pessoas que me receberam, e como regressei.
Tinha 6 ou 7 anos.
Sempre vivi em Faro, que na altura mais parecia uma vila (embora capital), com pequenas habitações, trânsito automóvel quase nulo e todos a conhecerem todos.
Nunca saíra da casa dos pais, e talvez por isso, a absorção de todas as vivências foi integral.
Vila de Frades era um local pacato, tranquilo, totalmente diferente de Faro.
A primeira imagem que guardei, religiosamente, é de uma rua que subia e curvava à esquerda, com casas térreas, alinhadas, muito branquinhas, com grandes chaminés, com postigos nas portas e degraus de acesso.
Lembro as noites sentados em grupo, no sítio onde cozinhavam, debaixo da chaminé, a contar histórias, anedotas, poesias, rezas, a entreter o tempo.
Uma senhora fazia meia, mas interrompia o trabalho lançando aos outros a sua sabedoria e experiência de vida. Como gostava de ouvi-la e como ela conseguia encantar, não só a mim, mas a todos os que a rodeavam. Todos bebíamos as suas palavras, um legado do passado, transmitido ao presente que haveria de se oferecer ao futuro.
Havia noites que não ficávamos em casa, íamos para a rua, com cadeirinhas baixas para nos sentarmos.
O ar que respirávamos era puro, parecia santo. A conversa focava o trabalho, a luta pelo pão, pela sobrevivência, revelava o amor pela terra, pela família, pelos amigos, todo o sofrimento da alma.
Ao longe ouviam-se vozes que mais pareciam o sussurrar do vento. Aos poucos, esses sons, iniciados mansamente, iam crescendo de volume e todos nos quedávamos como que encantados a ouvir, embalados, dando-nos a sensação de colo materno…
Para quê inventar contos de fadas, se nós estávamos ali a ser personagens de uma história de encantar?…
Bastava fechar os olhos, ouvir e voar…
Essas vozes de homens, num canto dolente, com uma sonoridade de palavras que mais pareciam alívio de sofrimentos e cansaços, revelavam o labor do dia-a-dia, o sabor do suor de quem trabalha.
Pelas ruas, vários grupos cantavam. Era a alma do povo que se exprimia de maneira singela e profunda.
Outro facto que me impressionou foi a ida a uma feira em Cuba e assistir a uma tourada.
Os carros de besta sem os animais, que pastavam e descansavam, foram encostados uns aos outros, formando um círculo cerrado. Dentro da arena, improvisada, homens provocavam touros e fugiam deles. Alguns eram apanhados e lançados ao ar e aconteciam situações caricatas. Os carros eram o refúgio dos que fugiam e dos que assistiam ao espectáculo. Ouviam-se palmas, risadas, ais… de tudo um pouco. Todos vibravam e saíam gritos de apoio:
- OLÉ!!
Imaginem o que sentiria uma criança de 6 anos, caída num Alentejo tranquilo, ingénuo, de pessoas que nada possuíam, mas tudo tinham, principalmente a grandeza de alma… Essa criança só tinha instintos; a idade não lhe permitia analisar, nem sequer lembrar-se de interrogar:
- Porque é que isto é assim?
O trajecto Cuba/Vila de Frades foi feito depois de um dia de emoções, numa carroça puxada por um animal levando mulheres, eu e o homem que a conduzia. O caminho era longo, mas tínhamos todo o tempo. O luar cheio impunha-se. Iluminava e aquecia-nos a alma. O carro chiava, dolentemente, deslocando-se sem pressas.
Eu, de olhos bem abertos, olhava à volta a paisagem lunar salpicada de árvores, que se adivinhavam no contraste lua/ sombra. Um cheiro a restolho, misturado com o das uvas por apanhar, mas maduras.
Ouviam-se os grilos, viam-se os pirilampos brilhando como pequenas estrelas.
Que paz!!!!…
A carroça lá ia vencendo o caminho, e as mulheres, para matar o tempo, iniciaram conversas de “lobisomens”, de bruxas, de acontecimentos macabros, de vida para além da morte, que me atormentaram a alma.
Um contraste de paz e medo.
Resolveram cantar e as suas vozes soavam na imensidão da planície e aí, sim, a tranquilidade foi plena.
Deitada no fundo da carroça, dominada pelo encanto do momento, tapada pelo luar, embalada pelas vozes dolentes que sussurravam e pelo baloiçar da carroça que, chiando, avançava, avançava… adormeci.

É tão lindo ver o campo,
Tão lindo!…
Trigueirinha alentejana:
Numa mão levas a foice,
Noutra, canudos de cana.

Com teu trajo à camponesa,
Tão lindo…
Com o teu chapéu ao lado,
Cantando lindas cantigas,
Ceifando,
As espigas do pão sagrado.
(autor desconhecido)