domingo, 22 de maio de 2011



O TCHANA

Lina Vedes

O Tchana
Quando e onde nasceu?

Algures em S. Brás de Alportel por volta de 1900/1910.
Começou a aparecer junto da rapaziada, humilde, discreto, sabendo conviver, embora pouco falante. Era aceite por todos e convivia, sem complexos, ficando ou afastando-se conforme lhe diziam, sem amuos ou zangas.
A rapaziada levava-o para brincadeiras na Fonte Férrea e na ribeira dos Machados. Esses passeios acabavam sempre com um banho forçado traumatizando-o de tal maneira que ganhou verdadeiro terror à água (contava a minha avó).

Como se chamava?

Não sei e julgo que ninguém nunca o soube.
Era o Tchana.
Ele adorava o nome e não se cansava de dizer:
- Menino… Menina leva o Tchana?
E levavam o Tchana para felicidade dele!

S. Brás de Alportel era uma vila pequena, todos se conheciam e havia na altura muita juventude.
Vivia-se da cortiça e dos frutos secos: alfarroba, figo, amêndoa, bolota.
Faziam-se as saborosas amêndoas da Páscoa utilizando o pinhão ou miolo de amêndoa (julgo que actualmente o seu fabrico acabou).
Conheci muito bem o vizinho Zé Pepé, como a mãe lhe chamava, que morava na rua que nos conduzia aos Vilarinhos. Nasci nessa rua, numa casa pegada com o velho cinema de S. Brás, na frente dos melhores fazedores de amêndoas doces e moles.
Durante longos anos tivemos em nossa casa um cartucho delas, enviado pela família Pepé.
O seu fabrico era complicado.
Duas cordas que desciam até quase ao chão atadas em argolas de ferro presas nos barrotes que sustinham o telhado de canas, seguravam dois tachos de cobre enormes, contendo um miolo de amêndoa e o outro pinhões.
O vizinho Zé Pepé sentava-se numa cadeira baixa tendo ao lado um tacho com uma mistura de água com açúcar em cima de um fogareiro de carvão, com brasas sempre vivas. Movimentava energicamente o tacho da frente para trás como baloiço, dando fortes impulsos em cada volta. Os miolos contidos no tacho iam-se misturando à calda de açúcar que lá era despejada, lentamente, com uma concha de sopa.
Levava imenso tempo a fazer porque a calda tinha de ser introduzida em quantidade suficiente e no ponto, e as voltas ao caldeirão, bem ritmadas, eram muitas. O calor era horrível e exigia grande esforço braçal.
Muitas vezes assisti a esse trabalho sendo impossível a experiência devido ao calor, ao peso e ao jeito…
Páscoa sem amêndoas não é Páscoa!
A festividade faz lembrar o tempo dos contratos entre a “malta” miúda, adolescentes e namorados. Eram feitos a partir da quarta-feira a seguir ao Carnaval, por duas pessoas que enganchavam os dedos indicadores direitos, balançando-os para cima e para baixo e dizendo:
- Contrato, contrato,
Contrato faremos.
Sábado de Aleluia


O desmancharemos!

O objectivo do contrato era ganhar as amêndoas da Páscoa.
Ao longo dos dias da Quaresma íamos jogando e treinando com o nosso compadre, mandando:
- Ajoelha e reza!
Introduzíamos o “trava”, tínhamos de obedecer e só nos libertávamos das ordens que nos davam se mantivéssemos dois dedos na cara.
No Sábado de Aleluia que começava logo a partir da meia-noite de sexta-feira, era uma verdadeira perseguição porque ninguém queria pagar as amêndoas. Era um verdadeiro jogo do rato e do gato. Nem na procissão do Senhor Morto (depois da meia-noite) conseguíamos escapar!
Ouvia-se por todos os cantos:
- Ajoelha e oferece!
No Domingo de Páscoa, realizava-se (e realiza-se) a festa singular da Aleluia, a das tochas, que levava multidões à vila.
São-brasense que se preze não falta à sua festa.

O Tchana não faltava.
Diziam que ninguém conseguia ver-lhe bem o rosto sempre muito tapado com o velho chapéu. Num Domingo de Aleluia, em 1972, o Dinarte conseguiu entabular um animado diálogo com ele e fotografá-lo no momento em que olhava para o céu à procura de um avião.

Como sobrevivia e onde dormia?

Ignoro
Não devia passar fome, parecia bem alimentado.
A distracção dele quando lhe faltava programa era vir a Faro a pé ou de boleia em alguma carroça puxada a bestas, porque ele sabia que muitos dos seus amigos estudavam na cidade.
Aos domingos as raparigas iam todas engalanadas nos seus vestidos domingueiros à Igreja Matriz. Então os rapazes diziam ao Tchana:
- Ganhas cinco tostões se deres um beijo na boca da… (e lá indicavam quem).
O Tchana espreitava, esgueirava-se e quando a moça menos esperava, era agarrada com as manápulas sujas e beijada. Elas estavam de sobreaviso, mas ele, bastante matreiro e pelos 50 centavos que ganhava, esmerava-se para atingir o objectivo.
(contava a minha mãe)

