Nota de abertura:
O título deste artigo foi uma inspiração para escrever esta pequena “charla”, com um certo humor leve.
Espero que gostem
CAFÉ E JORNAL
Montinho
Na minha rua não há café da esquina mas, quase ao fim da rua, existe um pequeno café/pastelaria, que nunca frequentei.
Resolvi seguir o exemplo do João Brito de Sousa, que não me leve a mal…
Acompanhado de minha mulher, que gosta de tomar a “bica” todos os dias da manhã, entrámos e sentámo-nos.
- Um café, se faz favor – disse a minha mulher.
- E para o senhor? Perguntou-me a empregada.
- Deixe-me ver – respondi olhando para a empregada, que sorriu docemente, de um modo quase infantil, “Não se importa que eu peça uma coisa diferente?”
- Claro que não, diga à vontade.
- Não estou a pensar em nenhuma iguaria especial.
- Ouve lá – disse a minha mulher, em voz baixa, inclinando-se para mim. “Se não te consegues comportar vou-me embora”.
- Olha querida, respondi no mesmo tom, “pediste um café. Deixa que eu também mande vir o que me apetece”. E para a empregada:
- Queria, para já, o jornal da casa.
- Não temos, não costumamos comprar.
- Bem, então o meu problema é que não me lembro, de repente, do nome daquilo que queria pedir. É assim um líquido escuro…
- É uma bebida alcoólica?
- Não! Não. Se bem me lembro trouxeram-me numa chávena de vidro. E também me lembro que estava bastante quente.
- Receio que não tenhamos.
- Nem posso acreditar, respondi. “Não será possível perguntar aquela sua camarada?”
- Sim, com certeza, disse a menina, e foi ao balcão à pressa.
- Estou a ficar farta do teu comportamento, disse a minha mulher irritada, ela não gosta de dar nas vistas. “Se não acabas com isso vou para casa”.
A empregada aproximou-se sorrindo:
- A dona do café pergunta se a bebida era castanho-clara?
- Não, menina. Era quase preta.
- E onde costuma tomar essa bebida?
- Num café, na baixa da cidade.
- Já receava – riu-se – São cafés de luxo e nós somos um café de segunda classe.
- Espere aí!, disse eu. “Agora me lembro que com a chávena vinha uma colher pequena. E mais uma coisa. No pires, uns pequenos cubos brancos”.
- Cubos? Olhou a empregada para mim, e desatou a rir. “Há cinco anos que estou cá, nunca houve um pedido assim, cubos! Riu-se novamente.
- Não se podia perguntar à dona do café?, perguntei.
A empregada foi, mas à entrada do balcão olhou para trás, pôs a mão na boca e sorriu.
- Só ficas contente quando as pessoas se ocupam de ti?, perguntou-me a minha mulher furiosa.
- Nem pensar, querida. Nem assim fico contente.
- Era melhor dares conta do que estás a fazer, retorquiu.
A empregada voltou. Atrás dela vinha a dona do café. Caveirosa, de óculos, com um livro de um autor desconhecido na mão. Não consegui ver o título.
- Estou a ver o problema. Disse ela com delicadeza.
- Mas, por favor, não faça caso do assunto respondi.
- Nós gostamos de satisfazer os nossos clientes. De que tipo eram os cubos?
- Se bem me lembro, eram brancos e de tamanho pequeno, respondi.
As duas entreolharam-se. A jovem empregada, que agora não se atreveu a rir, só casquinou baixinho. A dona do café, por seu lado, continuava séria. E respondeu
- É muito aborrecido, mas o que posso fazer? – Não temos cubos de nenhum tipo.
- Não é assim tão importante, respondi.
- E também não conheço o líquido de que fala, acrescentou a dona do café.
- Deixe lá. E fiz um gesto de desistir com a mão. E acrescentei:
- E traga-me também um café.
E foi assim a primeira vez que entrei, para tomar a bica e ler o jornal à borla, no café da minha rua. E sai, para comprar o jornal na tabacaria da esquina. Tenho que ir morar para o Porto.