segunda-feira, 23 de maio de 2011


CENAS DA MINHA TERRA


O JOAQUIM MENINO

Por João Brito Sousa

Joaquim Mateus Braz, desceu o barrocal e apresentou-se no Sítio, um local já perto do mar, com a categoria de trabalhador rural. Andou pelas vendas e conseguiu um posto de trabalho numa horta onde já trabalhavam doze ou treze pessoas. Joaquim deu nas vistas com a sua boa disposição e, ao fim de pouco tempo, estava integrado. Era verão e na horta, cultivava-se o milho, batatas, hortaliças e de uma maneira geral tudo o que era necessário à alimentação do homem. Como fazia calor, a rega era uma componente essencial para o desenvolvimento das culturas e Joaquim encarregava-se desse trabalho, apesar de não estar muito preparado para ele, porque no barrocal predomina o sequeiro e os trabalhos aí, passam pelo varejo dos frutos secos, como as amêndoas, alfarrobas e azeitonas, onde o trabalho agrícola se faz com a utilização de uma vara de marmeleiro ??? procedendo-se também à cava da terra, nas proximidades do tronco. Quer dizer, Joaquim era bom de enxada, pegava nela pelo cabo, dobrava o corpo até meio metro de altura da terra e cavava-a nos baixos das figueiras, amendoeiras e alfarrobeiras. Era um artista. O trabalho do campo, não parecendo, exige arte e saber. Cavar a terra exige habilidade na utilização da enxada, que, ao manejá-la, trás consigo, pouco ou muita terra, sendo necessário deixar o terreno cavado, alinhado e direito. Joaquim isso sabia fazer e bem.
Apesar de bom trabalhador, Joaquim começou a frequentar a taberna e passou a ter aí melhores desempenhos que no campo, onde o trabalho era de grande exigência física. Na taberna estava sentado e lá ia bebendo do seu copo. Às vezes apareciam outros e as tardes passavam-se galhofando. Joaquim tinha talento para contar histórias e o contar dessas histórias, levou-o a fixar-se na venda. A sua vida era a taberna e na taberna. Eu conhecia-o bem, às vezes encontrava-o na estrada e cumprimentava-o com um “éh Mestre Joaquim, como vai isso ? “
Que eu saiba Joaquim nunca teve mulher e continuava na taberna. Por fim era objecto de risada da malta, mas Joaquim lá ia andando. A bebida, por seu lado, fez dele um farrafo, mais ou menos à semelhança dos “clochard” em Paris, visíveis nas margens do Sena. Recordo o seu sorriso expresso logo abaixo de um pouco espesso bigode. E sorria também com o olhar. No fundo era um homem igual aos outros. Mas a taberna, foi, para Joaquim, num certo sentido, a mesma coisa que foi para o Lantier de Zola. Com uma diferença, Lantier chegava tarde a casa, tinha Gervásia à sua espera e desculpava-se dizendo que tinha andado á procura de trabalho. Joaquim não tinha mulher nem trabalho. Mas tinha sentido de humor, tinha estofo físico para aguentar as inúmeras bebedeiras que aquele corpinho contabilizou.
E tinha sobretudo um olhar sombrio mas generoso, nostálgico talvez, cativante até, que, com aqueles olhos negros, perspectivavam um conjunto semelhante a um dos jogadores de cartas, o quadro pintado por Paul Cezane. Parecia um menino. E chamavam-lhe isso, o Joaquim Menino. E assim ficou conhecido lá no Sítio.
O Joaquim Menino.

jbritosousa@sapo.pt