O Tchana tinha a fama de nunca ter dado banho senão quando o mergulhavam nas ribeiras, em pequeno.
Era desdentado, encardido, um tanto para o ranhoso. Trazia sempre um chapéu de feltro esburacado enfiado na cabeça até às orelhas, que sobressaiam escuras de sujidade. Os cabelos não eram visíveis e, às vezes, apresentava farta barba e bigode.
A roupa que usava era de medida superior à sua, com as calças amarradas à cinta com uma corda. O casaco, quando abria, mostrava uma camisa encardida, sem cor definida, com poucos botões, que quando aberta revelava um peito com pelos ralos.
Os sapatos largueirões, desatados, e as meias com grandes buracos mostrando partes dos pés.
As mãos eram grandes com enormes unhas negras que acamavam porcaria.
Na vila divertiam-se com o Tchana que permanecia no largo das camionetas, local onde toda a juventude se encontrava, muito procurado porque nele circulavam as camionetas com destino a Lisboa, com o acesso pelo Barranco de Velho, numa estrada bem sinuosa (diziam ter 365 curvas). A Serra do Caldeirão era um terrível e verdadeiro obstáculo para uma deslocação a Lisboa.
Havia uma bela jovem de nome Celeste que brincava imenso com o Tchana. Mostrava-lhe amendoins descascados e perguntava:
- Queres Tchana?
Quando ele jogava a mão ela escondia-os e metia-os na boca.
O Tchana ria-se pois aceitava todas as brincadeiras de bom grado. Um dia, talvez não estivesse bem-disposto, quando o episódio se repetiu e quando os amendoins já baloiçavam na boca da Celeste, o Tchana com a mão esquerda aperta-lhe o pescoço, obrigando-a a abrir a boca. Enfia a gadanha imunda na boca da Celeste e arranca-lhe os amendoins, comendo-os ele de seguida. Risada geral, repugnância da protagonista e brincadeira acabada para sempre.
(contava a minha mãe)
O Tchana sabia todas as capitais da Europa. Quando acompanhava os estudantes nos seus passeios, por brincadeira, ensinaram-lhe o nome de capitais. A troco de dinheiro o Tchana papagueava a lição, feliz e contente pela recompensa e por se considerar importante.
As minhas filhas ainda o conheceram, já mais velhote, continuando com os seus longos passeios até Faro, a pé, sem a possibilidade de boleia em carroças. Tudo tinha evoluído e os rapazes/homens do seu tempo seguiram outro rumo e o Tchana foi perdendo protagonismo.
Já ninguém lhe dava cinco tostões para beijar uma moça e já se tinham esquecido de lhe perguntar:
- Tchana qual é a capital da França… e da Itália…?
Todos herdamos à nascença defeitos, virtudes, taras, desvios…
O Tchana era um homem simples, pequeno, mostrava aquilo que era. Vivia na penumbra, numa perspectiva de luz/sombra.
Há homens grandes parecendo gigantes nos seus saberes vistos de longe, mas vistos de perto, padecem de defeitos idênticos à maioria!!!


PROCURA-SE A RAZÃO (I)

Por João Brito Sousa
No meu último texto sobre as Universidades, procurei identifcar uma possível fonte dos males do mundo, não onde eles começam e surgem mas onde não são corrigidos, onde não se ensina a forma de os evitar, onde se ensina muito pouco acerca da forma de estar, de se situar e o que fazer perante um problema errado. Aqui está já uma questão difícil de analisar e concluir, ou seja, saber o que é um problema errado.

Entendo que o mundo não pode ser isto que temos a nossa frente. E o que temos é dramático. Exemplificando direi que é dramático, um economista que aprendeu ou devia ter aprendido tudo ou o posssível sobre conrole de gestão financeira, não aplicar a matéria que aprendeu ou deveria ter aprendido, resultando daí que não controla nada, criando um clima de injustiça social deveras preocupante.

A mesma coisa se verifica com o Direito, onde os advogados ensinam ou exigem aos clientes que desdigam hoje o que disseram ontem, como forma de estratégia a utilizar (caso Renato Seabra) nos Tribunais. Há ainda a justiça que não funciona porque é difícil decidir e, para esse desempenho existem Juízes sem experiência e idades não compatíveis com a exigência da decisão.

Aliás, as coisas começam logo mal na escola primária, onde os professores, a começar pelos mais antigos (ver o papel do proefessor no conto pra escola de Trindade Coelho) não tiveram pulso para ganhar o silêncio na aula, para a dar, tendo a régua um papel determinante. Mas a régua resolveu um prblema pontual mas não conseguiu resolver o problema de fundo, que veio ao de cima no ensino secundário. Onde o que se vê é verdadeiramente mau.

O caso acontecido com o Presidente do FMI, candidato bem colocado nas eleições presidenciais em França é paradigmático.

Hoje a palavra amigo falha nalguns casos o que não deveria acontecer.

Uma história engraçada. Alguém me contou que certa vez duas pessoas viram no chão uns 40 euros. A mais rápida apanhou as notas e… olhando para a outra, viu-se coagido ,moralmente, talvez,a entregar-lhe uma nota de dez euros. Toma lá que também viste, mas eu vi primeiro. Mas quem perdeu os euros, saber isso, tentar saber ou preocupar-se com isso, nada

O mundo gira à volta disto. O que não está correcto, penso eu.

Quem é que ensina ? Onde se aprende ?

Este homem não presta.

Será assim ?

Comentários, precisam-se.

Para tornar o mundo melhor.

Ab.

jbritosousa@sapo.pt
APRESENTAÇÃO DE LIVRO

Maria José Fraqueza